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MST
Estratégia de impedir desapropriações de terras invadidas reduziu o número de invasões de 390 em 2000 para 194 em 2001; propaganda oficial inflou dados da reforma agrária com terrenos vazios e assentados já mortos
No campo, governo enfrentou o radicalismo dos sem-terra
JOSÉ MASCHIO e EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA
A questão agrária é uma das mais espinhosas da
era FHC. A ação do governo, que apregoa ter
assentado mais gente do que qualquer outro
na história, fomentou o crescimento e a radicalização
do MST. Depois de incluir a reforma agrária como
uma das suas prioridades, Fernando Henrique Cardoso teve seu primeiro governo marcado por dois massacres em conflitos no campo: Corumbiara (RO), em
1995, e Eldorado do Carajás (PA), em 1996.
No massacre de Corumbiara,
em agosto de 1995, os exames indicaram que alguns sem-terra foram mortos por policiais com tiros na nuca e nas costas. Mas o caso de Eldorado do Carajás foi ainda pior. Para um governo novo,
em busca de respeitabilidade no
exterior, o massacre, em abril de
1996, com 19 sem-terra mortos na
desobstrução de uma rodovia pela Polícia Militar do Pará, determinada pelo governador Almir
Gabriel (PSDB), representou um
grande revés diplomático, com o
país sendo reiteradamente condenado por organismos de defesa
dos direitos humanos.
Carajás incentivou o recrudescimento das ações do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra, que havia surgido no Sul
nos anos 80 e que mantinha uma
atuação relativamente discreta.
Sob holofotes, o MST descobriu a
invasão de terra como arma de
pressão política: de 146, em 1995,
o número de áreas invadidas saltou para 599 em 1998.
Progressivamente, o MST diversificou suas ações, organizando marchas, saques, invasões de
prédios públicos. Em 1997, o movimento liderou uma marcha
contra o governo FHC, que chegou a Brasília em 17 de abril.
A reação do governo federal
veio em maio de 1998, quando o
então ministro da Justiça, Renan
Calheiros, determinou que toda
ação do MST encontraria uma
reação judicial.
O economista João Pedro Stedile, um dos principais ideólogos do
MST, justifica a radicalização naquele momento. "Se bastasse fazer audiências e reuniões, o MST
faria apenas reuniões."
O secretário de Reforma Agrária do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Edson Luiz Vismona, tem opinião diferente. "A
importância enquanto movimento social do MST é indiscutível,
mas começaram os abusos, uma
escalada na prática da violência à
propriedade e ao patrimônio público. O Estado precisava agir."
Criminalização
Na prática, o sinal verde de Renan Calheiros aos secretários estaduais disparou um processo
que o MST denomina de "criminalização" dos movimentos sociais no país. O Paraná foi o pioneiro nesse processo, com a Secretaria da Segurança Pública organizando megaoperações de
reintegração de posse e promovendo escutas legais de membros-chaves do movimento.
Já no começo do segundo governo FHC, o Paraná foi pioneiro
também ao infiltrar homens da
P2 (a polícia secreta) nos assentamentos dos sem-terra. Em monografia para o curso de Política Estratégica da ESG (Escola Superior
de Guerra), em 1999, o major
Waldir Copetti Neves explicitou o
método ao defender a tese de que
o MST preparava uma guerrilha
rural no Brasil.
O temor se disseminou, com revelações posteriores de que o
Exército havia infiltrado agentes
no MST. Ganharam corpo especulações de que os sem-terra estariam se associando a movimentos
guerrilheiros como as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia) e agentes cubanos.
Em um primeiro momento, a
estratégia governamental não impediu o MST de manter suas
ações, fossem na zona rural ou
nas áreas urbanas -com invasão
de prédios públicos e saques de
alimentos, especialmente no Nordeste. A partir de 2000, a Polícia
Federal foi cada vez mais chamada a intervir nas suas ações, com
aberturas de inquéritos e prisões.
Nesse momento, diz o advogado da CPT (Comissão Pastoral da
Terra) Darci Frigo, começou a
"judicialização dos movimentos
sociais", ou seja, com o Poder
Executivo agindo em consonância com o Judiciário no combate
às ações do MST.
Para Vismona, é o MST que levou a Justiça a agir com mais rigor. "O MST ultrapassou a luta
pela terra, hoje faz política ideológica e suas formas de se manifestar ultrapassaram também os limites da lei."
MP 2.027
Essa atuação, segundo ele, justificou a edição da MP (medida
provisória) 2.027, de 4 de abril de
2000, que impede vistoria de áreas
invadidas e decreta seu "congelamento" por dois anos para desapropriação. Além disso, a portaria
62 do ministério, de 27 de maio de
2001, estabelece a exclusão dos beneficiários da reforma envolvidos
em ações de invasões a propriedades ou a prédios públicos.
Até meados deste ano, o ministério contabilizava 88 imóveis rurais interditados por conta da
portaria, e 25 beneficiários da reforma agrária excluídos do processo, entre eles líderes que participaram da invasão da fazenda
dos filhos do presidente FHC, em
Buritis (MG), em março passado.
O resultado da ação foi incisivo:
uma queda expressiva no número
de invasões para 390 em 2000 e
194 em 2001.
A situação conflituosa acabou
por escamotear um grande problema para a herança fernandista
no campo. Para fins publicitários,
o governo inflou seus balanços
anuais da reforma agrária, ainda
que os números corretos já fossem suficientes para bater o desempenho de todos os seus antecessores somados -diz ter assentado 588.173 famílias entre 1995 e
2001, contra 218.033 assentadas
entre 1964 e 1994.
Em abril e maio passados, uma
série de reportagens da Folha indicou que o governo maquiou os
balanços, utilizando terrenos vazios, áreas sem casas e infra-estrutura básica (água, luz e esgoto).
Além disso, o governo contou como "assentados" trabalhadores
rurais que já estavam mortos havia anos. Uma auditoria do governo federal para mapear a reforma
agrária, concluída em junho, revelou que só 3% das famílias oficialmente assentadas entre 1995 e
2001 receberam o título de posse
definitiva das terras, último estágio e objetivo final do programa.
"Com a diminuição das ocupações, também diminuiu o número de assentamentos, por essa razão o governo teve que maquiar
os números", afirma o geógrafo
Bernardo Mançano Fernandes,
da Unesp (Universidade Estadual
Paulista). O sociólogo Zander Navarro, outro especialista na área,
diz, porém, que em uma avaliação
"honesta e criteriosa", se concluirá que a política fundiária é um
dos principais destaques do governo Fernando Henrique Cardoso. Aparentemente, a resposta só será possível nos próximos anos.
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