|
Texto Anterior | Índice
LUXO
Bairro de São Paulo concentra lojas de grifes globais que rendem mais que as matrizes nos EUA e Europa e as vendas cresceram mais de 1.000% nos anos FHC
As ruas onde o comércio nunca viu as crises reais
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Crise? Que crise? Isso não existe aqui", desdenha a vendedora. Não, você
não está em Júpiter. Está na esquina da Oscar Freire com a Haddock
Lobo, ao lado de uma plêiade de grifes cujos nomes são declamados
pelos ricos brasileiros com a mesma empáfia com que seus pares britânicos entoam o nome das escolas onde os filhos estudam: Louis Vuitton, Cartier, Montblanc, Armani, Hugo Boss.
É onde os Jardins, de São Paulo,
tentam parecer a Madison Avenue, de Nova York, a Goethestrasse, de Munique, ou a rue du Faubourg Saint-Honoré, em Paris, todas elas corredores do comércio
de luxo de algumas das cidades
mais ricas do planeta. É onde o
Brasil cresce num ritmo que faz as
taxas chinesas parecerem nanicas. Veja a Louis Vuitton, loja
aberta em 1854 pelo maleiro de
Napoleão 3º e que caiu nas graças
dos ricos. A filial brasileira, na
qual o preço de uma bolsa feminina varia de R$ 600 a R$ 27.350,
cresceu 1.450% entre 1994 e 2002,
segundo Marcelo Noschese, 38,
diretor do LVMH Fashion Group
Brasil, o dono da marca.
Nenhuma outra filial da Louis
Vuitton em mercados considerados estratégicos, como o brasileiro, cresceu nessa velocidade, afirma Noschese.
No quesito faturamento, a loja
brasileira da Haddock Lobo está
entre as dez mais do mundo em
vendas por metro quadrado.
Em escala parecida, o fenômeno
se repete com outras marcas. A
Cartier cresce mais de 30% ao
ano, não em real, mas em dólar,
desde 1994. "Os anos do Real foram maravilhosos. Entre 1994 e
1999, multiplicamos nosso faturamento por cinco", diz Edouard
Bos, 57, diretor da empresa. Neste
ano, quando as riquezas de todo o
país não devem subir 2%, ele estima que a Cartier crescerá 20%.
A Armani, logo em frente à
Louis Vuitton, exibe números tão
impressionantes quanto a vizinha. Só no primeiro semestre deste ano, as vendas da Armani subiram 32% em dólares, afirma André Brett, que comanda a marca
no Brasil.
O volume de dólares faturados
por metro quadrado em São Paulo é maior do que o da loja Armani na Madison Avenue, em Nova
York, segundo Brett.
A Montblanc vende tantas canetas no Brasil que o país se transformou no quinto maior mercado
da marca. Só perde para os Estados Unidos, a França, a Itália e a
Espanha (nessa ordem).
Em relógios, a performance da
Montblanc é ainda mais impressionante: o país está em terceiro
lugar em vendas, atrás só dos Estados Unidos e da Itália.
Blindagem
A explicação mais óbvia para
o crescimento vertiginoso do
mercado de luxo no Brasil é a concentração de renda.
Os 10% mais ricos têm uma renda média quase 30 vezes superior
à renda dos 40% mais pobres
(compare: na Alemanha e na
França, essa relação é de quatro
vezes; no Peru, de 25 vezes). Aqui,
os 20% mais ricos detêm 65% da
renda nacional.
"O mercado de luxo é uma titica, mas tem uma blindagem contra crises que não existe em outros
setores", diz Brett, da Armani.
O câmbio sobrevalorizado entre
1994 e 1998 -"quando o brasileiro se sentiu rico pela primeira
vez", como define Noschese, da
Vuitton- levou o consumo de
luxo à estratosfera. E, agora, é a
instabilidade do dólar que mantém o crescimento acima do patamar dos 10% depois de 1999.
A razão é simples: todo mundo
gosta de saber quanto terá de pagar no final do mês, tarefa impossível quando a conta é em dólar
após o sobe-e-desce da moeda
inaugurado em 1999.
A possibilidade de dividir compras feitas com cartão em três
parcelas também ajuda a consolidar o mercado de luxo no Brasil.
Há também razões mais comezinhas. Aqui, o vendedor fala português, as roupas podem ser ajustadas e as trocas não exigem negociações via DDI.
O maior bicho-papão desse filão, até o dólar romper a barreira
dos R$ 3, nem era financeiro, segundo Freddy Rabbat, 38, presidente da Montblanc do Brasil: era
o medo da violência. "Quem tem
tesão de comprar algo glamouroso se seus amigos estão sendo sequestrados?"
O advogado R.F.G., 59, é a prova
dos nove da equação dinheiro +
violência em escala de guerra =
menos prazer em consumir.
R.F.G., que não quer ver sua
identidade revelada por medo,
tem "vários Porsches" (nem o número ele revela com precisão).
São carros cujos preços variam de
US$ 100 mil a US$ 300 mil.
Entretanto o advogado circula
com um Fusca 66 desde 1999,
quando passou as piores quatro
horas de sua vida dentro de um
Porsche com dois sequestradores.
Relógios, R.F.G. já teve furtados
quatro: dois Breitling, um Piaget e
um Bulgari. "No Brasil, não dá
mais para usar as coisas que o seu
dinheiro consegue comprar", diz.
Sem poder sair do Brasil, porque seu diploma de advogado não
seria reconhecido em outros países, G. tem uma vingança contra
todas as hostilidades: seu Fusca
tem motor de Porsche.
Lei da compensação
Há outro fenômeno, de caráter mais global do que local, que
ajudou a expandir o consumo sofisticado na última década: é o
mercado das compensações pessoais.
"Você não tem dinheiro para
comprar uma Ferrari, mas compensa o desejo com um relógio
Bulgari. Não tira férias em Bora
Bora, mas consegue comprar um
creme da La Prairie", enumera
Marcos Rothemberg, 30, presidente da Associação dos Importadores de Cosméticos e Perfumes.
A exuberância do mercado de
cosméticos importados exemplifica a tese de Rothemberg. Em
1994, as importações foram de
US$ 27,7 milhões; neste ano, devem fechar em US$ 105 milhões.
As marcas mais sofisticadas e
com uma imagem consolidada
são as que mais crescem, diz ele.
Vide a La Prairie, grife de cosméticos que nasceu da clínica de
rejuvenescimento suíça, importada pelo próprio Rothemberg.
Um creme facial da La Prairie
feito a base de caviar, o Skin Caviar Luxe Cream, custa R$ 1.200 a
embalagem de 50 ml. Desde 1997,
quando a La Prairie chegou aqui,
as vendas da marca cresceram
260%. Como diz Rothemberg, a
crise sempre poupa as marcas
mais baratas e as mais caras.
Texto Anterior: Escândalos: "Brasil velho" produz turbulências em série Índice
|