São Paulo, quinta, 23 de abril de 1998

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Mesmo só, Síria crê na vitória militar

do enviado especial ao Oriente Médio

Nenhum país do Oriente Médio sentiu tanto o fim da Guerra Fria como a Síria do presidente Hafez Assad. O brusco desaparecimento da União Soviética deixou a economia e a máquina militar síria sem o seu patrocinador, o que provocou recessão e aumento da insatisfação entre seus habitantes.
Damasco, antes estimulada por Moscou e pelo desejo de liderar o nacionalismo pan-árabe, teve de flexibilizar a sua posição e, "de líder da resistência contra a agressão sionista", passou a um hesitante personagem do processo de paz dos anos 90.
As negociações, no entanto, se congelaram com a chegada, há dois anos, de Binyamin Netanyahu ao governo israelense. A Síria argumenta não ter pressa para assinar um acordo de paz com Israel e acabar com o "estado de guerra" que persiste entre os países.
O autoritário governo de Hafez Assad, que conquistou o poder por meio de um golpe de Estado em 1970, sugere ainda crer na "teoria de Saladino". Segundo ela, desde a vitória dos árabes comandados por Saladino sobre os cruzados (cristãos) no século 12, os seguidores de Maomé têm sucesso militar garantido na região. Seria só uma questão de tempo.
"O mais importante é que os israelenses não podem vencer no longo prazo caso continuem num estado de guerra com os árabes, não importando o quanto eles são ou serão fortes", acredita Farouk al Sharaa, o chanceler sírio: "Os árabes não são apenas muito numerosos e concentram um grande potencial, mas eles contam com uma história, herança e cultura que os farão vitoriosos caso guerras sejam impostas a eles".
Essa teoria da história tinha eco na defunta URSS. O secretário-geral do Partido Comunista soviético, Nikita Khruschov, morto em 1971, escreveu em suas memórias, logo após a vitória israelense na Guerra dos Seis Dias (quando a Síria perdeu as colinas do Golã): "Os árabes derrotarão Israel, sem dúvida. Só não sei quando".
A Síria se livra gradativamente da influência soviética. A partir dos anos 80, começou a implementar um tímido cardápio de reformas no modelo da economia planificada, para aplacar o descontentamento da população. As mudanças trouxeram maior abertura a investimentos estrangeiros, com uma lei implantada em 1991.
No plano internacional, restou a tentativa de aproximação com a única superpotência em vida, os Estados Unidos, o que significou embarcar, a contragosto, no processo de paz. Hafez Assad chegou a segredar ao governo britânico, em novembro de 1995, logo após o assassinato de Yitzhak Rabin, que apenas "questões técnicas" despontavam como obstáculos para a paz entre seu país e Israel.
Tais "questões técnicas" nunca foram reveladas e Rabin morreu sem deixar claro se estaria disposto a devolver as colinas do Golã incondicionalmente, como quer Damasco. Em recente encontro com o presidente iraniano, Mohammad Khatami, Assad teria dito que "nunca abriria mão de sequer uma árvore do Golã", posição que se choca frontalmente com os cálculos de segurança do governo israelense. Para Netanyahu, a devolução colocaria Israel em posição enfraquecida diante da ainda forte máquina militar síria.
Netanyahu e até mesmo setores da oposição israelense acusam a Síria de intransigência. Apesar do golpe representado pelo fim da Guerra Fria e das atuais reviravoltas ideológicas, o regime sírio e a oposição tolerada continuam impregnados de um arraigado sentimento nacionalista, de um desejo, ainda que maquiado, de constituir uma "Grande Síria".
"Israel foi imposto aqui como uma extensão do colonialismo. Os americanos não mudaram sua posição em uma polegada", opina o professor Nafez Shamas, da Universidade de Damasco e integrante do oposicionista Partido Nacionalista Social Sírio. "E Israel não vai parar sua agressão até encontrar um poder forte. Não acreditamos de maneira alguma na existência de Israel".



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