São Paulo, Quinta-feira, 20 de Maio de 1999
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LIGAÇÕES PERIGOSAS
Vaivém, sem regulamentação, de profissionais entre setor público e privado cria desconfiança de vazamento
Um dia no governo, outro no mercado

VANESSA ADACHI
da Reportagem Local

Nos últimos 20 anos, os Estados Unidos tiveram quatro presidentes da República (dois democratas e dois republicanos), mas apenas dois presidentes do Fed (Federal Reserve, o banco central norte-americano). No mesmo período em que Paul Volcker -entre 1979 e 1987- e Alan Greenspan -que o sucedeu e está no comando até hoje- dirigiram o Fed, o Brasil teve 20 presidentes do BC.
Em cinco anos de governo, Fernando Henrique Cardoso manteve a média de um presidente a cada ano: Armínio Fraga é o quinto a comandar o BC desde 1995.
A instabilidade política e econômica que derruba presidentes do BC alimenta uma via de duas mãos entre o sistema financeiro e as autoridades do setor público que devem fiscalizá-lo e estabelecer os parâmetros de sua atuação. Passa-se de um lado do balcão do BC para outro sem restrições.
Armínio Fraga estava em 1997 entre os cem mais bem pagos executivos de Nova York quando era empregado do megainvestidor George Soros. É uma lista em que só entra quem ganha mais de US$ 700 mil por ano. No BC, recebe R$ 96 mil anuais (cerca de US$ 60 mil). É um exemplo de alguém que saiu do mercado para o setor público. Está perdendo dinheiro.
Mailson da Nóbrega, ex-funcionário de carreira do Banco do Brasil, fez o caminho oposto.
Trabalhou dez anos no chamado primeiro escalão. Nos últimos 27 meses do governo José Sarney (1985-90), foi ministro da Fazenda. Dois meses depois abriu uma empresa de consultoria. "Na minha época não se debatia isso", diz Mailson, hoje um dos sócios da Tendências Consultoria Integrada, uma das maiores do mercado.
Sem regulamentação para essas idas e vindas, fica a sensação de que governo e iniciativa privada têm relação próxima demais, que podem facilitar o uso de informações privilegiadas.
A conjugação de mandatos definidos (no caso específico do BC) e a quarentena remunerada é a receita mais indicada, ainda que insatisfatória, por ex-autoridades ouvidas pela Folha. "Eu mesmo me impus uma quarentena quando saí do governo, mas quando há definição legal fica mais confortável", diz o ex-ministro Marcílio Marques Moreira, que presta consultoria para a Merril Lynch.
"Hoje só faz quarentena quem quer, e como quer", diz o ex-presidente do BC Gustavo Loyola, que ficou seis meses fora do mercado após deixar o governo.
O mandato é importante, defendem esses profissionais, porque é possível fazer uma programação sobre o período exato que uma autoridade ficará no governo.
A remuneração da quarentena também é reivindicada. "Quando saí do governo fiquei sem salário e precisava trabalhar", diz Mailson.
Mas a avaliação é que a quarentena e o estabelecimento de outras normas não resolverão todos os males. "Desvio de conduta é uma coisa pessoal", afirma Loyola.

Políticos-banqueiros
O governo FHC destaca-se por abrigar uma geração de políticos-banqueiros ou políticos-consultores. Figuras-chaves no vaivém entre setor público e setor privado.
É o caso do ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros que tem alternado períodos no mercado financeiro com participações na equipe econômica desde 1986.
Saído do setor financeiro, integrou a equipe que formulou o Plano Cruzado no governo Sarney. Depois ajudou a fundar o banco Matrix, do qual foi sócio até 95, quando voltou ao governo. Presidiu o BNDES e foi ministro das Comunicações. Acabou derrubado por gravações telefônicas clandestinas que levantaram suspeitas de favorecimento a amigos banqueiros na venda da Telebrás.
Para ele, não há lei que consiga restringir o uso de informação privilegiada. "Sempre vai estar na dependência do DNA da pessoa. Se detenho uma informação confidencial , não preciso ir trabalhar em nenhum lugar. Passo essa informação por telefone, um sinal de fumaça, um jornal debaixo do braço. Não há barreira para informação privilegiada", disse Mendonça de Barros à Folha em entrevista publicada na segunda-feira.
André Lara Resende, amigo próximo de Mendonça Barros, tem trajetória semelhante. Foi um dos mentores do Cruzado e do Real, sócio-fundador do Matrix e presidente do BNDES até também atingido no escândalo do grampo.
Outro pai do Plano Real e ex-presidente do BNDES, Edmar Bacha, é hoje banqueiro em Nova York. Como consultor sênior, responde pelo escritório norte-americano do Banco BBA, do também ex-presidente do BC Fernão Bracher.
Outro exemplo é o da economista Elena Landau que, em 1996, saiu da diretoria do BNDES que cuidava do programa federal de privatização. Após quatro meses de quarentena auto-imposta, foi contratada pelo banco Bear Sterns para atuar em privatizações brasileiras.
A administração de Fernando Collor também produziu casos semelhantes. Francisco Gros foi presidente do BC e hoje é executivo do Banco Morgan Stanley. Ibrahim Eris também presidiu o BC e hoje é sócio da Linear, uma administradora de recursos.



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