São Paulo, sexta-feira, 23 de janeiro de 2004

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RADIOGRAFIA

Levantamento aponta a raça, o sexo e a renda dos alunos da USP

Brancos e ricos predominam nos cursos mais disputados


EM 2003, 70% DOS ALUNOS VIERAM DO SISTEMA PARTICULAR DE ENSINO; NA OPINIÃO DOS PROFESSORES DA USP, O NÍVEL DOS ESTUDANTES PIORA A CADA ANO


CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

O perfil do aluno da USP depende do endereço. Na av. prof. Luciano Gualberto, 908, no Butantã (zona oeste), onde funciona o curso de administração da FEA (Faculdade de Economia e Administração), ele estuda de manhã, é egresso de escola particular e tem renda familiar média de R$ 5.825.
Na av. prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, onde é ministrado o curso de biblioteconomia, da ECA (Escola de Comunicações e Artes), ele estuda à noite, vem de escola pública e tem renda familiar média de R$ 2.000.
O que os alunos mais têm de homogêneo é a cor: 80% deles são brancos. Os negros (pretos e pardos), que representam 45% da população brasileira segundo o Censo de 2000, não chegam a 10% dos uspianos (9,8%). Os amarelos respondem por 10,2%.
No Brasil, a proporção de negros subiu de 15,7% para 20,7% em 18 áreas avaliadas pelo Provão de 2000 a 2003. No mesmo período, a proporção de negros na USP subiu de 6% para 9,8%, uma variação de 63,3%.
Em 2003, a maior concentração de negros estava em cursos noturnos, como os de geofísica e biblioteconomia, dois dos menos disputados no campus da capital -5 e 13 candidatos por vaga no vestibular da Fuvest de 2003, respectivamente. O curso mais concorrido na USP é o de publicidade e propaganda, com 61,8 candidatos por vaga, dos quais mais de oito entre dez aprovados são brancos.
Em cinco cursos -artes cênicas, ciências biológicas, economia agroindustrial, arquitetura e jornalismo-, não houve ingresso de nenhum negro em 2003, segundo levantamento feito pelo Naeg (Núcleo de Apoio aos Estudos de Graduação), ligado à pró-reitoria de graduação da USP.
São cursos que reúnem alunos majoritariamente vindos de escola particular e com renda familiar média entre R$ 4.200 a R$ 5.800.
"A USP tem todo interesse em ficar mais próxima da cor básica da sociedade brasileira, mas não podemos descuidar da função social da universidade, que é a de formar pessoas muito bem preparadas, lideranças das próximas gerações. Não podemos, em hipótese alguma, diminuir as exigências para o ingresso", afirma Sonia Teresinha de Sousa Penin, pró-reitora de graduação.
A mesma opinião é compartilhada pelo reitor, Adolpho José Melfi. "Não vejo com simpatia o sistema de cotas para negros. Acho que estaremos discriminando-os de uma maneira muito mais séria. [Vai parecer que] qualquer negro que está na universidade entrou por cota."
Segundo ele, serão discutidos a partir de março modelos de sistemas de cotas que poderão ser implantados na universidade. Porém o reitor adianta que deverá ser priorizado o aspecto socioeconômico dos alunos e não a etnia. Além do aspecto da cor, a USP corre o risco de se tornar homogênea também em relação à procedência dos seus alunos: 70% dos que ingressaram no ano passado vieram de escola particular. Em 1980, ano em que a universidade começou a agrupar dados a partir das informações da Fuvest, 50% dos estudantes eram egressos da escola pública.
Na opinião de Melfi, esse não é um problema da USP, mas sim dos governos federal, estadual e municipal. "Temos é que melhorar o nível do nosso ensino fundamental e médio. A USP está colaborando para isso na formação e capacitação de professores."
A diminuição do número de alunos da USP vindos de escola pública também está relacionada ao baixo número de inscritos da rede pública no vestibular da Fuvest, diz a pró-reitora Sonia Penin. Nos últimos três anos, o índice de inscritos da rede pública no vestibular da Fuvest tem se mantido em 39% do total das inscrições. Para ela, os alunos estão se auto-excluindo por sentir a falta de chances de passar no vestibular ou por não terem condições de pagar a taxa do exame -de R$ 83.
O despreparo dos estudantes, especialmente os que vieram da rede pública, é a principal mudança no perfil do aluno da USP, na avaliação de professores da universidade que já fizeram parte do seu corpo discente.
"Eles chegam com muito menos leitura de história, filosofia e literatura. Essa deficiência do ensino médio acaba tendo que ser compensada na universidade", afirma a professora de literatura espanhola Valéria de Marco, 51, que ingressou na USP em 1970.
Na opinião de Nicolau Sevcenko, professor de história da cultura na USP, até a década de 70, havia predominância de alunos bem qualificados das duas redes. "Hoje o desnível da rede pública é significativo e isso interfere no trabalho pedagógico", relata o professor, que sempre estudou em escolas públicas da zona leste de São Paulo e entrou na USP em 1972.
Para o assessor da diretoria da Fuvest Roberto Costa, professor de matemática da USP, a piora da qualificação também atinge os alunos da rede privada. Um dos indicativos, afirma, seria que a proporção de alunos vindos das redes pública e particular continua a mesma há quatro anos.
"Isso quer dizer que a escola particular também está em crise e que o ensino público piorou tanto que não dá para ir além disso."
Outro fato que difere a USP das demais universidades brasileiras é relação de alunos homens e mulheres. Segundo estudo do Naeg, entre 1999 e 2001, as mulheres representavam em média 43% do corpo discente, enquanto que no Brasil elas ocupavam 56% das vagas no ensino superior. Em 2003, pela primeira vez na USP, a participação passou para 46,5%.
Setenta anos após sua fundação, a USP ainda não conhece de fato os seus alunos. As únicas informações globais existentes -socioeconômicas- são fornecidas pela Fuvest a partir dos dados dos inscritos no vestibular. Não há um estudo abrangente dos alunos após o ingresso na universidade.
Segundo a pró-reitora Sonia Penin, é uma das prioridades da atual gestão mapear o perfil do aluno da USP e organizar indicadores de toda ordem. "A USP é muito grande e sempre houve muita pluralidade de gestões. Algumas unidades já fizeram esses estudos, mas não existe um levantamento mais amplo."
Com objetivo de recuperar parte dessa memória, o Naeg começa a cadastrar os ex-alunos por meio do site http://naeg.prg.usp.br.


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