São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2010

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JK, Roriz, Arruda...

Origem dita progressista deu espaço para uma decadência que culminou com com a crise que implodiu o DF

por ELIANE CANTANHÊDE
colunista da Folha

A política em Brasília é dividida em duas "eras": antes e depois de Joaquim Roriz (PSC), que foi nomeado para o governo do Distrito Federal pelo então presidente José Sarney em 1988 e dali fez seu trampolim para três outros mandatos em eleições diretas -1990, 1998 e 2002. Tornou-se assim o eixo da política brasiliense.
São herdeiros de Roriz os principais nomes do atual escândalo na capital, a começar do ex-governador José Roberto Arruda, que ficou quase 60 dias preso e foi cassado, e o seu ex-vice, Paulo Octávio, que não teve sustentação política para se manter no cargo. A cidade ainda pode sofrer intervenção federal, a ser definida pelo Supremo Tribunal Federal.
Com o vácuo de poder, assumiram dois outros rorizistas: o governador interino, Wilson Lima (PR), que presidia a Câmara Legislativa, e o tampão, Rogério Rosso (PMDB), eleito indiretamente no sábado passado até a posse do vitorioso nas eleições diretas de outubro.
No último governo Roriz, Rosso foi secretário de Desenvolvimento e administrador de Ceilândia, região administrativa mais populosa do DF.
A história política de Brasília, porém, começou bem diferente disso, sob o impulso desenvovimentista e liberal, tanto político quanto econômico, de Juscelino Kubitschek, seu idealizador e executor.
Na última eleição presidencial antes da ditadura e na primeira depois, Brasília andou na contramão. Tanto Jânio Quadros, em 1960, quanto Fernando Collor, em 1989, venceram no país, mas perderam no DF. E ambos caíram.
O traço prosseguiu com a formação da Universidade de Brasília, a UnB, coordenada por educadores como Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, que atraíram nomes de vanguarda.
Mas durou pouco. Em 1964, JK perdeu os direitos políticos. Em 1965, 200 professores foram demitidos da UnB, incluindo Sepúlveda Pertence, que viria a presidir o Supremo Tribunal Federal 30 anos depois, e Pompeu de Sousa, futuro senador na abertura.
Brasília também teve representantes dos partidos clandestinos e focos de resistência à ditadura entre estudantes, sindicalistas e funcionários públicos, que forjaram a primeira bancada federal de oito deputados e três senadores.
Eles foram eleitos em 1986 pelos ventos da redemocratização e do Plano Cruzado, e eram líderes de sindicatos, administradores regionais ou profissionais como os deputados Augusto Carvalho (bancário), Sigmaringa Seixas (advogado) e Maria de Lourdes Abadia (ex-administradora de Ceilândia).
Essa configuração, porém, só resistiu até a Constituinte de 1988 introduzir o voto direto para governador a partir de 1990, criando a Câmara Legislativa, com 24 deputados.
Presidente, Sarney nomeou para o governo, em 1988, o goiano Roriz, que era seu vizinho de fazenda nos arredores do DF e aproveitou o cargo para montar todo um esquema -de verbas, de aliados e de penetração na máquina do DF- suficiente para vencer a primeira eleição direta, dois anos depois.
A nova Câmara Legislativa começou bem, mas foi resvalando ao longo dos anos para figuras que despontavam nas áreas populosas e poeirentas ao redor do Plano Piloto e que ajudaram a eleger, por exemplo, o primeiro senador cassado por corrupção, em 2000: o empresário Luiz Estêvão, do grupo político e pessoal de Collor.
A cunha nesse processo foi a eleição do ex-reitor da UnB Cristovam Buarque para o governo em 1994, mas ele perdeu em 1998 para o próprio Roriz, sendo um dos raros candidatos à reeleição derrotados no país.
Naquela eleição, aliás, ficou evidente uma peculiaridade de Brasília: os bairros mais ricos, como Lago Sul e Lago Norte, eram infestados de bandeiras vermelhas do PT de Buarque (hoje no PDT), e cidades e regiões mais pobres, como Ceilândia, eram tomadas pelos cartazes azuis de Roriz.
A isso se chama de "efeito DF-1", numa referência à rodovia que circula Brasília. O voto que se considera consciente fica dentro da margem, na região mais central. Já a compra de voto e o voto de cabresto se desenvolvem principalmente fora. É dali que Roriz pode continuar retirando vitórias e definindo o destino político da já não tão nova capital de JK.


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