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DISCRIMINAÇÃO
Polícia pode parar qualquer árabe
Bush visita centro islâmico, mas a violência contra a comunidade aumenta
SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
Desde o atentado terrorista que
levou ao chão as torres gêmeas do
World Trade Center, na terça-feira passada, a prefeitura de Nova
York liberou a prática de "racial
profiling" (perfil racial), que permite que policiais parem e interroguem suspeitos baseados apenas em seu aspecto físico.
A Folha apurou com um oficial
da força que a ordem informal e
não-escrita foi dada no próprio
dia do ataque. Não há números
oficiais, mas desde então perto de
uma centena de imigrantes ou
descendentes de muçulmanos foi
parada na cidade e pelo menos
duas dezenas, presas para interrogatório, todas posteriormente libertadas. Seu crime até agora foi
apenas a aparência.
Relatos dão conta de que a prática foi especialmente utilizada
nos aeroportos. Passageiros que
esperavam seus vôos no JFK disseram que "pessoas de pele mais
escura e sotaque árabe" eram tiradas das filas e revistadas, assim
como "homens de turbante ou
barba muito comprida".
Não é diferente nas barricadas.
Taxistas árabe americanos, como
Sherif Abdalla, de Manhattan, reclamam que seus colegas não-árabes têm merecido tratamento melhor quando é o caso de obter permissão para entrar na "cidade
ocupada" -a parte de Nova York
ao sul da rua Canal e em torno dos
destroços do WTC.
Segundo o prefeito Rudolph
Giuliani, "não há discriminação
na polícia de Nova York". Se souber de algum caso, afirmou, punirá os responsáveis. A acusação
não é novidade em sua administração: era a principal crítica que
ele sofria antes do atentado. Mas
as vítimas eram negros e latinos.
Bush na mesquita
A atitude da polícia de Nova
York vai de encontro aos esforços
de George W. Bush para tentar
desvincular a comunidade árabe-americana do ataque terrorista de
terça. Ontem, num ato simbólico,
o presidente visitou a mesquita do
Centro Islâmico de Washington.
Sem sapatos, como pede o ritual, Bush disse que "a face do terror não é a verdadeira face do Islã". Continuou: "Estes atos de violência contra inocentes violam os
princípios fundamentais da fé islâmica; é importante que os americanos entendam isso".
Antes, havia dito ao prefeito
Giuliani e ao governador George
Pataki por telefone: "Há milhares
de árabes americanos vivendo na
cidade de Nova York. São pessoas
que amam sua bandeira tanto
quanto nós".
Mas o fato é que parte da população já trata a comunidade islâmica de outra maneira ou parte
para o ataque direto. Ontem, um
homem jogou seu carro contra
uma mesquita em Cleveland, Estado de Ohio. Eric Richley, 29, está agora preso num hospital.
No fim de semana, o dono paquistanês de um armazém em
Dallas (Texas) e um indiano da
seita sikh, funcionário de um posto de gasolina em Mesa (Arizona),
foram mortos a tiros. O último foi
confirmado como crime racial
pelo FBI, que prendeu o acusado,
Frank Roque, 42. Um juiz estipulou a fiança em US$ 1 milhão.
Além disso, três mesquitas em
Dallas foram atingidas por balas e
bombas caseiras nos últimos dias
e, em Nova York, a polícia impediu que pessoas atacassem uma
mesquita no East Village. O lugar,
que chega a receber até 2 mil fiéis
em noites de culto, está vazio.
Frequentada principalmente
por muçulmanos de Bangladesh,
a mesquita deve fechar suas portas. Segundo o tesoureiro Shobir
Ahmed, um grupo parou na porta
do templo e ficou gritando: "Destruam a mesquita".
Liderava o grupo um homem
que segurava uma bandeira norte-americana e dizia que sua mulher havia sido morta no ataque
de terça-feira. A polícia foi chamada e desde então faz plantão.
"Não devemos sair daqui tão cedo", disse o tenente Joe Lauricello.
Também o Centro de Apoio à
Família Árabe Americana, em
Nova York, recebeu centenas de
telefonemas de árabes americanos dizendo ter sofrido ameaças.
Segundo a entidade e pelo menos
um empresário ouvido pela Folha, houve agressões físicas na
Atlantic Avenue, no Brooklyn, reduto de imigrantes e descendentes do Iêmen e do Líbano.
Essa situação levou a comunidade muçulmana de Nova York a
organizar uma passeata anteontem no Brooklyn. Centenas de
norte-americanos de origem árabe, paquistanesa e africana percorreram as ruas do bairro até a
avenida East River, que dá para a
ilha de Manhattan exatamente no
ponto em que as torres ficavam.
Mostraram cartazes com dizeres como "Paz e amor para Nova
York", "O terrorismo não é o Islã"
e "Outra guerra não é uma boa
resposta". Gritaram o slogan "Alá
ama a América".
Para Hussein Ibish, assessor de
imprensa da Comissão Árabe
Americana contra a Discriminação, a comunidade vinha adotando uma política de discrição, mas
a situação "ficou insustentável".
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