São Paulo, terça-feira, 18 de setembro de 2001

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O VIZINHO

Paquistão se arrisca a guerra civil

Além do Taleban, país pode ter de enfrentar extremistas paquistaneses na fronteira

France Presse
Garoto pasquitanês participa de manifestação de grupos islâmicos contra os EUA em Islamabad


PETER POPHAM
DO "THE INDEPENDENT", EM ISLAMABAD

Quando dois aviões destruíram as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, há uma semana, um estranho silêncio envolveu a Linha de Controle na Caxemira, a região disputada por Paquistão e Índia.
Pela primeira vez em semanas, não houve tiroteios durante todo aquele dia -nem no seguinte- entre as forças indianas e paquistanesas.
Uma semana depois, ficou óbvia a razão: o Paquistão teve de girar sua atenção em 180 graus, do antigo inimigo majoritariamente hindu para um país que, embora também muçulmano, não tem sido menos problemático.
Enquanto Mahmood Ahmed, o chefe da inteligência militar paquistanesa, saía de mãos vazias de seu encontro com o líder supremo do Taleban, o mulá Mohamad Omar, cerca de 25 mil afegãos armados com os mísseis Scud da era soviética se concentravam na fronteira do Afeganistão. Os mísseis possuem pouca precisão. Com um alcance de 300 km, eles são capazes, no entanto, de facilmente atingir a capital paquistanesa, Islamabad.
No sábado, o embaixador do Taleban no Paquistão disse: "Se qualquer país vizinho ceder territórios ou espaço aéreo aos EUA contra nossa terra, isso nos levará a uma guerra obrigatória. Os mujahidin teriam de entrar no território desse país". Na noite passada, o Paquistão se preparava para travar a primeira guerra em 54 anos com um inimigo que não fosse a Índia.
É incorreto dizer que o Paquistão não está pronto. Peshawar, cidade na ponta da passagem Khyber, é dominada por uma gigantesca fortaleza da era Raj, construída para impedir o avanço de afegãos. Em todo o caminho há instalações militares. Um analista paquistanês escreveu: "Desde a independência, o Afeganistão é uma dor de cabeça". O Exército promoveu a mobilização necessária para que essa dor de cabeça nunca venha a se tornar algo mais perigoso.
Se o Afeganistão se constituir num real perigo, essa será uma guerra realmente difícil. Com a Índia, as regras são claras. Ir para uma guerra contra o Taleban significa abrir diversos fronts ao mesmo tempo. E apenas um deles aparece no mapa.
O front óbvio se situa na fronteira afegã, impossível de fechar. Um segundo front são as terras tribais nas cercanias da fronteira, controladas pelas tribos autônomas da etnia pashtu, como os affridis, que compartilha muito de sua língua e de sua cultura com o Taleban e nunca aceitou a autoridade de Islamabad.
Nos rincões do Paquistão, artesãos produzem milhares de armas por ano, incluindo cópias de Kalashnikov, Beretta e pistolas chinesas. As tribos dessas regiões têm combatido as tentativas do governo paquistanês de desarmamento e dominam um solo fértil para guerra de guerrilha.
Esses são os inimigos convencionais do Paquistão. Mas o que realmente deverá tirar o sono do general Pervez Musharraf, que em 1999 se tornou "chefe do Executivo" após um golpe de Estado e em junho passado afastou o presidente para assumir também uma já esvaziada Presidência, é o terceiro front a ser aberto. Essa frente não está numa faixa de terra específica. Está nas mentes e nos corações de um grande e crescente parcela de paquistaneses -ninguém sabe quantos- que podem ser caracterizados como militantes islâmicos.
Essa força é o real problema do Paquistão. É a verdadeira fonte de rancor das manifestações de contentamento de uma semana atrás. Métodos de combate conhecidos podem ser usados contra o Taleban e os guerrilheiros, mas os guerreiros islâmicos estão em todas as partes e em nenhum lugar ao mesmo tempo.
Grupos como Jamaat-i-Islami, Jamiat-i-Ulema Islam e Lashkar-e-Taiba não estão interessados apenas em terras. Desejam servir a Allah, ir para o paraíso, fazer o possível para destruir o poder de Satã, sacrificarem-se. Em nome desse nobres ideais, são capazes de desencadear uma onda terrorista no Paquistão. Essas organizações já têm se reunido para tentar criar uma estratégia comum durante a crise.
Com a atrofia da economia do Paquistão, a educação em deterioração tem cedido espaço às "madrassas", as escolas islâmicas, onde muitas crianças são submetidas a doses intensas de incentivo a uma "guerra santa". Elas são fábricas disso. Nos próximos dias, o Paquistão descobrirá até que ponto se deixou afundar.


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