|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RESUMINDO
Narrador irônico e cínico
conta história de Pommery
CARLOS CORTEZ MINCHILLO
especial para a Folha
Poderia uma oportunista
cafetina ser elevada a modelo
de modernização e refinamento? Pois é essa façanha
que, em tom deliciosamente
irônico, é narrada em "Madame Pommery" (1919), de
Hilário Tácito.
A história acompanha a ascensão social da esperta
Pommery, dona do bordel
"Paradis Retrouvé" (Paraíso
Reencontrado) e, simultaneamente, constrói uma crônica de São Paulo do início do
século, quando a cidade assistia deslumbrada ao processo de urbanização e à chegada dos barões do café. Dinheiro e progresso conviviam com uma mentalidade
provinciana, com a falta de
elegância tupiniquim. A chegada de Madame Pommery
vem alterar esse quadro.
Nascida na Europa, filha de
um domador de feras e de
uma ex-noviça, Pommery
aprende com Zoraida as artes
do amor. As duas dão um golpe em um ricaço e separam-se. Pommery vem para o
Brasil e, logo na chegada, encontra justamente Zoraida,
agora casada, posando de senhora respeitável ao lado do
marido, rico fazendeiro. Zoraida finge não reconhecer a
antiga companheira, e Pommery, furiosa, decide: quer se
tornar tão influente a ponto
de poder olhar de igual para
igual Zoraida.
A partir daí, Pommery chega a São Paulo, conhece a falta de classe das noites paulistas e encontra seu primeiro
amante. Com ele consegue o
dinheiro para abrir o bordel
onde a elite poderia experimentar uma prostituição de
melhor qualidade.
Determinada e revelando
grande habilidade para trapaças, Pommery troca de
amantes segundo seus interesses e ganha a simpatia dos
homens "que contam" da
sociedade. A cafetina e seu
prostíbulo tornam-se uma
referência: grandes negócios
se fecham no "Paradis Retrouvé" e até as filhas da burguesia aprendem com as meninas de Pommery as boas
maneiras européias.
O narrador-personagem,
Hilário Tácito (pseudônimo
do autor José Maria de Toledo Malta), faz de sua história
uma divertida crítica à hipocrisia de uma sociedade em
que o importante é o que o
dinheiro pode comprar, inclusive a "boa reputação".
A inversão de valores constrói um mundo às avessas, e a
anti-heroína, verdadeira pilantra, é retratada, por meio
de um tom solene, com respeito e simpatia, o que faz do
próprio narrador um cínico,
aproximadamente como
ocorre em Machado de Assis.
Aliás, o estilo do mestre realista reaparece em "Madame
Pommery": metalinguagem,
conversa com o leitor, digressões em que se misturam citações de filósofos, poetas e comentários do próprio narrador, todos esses recursos resultam em uma estrutura
pontuada de interrupções
que, associada ao tom geral
de farsa, anunciam a linguagem modernista que virá definitivamente com Oswald e
Mário de Andrade.
Carlos Cortez Minchillo é professor do
Colégio Bandeirantes e produtor do software "Biblos - Estudos Interativos de Literatura".
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|