São Paulo, quinta, 23 de abril de 1998

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Egito ainda desconfia de Israel


Governo egípcio fechou acordo de paz com Israel em 79, mas a questãp palestina impede aproximação maior entre eles. Falta de relações comerciais e culturais resulta na 'paz fria', tendência que ameaça laços com a Jordânia


do enviado especial ao Egito

No mês passado, a principal revista egípcia, a governista "Rose al Youssef", publicou em sua capa uma fotomontagem que mostrava o recém-chegado embaixador norte-americano ao Cairo, Daniel Kurtzer, com um chapéu preto e outros adereços usados por judeus ortodoxos. A legenda luzia com o dizer "um rabino disfarçado em roupa de diplomata".
A charge provocou uma barragem de protestos vindos do exterior (principalmente dos Estados Unidos e de Israel) e de políticos e intelectuais egípcios, preocupados em proteger a tradição local de tolerância religiosa.
A caricatura, no entanto, não nasceu filha única. A imprensa do Egito, em sua maior parte controlada pelo governo, costuma desenhar ataques a Israel com contornos anti-semitas, estampa bandeiras israelenses marcadas por suásticas ou fala de rocambolescos planos montados em Tel Aviv para disseminar a Aids entre os jovens egípcios. Com o preconceito e o sensacionalismo, provoca protestos de organizações judaicas e ilustra uma face da "paz fria" entre o Estado judeu e o principal país árabe, fruto do primeiro acordo de paz na região desde os anos 40.
Em 1977, o presidente egípcio, Anuar Sadat, desembarcou em Jerusalém e desencadeou um processo que resultaria, dois anos depois, na assinatura dos acordos de paz de Camp David, entre Israel e Egito. A audácia de Sadat foi punida com a morte, e ele desapareceu num atentado arquitetado por extremistas muçulmanos durante parada militar no Cairo, em 1981.
As duas principais potências militares da região deixaram de esgrimir no campo de batalha, mas pouco avançaram na aproximação. Embora tenham trocado embaixadores, empresários fecham negócios em patamares tímidos, o turismo entre os dois países engatinha e o intercâmbio universitário praticamente inexiste. O diretor do Centro Acadêmico de Israel na capital egípcia, Sasson Somekh, um israelense nascido no Iraque, recebeu em 1996 o rótulo de "o homem mais solitário do Cairo".
"Vivemos uma paz fria porque as relações dependem da questão palestina. Enquanto ela não for resolvida, não conseguiremos ter um relacionamento pleno", afirma o advogado Abdel el Reeddy, 66, que foi embaixador egípcio em Washington entre 1984 e 1992 e participante das negociações de Camp David. "Naquelas conversações, dedicamos 99% do tempo para discutir a questão palestina", rememora El Reedy, em seu apartamento no confortável bairro de Heliópolis, longe do trepidante centro cairota. "Acertar as relações bilaterais foi fácil."
Salah Bassiouny, ex-embaixador do Egito em Moscou (84-88), rejeita o rótulo "paz fria" para descrever as relações entre os dois ex-inimigos. "Atravessamos um período de esfriamento, por causa da chegada do governo Netanyahu, mas entre 91 e 96 testemunhamos uma melhoria sensível, por exemplo, na área do comércio bilateral, que cresceu oito vezes entre 90 e 95", afirma Bassiouny, fundador do Centro de Estudos do Oriente Médio, a única instituição acadêmica financiada pela iniciativa privada, e presidente do Movimento do Cairo pela Paz, uma organização não-governamental.
Apesar da "paz fria" e da declarada antipatia que o presidente egípcio, Hosni Mubarak, cultiva em relação a Binyamin Netanyahu, a tendência de pacificação deve prevalecer no Oriente Médio, pois a "paz é uma opção estratégica de todas as partes envolvidas, inclusive Israel", analisa Abdel Said Aly, diretor do Centro de Estudos Políticos e Estratégicos do "Al-Ahram" (As Pirâmides), o principal jornal egípcio.
Segundo Said Aly, o Egito, com sua tradição histórica e influência política, tem ajudado a superar as crises que despencaram sobre a região. "Desde Camp David, nosso país nunca reagiu violentamente diante dos problemas e, mais do que isso, nos últimos 18 anos nunca retirou o embaixador de Israel. Até mesmo tem mantido a mesma pessoa no cargo", observa.



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