São Paulo, quinta, 23 de outubro de 1997.



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RESUMINDO
Narrador irônico e cínico conta história de Pommery

CARLOS CORTEZ MINCHILLO
especial para a Folha

Poderia uma oportunista cafetina ser elevada a modelo de modernização e refinamento? Pois é essa façanha que, em tom deliciosamente irônico, é narrada em "Madame Pommery" (1919), de Hilário Tácito.
A história acompanha a ascensão social da esperta Pommery, dona do bordel "Paradis Retrouvé" (Paraíso Reencontrado) e, simultaneamente, constrói uma crônica de São Paulo do início do século, quando a cidade assistia deslumbrada ao processo de urbanização e à chegada dos barões do café. Dinheiro e progresso conviviam com uma mentalidade provinciana, com a falta de elegância tupiniquim. A chegada de Madame Pommery vem alterar esse quadro.
Nascida na Europa, filha de um domador de feras e de uma ex-noviça, Pommery aprende com Zoraida as artes do amor. As duas dão um golpe em um ricaço e separam-se. Pommery vem para o Brasil e, logo na chegada, encontra justamente Zoraida, agora casada, posando de senhora respeitável ao lado do marido, rico fazendeiro. Zoraida finge não reconhecer a antiga companheira, e Pommery, furiosa, decide: quer se tornar tão influente a ponto de poder olhar de igual para igual Zoraida.
A partir daí, Pommery chega a São Paulo, conhece a falta de classe das noites paulistas e encontra seu primeiro amante. Com ele consegue o dinheiro para abrir o bordel onde a elite poderia experimentar uma prostituição de melhor qualidade.
Determinada e revelando grande habilidade para trapaças, Pommery troca de amantes segundo seus interesses e ganha a simpatia dos homens "que contam" da sociedade. A cafetina e seu prostíbulo tornam-se uma referência: grandes negócios se fecham no "Paradis Retrouvé" e até as filhas da burguesia aprendem com as meninas de Pommery as boas maneiras européias.
O narrador-personagem, Hilário Tácito (pseudônimo do autor José Maria de Toledo Malta), faz de sua história uma divertida crítica à hipocrisia de uma sociedade em que o importante é o que o dinheiro pode comprar, inclusive a "boa reputação".
A inversão de valores constrói um mundo às avessas, e a anti-heroína, verdadeira pilantra, é retratada, por meio de um tom solene, com respeito e simpatia, o que faz do próprio narrador um cínico, aproximadamente como ocorre em Machado de Assis. Aliás, o estilo do mestre realista reaparece em "Madame Pommery": metalinguagem, conversa com o leitor, digressões em que se misturam citações de filósofos, poetas e comentários do próprio narrador, todos esses recursos resultam em uma estrutura pontuada de interrupções que, associada ao tom geral de farsa, anunciam a linguagem modernista que virá definitivamente com Oswald e Mário de Andrade.


Carlos Cortez Minchillo é professor do Colégio Bandeirantes e produtor do software "Biblos - Estudos Interativos de Literatura".



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