São Paulo, domingo, 20 de setembro de 1998

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Mulher já não quer casamento


Preservar a liberdade, não querer sofrer e já ter passado da idade são as principais razões que as mulheres dizem ter para rejeitar o casamento; já entre os homens, 81% pretendem casar


da Reportagem Local

O casamento perdeu importância no imaginário feminino mais rápido do que no masculino. Apesar de a maioria das mulheres desimpedidas ainda pretender casar, essa intenção é muito menor do que entre os homens.
Segundo a pesquisa Datafolha, no universo de solteiras, separadas e viúvas, apenas 59% têm intenção de casar, contra 81% dos homens na mesma situação.
Ou seja, há no Brasil 37% de mulheres que poderiam casar, mas que preferem permanecer vivendo sem um companheiro sob o mesmo teto. Esse percentual cai a menos da metade entre os homens solteiros, separados ou viúvos: 15% deles dizem preferir ficar sós.
As razões levantadas pelas próprias mulheres para abandonar a idéia de casamento são, principalmente, três: idade, não querer repetir uma experiência ruim e a preservação da própria liberdade.
A idade é um divisor de águas mais forte para as mulheres do que para os homens. Elas sabem que, a partir dos 40, têm mais dificuldades para encontrar um parceiro do que os homens da mesma idade.
Na teoria "A Pirâmide da Solidão", a demógrafa Elza Berquó mostrou que, com o passar do tempo, o universo de possíveis parceiras dos homens se amplia (mulheres da mesma idade e mais jovens), enquanto o das mulheres se restringe.
Isso aparece na pesquisa. Entre os solteiros de 16 a 25 anos, o percentual que resiste à idéia do casamento é igualmente baixo tanto para homens quanto para mulheres: apenas 5%. Já na faixa etária com mais de 40 anos, 60% da população feminina que nunca viveu com alguém diz que não pretende casar, contra 31% dos homens.
Mas o fator idade só explica 27% dos casos de mulheres que desistiram de casar. A maior parcela justificam-se de outro modo: não querem passar pela mesma experiência ruim, não querem sofrer, não acreditam mais nos homens.
Isso fica mais claro entre as separadas: 59% delas dizem que não vão casar novamente, contra 36% dos separados homens. É que, para essas mulheres que já passaram por um casamento, muitas vezes a união apresentou mais desvantagens do que pontos positivos.
Depois que casam e têm filhos, as mulheres assumem mais responsabilidades em casa do que os homens e têm menos tempo de lazer. Apenas 10% delas dizem nunca limpar a casa, contra 47% dos homens. Ao mesmo tempo, 58% dizem que nunca vão a shows musicais, e 76% nunca vão ao cinema ou ao teatro. Entre os homens, esses percentuais são menores.
Além do acúmulo de funções, ainda há os problemas de relacionamento: 37% se separaram por causa da infidelidade do marido.
Por essas razões, elas têm um ponto de vista mais crítico sobre a vida conjugal. Segundo o Datafolha, mais homens do que mulheres não vêem desvantagem em viver com alguém: 55% a 48%.
Especialista em terapia familiar e professora da Pontifícia Universidade Católica, Maria Amália Salles Vitale levanta outras questões: "A partir de um certo estágio da vida, essas mulheres podem ter mais dificuldades de abrir mão da autonomia que conquistaram. Além disso elas sabem que é mais complicado administrar uma casa com os filhos dela e do novo parceiro".
As hipóteses se comprovam na pesquisa. Apenas 34% dos homens dizem que não casariam com alguém que já tem filhos, mas 43% das mulheres evitariam essa situação. É que caberia a elas administrar os conflitos.
Apesar de todas as desvantagens, Vitale afirma que as mulheres não estão abrindo mão de uma nova experiência afetiva, mas da coabitação. Até porque o casamento, como elas descobriram, não é mais garantia de estabilidade, deixou de ser "até que a morte os separe". "As pessoas valorizam mais a qualidade da relação. O amor ainda faz parte da escolha do parceiro, mas ele não é mais o príncipe encantado", completa.
Já a imensa maioria das solteiras, 79%, tem planos de casar. Mesmo assim, menos do que o homens. Entre os solteiros, apenas 8% não pretendem casar. Seu principal motivo: não querem perder a liberdade. Entre as solteiras esse percentual sobe para 17%. Além da perda da liberdade, elas evocam outras razões, como "não acreditar mais nos homens".
O psicanalista Leopold Nosek duvida dessas respostas. "Acho que estão escondendo o jogo". Ele compara o alto percentual de mulheres que dizem não pretender casar ao dos eleitores que, em 1985, diziam que votariam em Fernando Henrique Cardoso para a Prefeitura de São Paulo, mas elegeram Jânio Quadros.
"Ficou antigo dizer que quer casar, mas a vontade de ter filhos é visceral para a mulher", diz.
Apesar das transformações, a regra ainda é o casamento. As brasileiras deixam a casa paterna mais jovens do que seus irmãos, com 19 anos em média, e, em geral, direto para o altar. Casam-se com homens mais velhos (24 anos) e por consequência, são mais cedo, aos 21 anos -enquanto o pai tem o primeiro filho aos 25 anos.
Para a socióloga Elisabete Bilac, é difícil de mudar a tradição matrimonial desvantajosa para as mulheres. "Só com salários e empregos melhores para as mulheres".
Enquanto isso não ocorre, a vingança feminina pode ser, como sugere a pesquisa, evitar o casamento. (JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO)


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