São Paulo, terça-feira, 18 de setembro de 2001

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Comunidade de San Francisco afirma que não sabe quem são os governantes do país

Taleban é invasor, dizem afegãos dos EUA

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM SAN FRANCISCO

"Você me conhece? Não. Eu o conheço? Não. É a mesma coisa com o Taleban. Nós não sabemos quem eles são."
Enfático, o imã (neste caso, espécie de pároco) da mesquita afegã de Concord, Califórnia, tenta explicar à Folha como é distante a relação entre os afegãos que vivem nos EUA e o atual governo de seu país.
O imã, que preferiu não revelar o seu nome, deu entrevista em pashto, uma das línguas oficiais afegãs. Foi traduzido por fiéis que chegavam à mesquita, no fim de semana passado, para uma de suas cinco orações diárias. Poucas horas antes, vizinhas americanas tinham levado flores à mesquita, como prova de solidariedade.
Concord fica na região de San Francisco, que tem a maior população afegã dos EUA, cerca de 60 mil pessoas. Só na cidade de San Francisco, com 750 mil habitantes, há sete mesquitas.
"Os integrantes do Taleban são invasores que vieram do Paquistão, e Osama bin Laden não é afegão, é árabe", disse Haji Sarwari, 56, um afegão que vive na Califórnia há 21 anos e também estava na mesquita. Sarwari é um dos 5 milhões que saíram do Afeganistão desde 1979, quando o país foi invadido por tropas soviéticas."Ouvi agora no rádio falarem do mullah Muhammad Omar [líder do Taleban]. Nós, afegãos, nem sabíamos quem era essa pessoa."
A mesquita afegã de Concord fica no piso superior de um prédio de dois andares. É identificada por uma pequena placa, que diz "Centro Islâmico". No térreo, funciona uma loja de roupas mexicanas. O dono, Luís Gomez, contou que, às sextas-feiras (dia santo muçulmano), o movimento é grande no andar de cima. O estacionamento fica cheio e cerca de 80 fiéis lotam a pequena mesquita. "Só que, sexta-feira passada, vieram apenas umas três ou quatro pessoas", diz.
Gomez afirmou que, na quarta-feira de manhã, um dia depois dos atentados, encontrou diversas garrafas quebradas na porta da loja. "Achei que fosse coisa de bêbados, mas soube depois que, à noite, um pessoal tinha passado atirando coisas na mesquita."
Nada mais sério aconteceu, segundo Ghulam Shaghasi, 42, outro afegão que chegava para as orações. De fato, não havia nenhuma segurança visível e, quando a reportagem da Folha chegou à mesquita, encontrou a porta aberta. Dentro, o imã rezava sozinho. "A polícia veio aqui e deixou um cartão, para ligarmos se alguma coisa acontecesse", disse.
A região em volta da mesquita tem forte presença afegã. Vários afegãos trabalham no comércio, como Beheshat Delery, 18, que chegou aos EUA há oito meses. Ela tem emprego numa lanchonete vizinha à mesquita. "Eu frito batatas, faço saladas, esfrego o chão e lavo o banheiro." Com inglês precário, Beheshat resume a situação em seu país: "No school, no money, no work" (não há dinheiro, escola ou trabalho).
Na mesquita são 18h, e o imã pede que o repórter saia porque as orações vão começar. Ghulam Shaghasi acompanha até a porta e se despede em tom de apelo: "Se os EUA quiserem, eles acham Bin Laden e o trazem para ser julgado. Não precisam jogar bombas sobre pessoas inocentes."


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