São Paulo, terça-feira, 20 de abril de 2004

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O Brasileiro que (quase) não existiu

Bagunça e política por pouco não cancelaram campeonato, que teve o recorde de 94 times

Mais estrambólico e superlotado Brasileiro da história, com o número recorde de 94 participantes, o campeonato de 1979 por pouco não deu lugar a um torneio de juvenis. A idéia/ameaça, que veio à luz 11 dias antes de a bola rolar, foi levantada por ninguém menos que Heleno Nunes, o almirante que comandava a CBD, a confederação que no ano seguinte daria lugar à CBF.
Era um período de desorganização profunda e de intensa turbulência política no futebol. Irritados com o modelo original do Brasileiro, que beneficiava cariocas e paulistas, clubes de MG, RS, BA e PE ameaçaram boicote. Os paulistas também acossavam Nunes, principalmente por intermédio de Nabi Abi Chedid, o presidente da federação do Estado.
Nabi, por sua vez, era atacado por seus próprios filiados, que reclamavam da maratona de jogos imposta pela desorganização do Paulista. Corinthians, São Paulo e Santos resolveram não disputar o Nacional. Foi acordado que Palmeiras e Guarani, campeão e vice em 1978, só entrariam na terceira fase.
Após semanas de indefinição, a CBD anunciou o monstro: o Brasileiro teria 14 clubes a mais que o projeto original. O inchaço reforçava o bordão do governista Nunes: "Onde a Arena vai mal, mais um time no Nacional".
Apesar dos protestos liderados por MG e RS, o regulamento favoreceu SP e RJ, cujos times só entraram na segunda fase da competição.
Mas a mãozinha não ajudou. O campeão foi o Internacional, que dera vexame no Gaúcho dias antes de começar o torneio e contratara Ênio Andrade às pressas para reparar o estrago. Deu certo. O bicampeão de 75/76 repetiu a façanha, desta vez de forma invicta.
Para Falcão, que disputou seu último Nacional pelo time -logo em seguida se transferiria para a Roma-, nem o regulamento esdrúxulo nem o inchaço, tampouco a ausência de três grandes paulistas, diminuem o feito do Inter.
"Como dizia o Minelli, o calendário é o time. Foi isso o que o Inter de 79 fez. Não perdemos para ninguém. E ainda batemos o Palmeiras de Telê, que era a melhor equipe paulista. Fazendo assim, não importa a fórmula", disse o craque do Inter na conquista.
Para além do estigma do inchaço e de ter produzido o único campeão invicto da história, o Brasileiro de 79 guarda marcas curiosas. Eram outros tempos, aqueles.
Ainda não havia propaganda nas camisas. Jogos com mais de 100 mil pessoas eram comuns. O Operário-MS, que disputou a terceira divisão do Brasileiro em 2003, jogava de igual para igual com as potências do centro-sul do país. Em 79, o time de Campo Grande foi o quinto entre 94 -fora terceiro em 1977.
"Eu era adolescente, mas me lembro bem. Não fomos campeões ou vices porque fomos faturados. Sempre tivemos dificuldades com a arbitragem", reclama o ex-presidente Róbson Martins, hoje conselheiro do clube. Conselheiro acionista, já que o Operário, que ganhou esse nome por ter sido fundado por trabalhadores da construção civil, virou uma S.A.


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