São Paulo, quarta-feira, 19 de setembro de 2001

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REAÇÃO EUROPÉIA

Chirac evita a palavra "guerra"

Em reunião com Bush, presidente reluta em chamar campanha antiterrorismo de guerra

ROGÉRIO SIMÕES
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE LONDRES

Em um encontro ontem na Casa Branca com George W. Bush, o presidente da França, Jacques Chirac, ofereceu a "solidariedade" de seu país ao presidente americano, mas não quis usar a palavra "guerra" para se referir a uma possível campanha internacional de combate ao terrorismo.
Os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono foram o assunto dominante no encontro -o primeiro de Bush com um líder estrangeiro desde os ataques da terça-feira da semana passada.
"Naturalmente, estamos preparados para trabalhar em solidariedade completa com os EUA e fazer tudo o que for necessário, em consulta com eles, para atingir esse alvo, que é a eliminação do terrorismo", disse Chirac.
Mas o presidente francês evitou o termo utilizado por Bush para descrever a campanha.
"Não sei se deveríamos usar a palavra guerra, mas diria que enfrentamos hoje um conflito de natureza completamente nova", afirmou Chirac. "Temos de fazer tudo para proteger e salvaguardar os valores da civilização."
Mas, na França, o primeiro-ministro Lionel Jospin disse ontem que não assumirá nenhum compromisso com Washington sem consultar o Legislativo. Jospin já havia deixado claro que seu país não estava em guerra "contra o islã ou o mundo islâmico".
Apesar de a reunião de Bush e Chirac na Casa Branca ter sido marcada antes dos ataques em Nova York e Washington, o encontro acabou se inserindo em uma verdadeira maratona diplomática promovida nesta semana pelos principais líderes europeus para tentar definir o seu papel na ação militar prometida pelos EUA em resposta aos atentados.
Depois de uma onda de declarações de apoio, diante do choque causado pelos atentados em Nova York e Washington, a Europa se vê em um grande dilema: como ajudar seu todo-poderoso aliado sem ter de entrar em uma guerra.
Enquanto o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, tenta convencer seus colegas europeus da necessidade de uma ofensiva militar, líderes franceses e alemães indicam que uma ação conjunta não será decidida facilmente.
Na Alemanha, o ministro das Relações Exteriores, Joschka Fischer, disse ontem que "é preciso reagir com cabeça fria".
"Todas as crises têm a capacidade de causar divisões no que é uma coalizão de Estados nacionais, conscientes de suas soberanias e opiniões públicas", disse à Folha o professor Christopher Hill, da London School of Economics. "O grande problema será se os europeus se virem como um coro passivo, enquanto os EUA tomam todas as decisões e ações."
Para tentar unificar o discurso europeu, foram marcados vários encontros políticos. Blair reúne-se hoje com o chanceler (premiê) alemão, Gerhard Schröder, e amanhã com Bush nos EUA.
Essas discussões terão seu auge na sexta-feira, quando os líderes dos países da União Européia farão uma reunião extraordinária. No encontro, eles tentarão finalmente chegar a um consenso sobre como participar da guerra declarada por Washington.
Nas primeiras reações aos atentados, Tony Blair repetiu a avaliação de Bush de que começou uma guerra. A oposição o apoiou, mas Blair começou a ser criticado dentro do seu próprio governo.
A secretária para Desenvolvimento Internacional, Clare Short, pacifista histórica, disse que seria "intolerável" se a reação aos ataques fosse a morte de inocentes.
Os europeus temem entrar numa guerra que não resolva o problema do terrorismo nem atinja os mentores dos atentados.
Exatamente por isso, a idéia americana de um grande ataque ao Afeganistão é vista com desconfiança na Europa. Ontem, o jornal britânico "The Times" publicou editorial em que critica a estratégia de Washington de visar o Afeganistão como um todo. "Contra o terrorismo sem Estado, Estados podem não ser os melhores alvos", afirmou o jornal.
Nesta sexta-feira, a União Européia se reunirá e deverá manter vivo o discurso de apoio aos americanos, na opinião de Chistopher Hill. "Na prática, esse apoio irá até o momento em que os governos, ou o público, julgarem que a resposta está sendo desproporcional ao crime", disse.
Mas o comportamento dos países europeus também dependerá de como o governo americano agir, segundo o analista Gary Samore, do IISS (Instituto Internacional de Estudos Estratégicos), de Londres. "Se os EUA buscarem apoio entre os países árabes e muçulmanos, como fizeram na Guerra do Golfo (91), a Europa estará mais inclinada a ajudar", afirmou Samore à Folha. Na sua opinião, todo o esforço diplomático de Washington para tentar a ajuda do Paquistão indica que os EUA estão na direção certa para agradar aos europeus.
Porém a unificação do discurso da União Européia em favor de uma ação militar contra Osama bin Laden não significará o fim da polêmica. Uma ação no Afeganistão pode desestabilizar politicamente a região. Uma guerra civil no vizinho Paquistão, uma potência nuclear, é a última coisa de que os governos europeus gostariam.


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