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LIGAÇÕES PERIGOSAS
Vaivém, sem regulamentação, de profissionais entre setor público e privado cria desconfiança de vazamento
Um dia no governo, outro no mercado
VANESSA ADACHI
da Reportagem Local
Nos últimos 20 anos, os Estados
Unidos tiveram quatro presidentes da República (dois democratas
e dois republicanos), mas apenas
dois presidentes do Fed (Federal
Reserve, o banco central norte-americano). No mesmo período
em que Paul Volcker -entre 1979
e 1987- e Alan Greenspan -que
o sucedeu e está no comando até
hoje- dirigiram o Fed, o Brasil teve 20 presidentes do BC.
Em cinco anos de governo, Fernando Henrique Cardoso manteve
a média de um presidente a cada
ano: Armínio Fraga é o quinto a
comandar o BC desde 1995.
A instabilidade política e econômica que derruba presidentes do
BC alimenta uma via de duas mãos
entre o sistema financeiro e as autoridades do setor público que devem fiscalizá-lo e estabelecer os
parâmetros de sua atuação. Passa-se de um lado do balcão do BC para
outro sem restrições.
Armínio Fraga estava em 1997
entre os cem mais bem pagos executivos de Nova York quando era
empregado do megainvestidor
George Soros. É uma lista em que
só entra quem ganha mais de US$
700 mil por ano. No BC, recebe R$
96 mil anuais (cerca de US$ 60
mil). É um exemplo de alguém que
saiu do mercado para o setor público. Está perdendo dinheiro.
Mailson da Nóbrega, ex-funcionário de carreira do Banco do Brasil, fez o caminho oposto.
Trabalhou dez anos no chamado
primeiro escalão. Nos últimos 27
meses do governo José Sarney
(1985-90), foi ministro da Fazenda.
Dois meses depois abriu uma empresa de consultoria. "Na minha
época não se debatia isso", diz
Mailson, hoje um dos sócios da
Tendências Consultoria Integrada,
uma das maiores do mercado.
Sem regulamentação para essas
idas e vindas, fica a sensação de
que governo e iniciativa privada
têm relação próxima demais, que
podem facilitar o uso de informações privilegiadas.
A conjugação de mandatos definidos (no caso específico do BC) e
a quarentena remunerada é a receita mais indicada, ainda que insatisfatória, por ex-autoridades
ouvidas pela Folha. "Eu mesmo
me impus uma quarentena quando saí do governo, mas quando há
definição legal fica mais confortável", diz o ex-ministro Marcílio
Marques Moreira, que presta consultoria para a Merril Lynch.
"Hoje só faz quarentena quem
quer, e como quer", diz o ex-presidente do BC Gustavo Loyola, que
ficou seis meses fora do mercado
após deixar o governo.
O mandato é importante, defendem esses profissionais, porque é
possível fazer uma programação
sobre o período exato que uma autoridade ficará no governo.
A remuneração da quarentena
também é reivindicada. "Quando
saí do governo fiquei sem salário e
precisava trabalhar", diz Mailson.
Mas a avaliação é que a quarentena e o estabelecimento de outras
normas não resolverão todos os
males. "Desvio de conduta é uma
coisa pessoal", afirma Loyola.
Políticos-banqueiros
O governo FHC destaca-se por
abrigar uma geração de políticos-banqueiros ou políticos-consultores. Figuras-chaves no vaivém entre setor público e setor privado.
É o caso do ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros que tem
alternado períodos no mercado financeiro com participações na
equipe econômica desde 1986.
Saído do setor financeiro, integrou a equipe que formulou o Plano Cruzado no governo Sarney.
Depois ajudou a fundar o banco
Matrix, do qual foi sócio até 95,
quando voltou ao governo. Presidiu o BNDES e foi ministro das Comunicações. Acabou derrubado
por gravações telefônicas clandestinas que levantaram suspeitas de
favorecimento a amigos banqueiros na venda da Telebrás.
Para ele, não há lei que consiga
restringir o uso de informação privilegiada. "Sempre vai estar na dependência do DNA da pessoa. Se
detenho uma informação confidencial , não preciso ir trabalhar
em nenhum lugar. Passo essa informação por telefone, um sinal de
fumaça, um jornal debaixo do braço. Não há barreira para informação privilegiada", disse Mendonça
de Barros à Folha em entrevista
publicada na segunda-feira.
André Lara Resende, amigo próximo de Mendonça Barros, tem
trajetória semelhante. Foi um dos
mentores do Cruzado e do Real,
sócio-fundador do Matrix e presidente do BNDES até também atingido no escândalo do grampo.
Outro pai do Plano Real e ex-presidente do BNDES, Edmar Bacha, é
hoje banqueiro em Nova York. Como consultor sênior, responde pelo escritório norte-americano do
Banco BBA, do também ex-presidente do BC Fernão Bracher.
Outro exemplo é o da economista Elena Landau que, em 1996, saiu
da diretoria do BNDES que cuidava do programa federal de privatização. Após quatro meses de quarentena auto-imposta, foi contratada pelo banco Bear Sterns para
atuar em privatizações brasileiras.
A administração de Fernando
Collor também produziu casos semelhantes. Francisco Gros foi presidente do BC e hoje é executivo do
Banco Morgan Stanley. Ibrahim
Eris também presidiu o BC e hoje é
sócio da Linear, uma administradora de recursos.
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