São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002

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Querência do Norte resume conflitos da era FHC

DA AGÊNCIA FOLHA,
EM QUERÊNCIA DO NORTE (PR)

O assentamento Pontal do Tigre e o município de Querência do Norte (extremo noroeste do Paraná) sintetizam todas as dificuldades enfrentadas durante o processo de reforma agrária nos anos FHC: disputas jurídicas, mortes, prisões e uma constante tensão entre fazendeiros e sem-terra.
Invadida no final da década de 80, a fazenda Pontal do Tigre, de 10,5 mil hectares, foi transformada em assentamento para 327 famílias em outubro de 1995, o primeiro do gênero no Paraná na gestão FHC. Hoje o município possui 11 assentamentos e 4.450 sem-terra, em uma população de 13,5 mil pessoas.
Mas, em junho deste ano, a Justiça concedeu a reintegração de posse para o grupo que reivindicava 25% da área. O caso ainda está pendente. Enquanto isso, três sem-terra foram mortos em confrontos com fazendeiros desde 1998. A disputa levou à necessidade de uma trégua mediada pela Ouvidoria Agrária, Incra e governo do Paraná.
Nem tudo, porém, é má notícia. No ano de 1996, o volume da primeira produção dos sem-terra no Pontal do Tigre elevou em 45% a arrecadação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) no município, conseguindo uma elevação de 30% dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios à cidade, que hoje recebe R$ 190 mil do fundo.
Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, a política de assentamentos do governo Fernando Henrique Cardoso realmente proporcionou melhora nas condições de vida de grande parte de seus beneficiados, mas deixou heranças com dificuldades diferentes das jurídicas: terras improdutivas, infra-estrutura ruim e dificuldades no acesso a créditos.
Para a professora Leonilde Servolo de Medeiros, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, a política de assentamentos "proporcionou um forte estímulo à atividade organizativa".
O secretário de Reforma Agrária do Ministério da Reforma Agrária, Edson Luiz Vismona, concorda: "a agricultura familiar entrou na agenda nacional" -tanto que estava no programa de todos os principais candidatos à sucessão de FHC.
Para o engenheiro agrônomo Horácio Martins de Carvalho, a política de assentamento do governo FHC foi ineficiente para mudar a estrutura fundiária.
"O caráter atomizado, esporádico e restrito da desapropriação por interesse social ou aquisição comercial de alguns grandes imóveis subordina a política de assentamentos aos interesses dos grandes proprietários de terras do país", declarou Carvalho, ex-presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária).
O presidente da Faep (Federação da Agricultura do Paraná), Ágide Meneguete, é mais incisivo. Para ele, a reforma agrária está sendo feita "fora do tempo e não tem como compatibilizá-la com os novos padrões de escala de produção e tecnologia exigidos pelo mercado".
"A atuação do governo federal é aleatória, pontual e está sempre correndo atrás do prejuízo", critica o professor de economia agrícola da Unicamp Luís Guedes Pinto, ex-secretário da Agricultura de São Paulo (83-87). (JM e ES)


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