São Paulo, terça-feira, 18 de setembro de 2001

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DISCRIMINAÇÃO

Polícia pode parar qualquer árabe

Bush visita centro islâmico, mas a violência contra a comunidade aumenta

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

Desde o atentado terrorista que levou ao chão as torres gêmeas do World Trade Center, na terça-feira passada, a prefeitura de Nova York liberou a prática de "racial profiling" (perfil racial), que permite que policiais parem e interroguem suspeitos baseados apenas em seu aspecto físico.
A Folha apurou com um oficial da força que a ordem informal e não-escrita foi dada no próprio dia do ataque. Não há números oficiais, mas desde então perto de uma centena de imigrantes ou descendentes de muçulmanos foi parada na cidade e pelo menos duas dezenas, presas para interrogatório, todas posteriormente libertadas. Seu crime até agora foi apenas a aparência.
Relatos dão conta de que a prática foi especialmente utilizada nos aeroportos. Passageiros que esperavam seus vôos no JFK disseram que "pessoas de pele mais escura e sotaque árabe" eram tiradas das filas e revistadas, assim como "homens de turbante ou barba muito comprida".
Não é diferente nas barricadas. Taxistas árabe americanos, como Sherif Abdalla, de Manhattan, reclamam que seus colegas não-árabes têm merecido tratamento melhor quando é o caso de obter permissão para entrar na "cidade ocupada" -a parte de Nova York ao sul da rua Canal e em torno dos destroços do WTC.
Segundo o prefeito Rudolph Giuliani, "não há discriminação na polícia de Nova York". Se souber de algum caso, afirmou, punirá os responsáveis. A acusação não é novidade em sua administração: era a principal crítica que ele sofria antes do atentado. Mas as vítimas eram negros e latinos.

Bush na mesquita
A atitude da polícia de Nova York vai de encontro aos esforços de George W. Bush para tentar desvincular a comunidade árabe-americana do ataque terrorista de terça. Ontem, num ato simbólico, o presidente visitou a mesquita do Centro Islâmico de Washington.
Sem sapatos, como pede o ritual, Bush disse que "a face do terror não é a verdadeira face do Islã". Continuou: "Estes atos de violência contra inocentes violam os princípios fundamentais da fé islâmica; é importante que os americanos entendam isso".
Antes, havia dito ao prefeito Giuliani e ao governador George Pataki por telefone: "Há milhares de árabes americanos vivendo na cidade de Nova York. São pessoas que amam sua bandeira tanto quanto nós".
Mas o fato é que parte da população já trata a comunidade islâmica de outra maneira ou parte para o ataque direto. Ontem, um homem jogou seu carro contra uma mesquita em Cleveland, Estado de Ohio. Eric Richley, 29, está agora preso num hospital.
No fim de semana, o dono paquistanês de um armazém em Dallas (Texas) e um indiano da seita sikh, funcionário de um posto de gasolina em Mesa (Arizona), foram mortos a tiros. O último foi confirmado como crime racial pelo FBI, que prendeu o acusado, Frank Roque, 42. Um juiz estipulou a fiança em US$ 1 milhão.
Além disso, três mesquitas em Dallas foram atingidas por balas e bombas caseiras nos últimos dias e, em Nova York, a polícia impediu que pessoas atacassem uma mesquita no East Village. O lugar, que chega a receber até 2 mil fiéis em noites de culto, está vazio.
Frequentada principalmente por muçulmanos de Bangladesh, a mesquita deve fechar suas portas. Segundo o tesoureiro Shobir Ahmed, um grupo parou na porta do templo e ficou gritando: "Destruam a mesquita".
Liderava o grupo um homem que segurava uma bandeira norte-americana e dizia que sua mulher havia sido morta no ataque de terça-feira. A polícia foi chamada e desde então faz plantão. "Não devemos sair daqui tão cedo", disse o tenente Joe Lauricello.
Também o Centro de Apoio à Família Árabe Americana, em Nova York, recebeu centenas de telefonemas de árabes americanos dizendo ter sofrido ameaças. Segundo a entidade e pelo menos um empresário ouvido pela Folha, houve agressões físicas na Atlantic Avenue, no Brooklyn, reduto de imigrantes e descendentes do Iêmen e do Líbano.
Essa situação levou a comunidade muçulmana de Nova York a organizar uma passeata anteontem no Brooklyn. Centenas de norte-americanos de origem árabe, paquistanesa e africana percorreram as ruas do bairro até a avenida East River, que dá para a ilha de Manhattan exatamente no ponto em que as torres ficavam.
Mostraram cartazes com dizeres como "Paz e amor para Nova York", "O terrorismo não é o Islã" e "Outra guerra não é uma boa resposta". Gritaram o slogan "Alá ama a América".
Para Hussein Ibish, assessor de imprensa da Comissão Árabe Americana contra a Discriminação, a comunidade vinha adotando uma política de discrição, mas a situação "ficou insustentável".


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