São Paulo, Quinta-feira, 20 de Maio de 1999
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ENTREVISTA
Para presidente da instituição já existem regras, mas falta aprimorar o monitoramento do sistema financeiro
BC deve ter menos poder, diz Fraga

Paulo Giandália - 9.mai.99/Folha Imagem
O presidente do Banco Central, Armírio Fraga, que substituiu Francisco Lopes


VALDO CRUZ
Diretor-executivo da Sucursal de Brasília

ELIANE CANTANHÊDE
Diretora da Sucursal de Brasília

O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, defende que a instituição tenha menos poder na hora de decidir se um banco deve ou não ser liquidado. "O melhor é não ter tanto poder", disse à Folha, ao comentar a decisão do BC, na gestão de Francisco Lopes, de socorrer o Marka e o FonteCindam.
Armínio Fraga recebeu a reportagem da Folha para analisar qual deve ser o papel do Banco Central após os trabalhos da CPI dos Bancos, que investiga a atuação do BC no socorro "atípico" às duas instituições e a suspeita de vazamento de informação durante a mudança da política cambial.
O presidente do BC chegou a lembrar que hoje já existem regras para definir a liquidação de um banco. E que o mais importante não são as regras, mas a criação de mecanismos para evitar que um banco fique com o patrimônio negativo sem que o BC saiba.
Lembrado que o banco evitou que o Marka ficasse com o patrimônio negativo, socorrendo a instituição e livrando-a da liquidação, Fraga repetiu: "Minha intuição é que o melhor é não ter esse poder".
Sobre as suspeitas de vazamento de informação, Fraga disse que "só tem um jeito" de evitar esse risco: concentrar a informação, limitar o número de pessoas que têm acesso a ela e divulgá-la o mais rápido possível. "Cada dia que você demora na divulgação é mais um dia em que você corre o risco de alguém ter essa informação."
Afirmou ainda que a CPI dos Bancos reforça a necessidade de um Banco Central mais transparente, voltado para suas atribuições básicas: estabilidade da moeda, controle da inflação e manutenção de um sistema financeiro seguro e bem capitalizado.

Folha - O que muda no Banco Central depois da CPI dos Bancos, das denúncias de vazamento de informação e de socorro a bancos em operações atípicas?
Armínio Fraga -
A CPI reforça a necessidade de se ter um Banco Central focado em suas atribuições, capaz de prestar contas, ser mais transparente. Eu venho defendendo essa posição porque acho importante que o Banco Central tenha poder para buscar seus objetivos. O banco precisa concentrar os esforços em alguns objetivos bem definidos pela sociedade.
Minha recomendação é que essas áreas sejam a estabilidade da moeda, o controle da inflação e a manutenção de um sistema financeiro bem capitalizado e seguro. Seriam suas grandes missões. Teremos agora o sistema de metas para a inflação, que serão definidas pelo Executivo, o que vai permitir uma independência operacional.
Não se trata de independência para fazer o que der na telha. A meu ver, o BC, para merecer essa independência operacional, tem de, em contrapartida, prestar contas. Essa é a base do negócio.
Folha - Prestar contas a quem? Só ao Executivo ou ao Congresso?
Fraga -
Isso tem de ser discutido, acho perfeitamente razoável que seja ao Executivo e ao Congresso periodicamente. Esse é um aspecto que a meu ver a CPI reforçou, a necessidade de o Banco Central se aperfeiçoar. E isso está acontecendo ao longo dos anos.
Folha - Nos últimos anos, porém, o Banco Central sempre agiu forçado pelas circunstâncias.
Armínio -
Não.
Folha - Mas o sr. mesmo já baixou dois pacotes de medidas exatamente para se contrapor ao que aconteceu no mercado. Medidas que vieram depois.
Armínio -
Não é só depois. Eu vou dar um exemplo mais relevante do ponto de vista do funcionamento da máquina do banco que não lida só com decisões de diretorias. Toda a parte de fiscalização do Banco Central passou por um processo extraordinário de aprimoramento nos últimos anos. Esse problema recente, que é alvo da CPI, tem raízes quase que exclusivamente cambiais, tudo isso que está sendo discutido lá, aspectos de crise sistêmica. Mas os outros aspectos da supervisão bancária, da fiscalização, vêm sendo objeto de trabalho.
Folha - Mas essas mudanças também têm origem em crises que o Banco Central não conseguiu detectar a tempo.
Fraga -
É. Acho que dou a mão à palmatória. Não foi por causa de uma outra CPI, mas a partir do Proer (programa de ajuda a bancos em dificuldades financeiras). E se fez esse trabalho.
O que faltava era incorporar o lado de risco de câmbio, o que nós estamos fazendo agora. Ainda hoje (quinta-feira passada, dia 13) tivemos quatro horas de discussão de como fazer. Uma coisa é fácil, como você pode definir conceitualmente o que se quer. O que se quer é evitar riscos excessivos de câmbio no sistema. Nós estamos preparando agora mecanismos de controle, de restrição a isso.
Folha - O Banco Central parecia estar um pouco ausente de tudo o que acontecia no mercado. Talvez até por interesse próprio, de defesa de uma política cambial. E virou alvo de investigações sobre vazamento de informação.
Fraga -
Eu sempre digo para cada um dos diretores, embora essa missão seja minha (comentando a decisão de reduzir novamente os juros): tem um risco de Banco Central, risco de você sentar aqui na minha cadeira. Nós tomamos uma decisão agora de reduzir os juros de 29% para 27%, a decisão foi tomada hoje.
Agora, eu poderia não ter feito isso hoje, poderia ter feito amanhã e vazado para alguém. Então, é um risco, certo? Como é que você faz para evitar, ou pelo menos limitar? Só tem um jeito. Você concentra a decisão e limita o número de pessoas que têm acesso a ela. No momento em que a decisão é tomada, que foi agora, depois do mercado fechado, comunica. Então é quase que comunicação instantânea.
A realidade é que cada dia que você demora na divulgação é mais um dia em que você corre o risco de alguém ter essa informação.
Folha - O risco da informação privilegiada sempre vai existir?
Fraga -
Sempre. É um problema sério. No caso da mudança no regime cambial, por exemplo, havia algumas pessoas pensando nisso. Mas é sempre assim em política econômica, isso acontece não só nessa área como em várias outras, como fiscal, de regulamentação.
Por exemplo, se eu for tomar uma medida que vai impor uma restrição nova a uma determinada classe de operação de mercado, e isso vazar, alguém pode fazer antes e dizer que tinha precedentes. É um problema muito complicado, que ao meu ver tem como solução isso que eu estou dizendo: que as decisões sejam tomadas com um grupo mínimo necessário e divulgadas rapidamente.
Folha - E qual é a responsabilidade do ministro da Fazenda dentro de uma decisão assim, de uma decisão cambial?
Armínio -
De flutuar?
Folha - De qualquer decisão cambial. Qual é a ingerência do Ministério da Fazenda sobre o Banco Central? Isso não é claro para nós. Fraga - Essa é uma área que tem várias discussões. Do ponto de vista legal, no Brasil, o BC ainda é subordinado ao Ministério da Fazenda, isso é a lei. Na prática, o Ministério da Fazenda tem delegado ao Banco Central a liberdade de atuar e definir a política monetária e cambial. Hoje nós estamos num regime de câmbio flutuante, então a questão cambial não se coloca.
No regime anterior, a decisão de flutuar o câmbio foi uma decisão que foi discutida por uma equipe restrita no Ministério da Fazenda e no BC, que a meu ver faz sentido.
Quando você está num regime de câmbio fixo, é assim que tem de ser. Hoje esse problema não existe.
Voltando à sua pergunta. Hoje, a condução da política monetária realmente está na nossa mão e o ministro não senta no Copom (Comitê de Política Monetária). É óbvio que se o ministro quiser ligar para discutir economia, ele tem liberdade para fazer e faz.
Folha - O sr. não acha que existe um problema de origem no caso do Banco Central, até mais político? O BC veio de um projeto pré-regime militar e acabou sendo criado pós-regime militar, ali no início do regime militar de 1964.
Fraga -
O sistema nasceu torto por várias razões. Não sei se essa é a mais importante no cômputo geral das coisas. Antes, era um sistema em que todo o aparato monetário era controlado de fato pelo governo. Com o regime militar, isso continuou e, como era um regime de força, o ministro pegava o telefone e não tinha discussão.
Folha - Era na base do "reúna o Conselho Monetário que eu quero decidir isso"?
Fraga -
Imagino que sim. E, naquele momento, então dava realmente um poder extraordinário aos gestores da política econômica, que é justamente o que eu defendo que deva acabar. O BC não deve estar definindo as metas de inflação. Elas, no fundo, devem ser impostas ao banco, e o Banco Central tem de ter aquela autonomia restrita para cumprir aquilo.
O que não podemos viver são aqueles dilemas de curto prazo: só mais um pouquinho, expande só um pouquinho, não tem problema, uma exceçãozinha. Então, se você tira o Banco Central desse contexto, ele pode realmente exercer seu papel de forma mais eficaz.
Folha - O que o sr. acha de uma fiscalização bancária independente do Banco Central?
Fraga -
Não tenho opinião formada sobre isso, estou estudando a experiência de outros países.
Folha - Como é que funciona nos Estados Unidos?
Fraga -
Nos Estados Unidos você tem órgãos múltiplos, o Banco Central mantém uma atividade de supervisão, depois você tem dois outros organismos que fazem isso também. No Japão é separado.
Folha - O caminho do Brasil poderia ser o modelo americano?
Fraga -
Pode acabar sendo uma coisa boa, mas é mais caro. Você tem de pensar nisso. Existem vantagens e desvantagens. O ponto mais importante, a meu ver, é que essa área funcione sem pressões políticas de qualquer natureza.
Não pode ser uma pressão política de alguém que não quer que o banco quebre, um lobby público ou privado. Também não pode ser uma pressão interna do banco que não quer que uma determinada instituição quebre.
Essa é uma lição do caso desses dois bancos (Marka e FonteCindam). Eu não tenho uma posição definida sobre isso, mas o meu instinto é que, de novo nessa área, melhor é não ter tanto poder.
Folha - Por quê?
Fraga -
Para não ter esse dilema.
Folha - Tem o dilema e a denúncia depois.
Fraga -
A denúncia é inerente, é o risco de quem trabalha no setor público. Agora, é bom que haja esse risco até para disciplinar o que todo mundo faz. A questão do Banco Central ter ou não a opção de administrar a saída de uma empresa do mercado é um assunto muito complexo. Às vezes é bom, às vezes não é. Vale a pena ter esse direito? A minha intuição é que não. É melhor que seja uma coisa mais automática.
Folha - Como assim?
Fraga -
Mais automática, se o patrimônio começa a bater próximo de zero, você rapidamente liquida, fecha, toma alguma providência. O BC já deu passos importantíssimos nessa direção. A regra hoje já é, se o patrimônio líquido estiver negativo, a instituição é liquidada.
Folha - Mas, às vezes, isso não funciona na prática.
Fraga -
Por quê? Nesse caso atual, o patrimônio não ficou negativo. O BC teve o poder de fazer uma operação que não jogou no negativo.
Folha - No fundo, porém, é a mesma coisa. O BC não deixou o patrimônio do Marka ficar negativo, evitou a liquidação.
Fraga -
Mais ou menos. Minha intuição é que o melhor é não ter esse poder. Será que isso não vai fazer falta? Pode até fazer falta, mas, se o mercado sabe que é assim que funciona, o próprio mercado já vai ter um comportamento diferente.
Folha - A noção de risco cresce?
Fraga -
É. Por isso é que eu acho que a taxa de câmbio flutuante vai afugentar um pouco o dinheiro de curto prazo e vai afugentar também o próprio risco cambial. Vamos, de qualquer forma, regulamentar. Mas o próprio mercado já vai se encarregar disso.
Folha - O sr. não acha que no Brasil falta noção de risco? Várias pessoas quebraram, mas acabaram se saindo bem.
Fraga -
Nessa área, o Brasil é até melhor que outros países. Porque na grande maioria não existe essa regra que você tem no Brasil, de indisponibilizar os bens dos controladores e dos diretores. Quantos bancos já quebraram aí. Eu estou chegando aqui agora e tive um banco que cruzou essa linha. Foi liquidado, foi o Crefisul. Isso é uma política clara que já existe. O que eu quero é ter a certeza de que temos os mecanismos. A coisa mais importante não é a regra, veja bem.
A regra de que um banco é liquidado quando o patrimônio é negativo já existe, o que eu quero é ter a certeza de que eu estou monitorando bem esse processo. De tal forma que nós tenhamos a chance de entrar em ação antes que ele entre fundo no negativo, esse é que é o desafio da supervisão bancária.
Claro que é impossível ter isso na perfeição, é contra o conceito de mercado. Mas a gente quer melhorar ao máximo esse processo para não ter surpresas.



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