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POLÍTICA EXTERNA
Para a cientista política Margaret Keck, eleição de Lula é boa para presidente perceber que o país é grande
Bush terá que dar prioridade ao Brasil, diz americana
SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
Vai custar até que George W.
Bush entenda o que aconteceu no
Brasil com a eleição de Luiz Inácio
Lula da Silva. Mas o fato novo vai
ser bom para que o presidente
norte-americano perceba que o
país é uma nação grande, importante, que não pode estar no final
de sua lista de prioridades.
A opinião radical é de uma radical de muitas opiniões e uma das
maiores estudiosas do Partido
dos Trabalhadores nos EUA. A
cientista política Margaret Keck é
autora do único livro sobre o PT
escrito em inglês e lançado no
país, "The Workers" Party and
Democratization in Brazil".
Professora da conceituada Universidade Johns Hopkins, em Nova York, Keck falou à Folha sobre
a eleição de Lula e suas consequências.
De quebra, declarou que o petista não é o primeiro ex-sindicalista
a virar presidente de um país importante.
Folha - Qual o lugar que a vitória
de Luiz Inácio Lula da Silva vai ocupar na história?
Margaret Keck - A eleição tem
um significado enorme para o
Brasil. O PT e Lula eram vistos no
começo de sua trajetória como algo quase antinatural no cenário
político brasileiro de então.
A idéia de que um operário poderia ser político foi recebida como uma manifestação folclórica,
e algumas das frases ditas no início dos anos 80 soariam muito estranhas hoje em dia.
Não é só o fato de o Lula e de o
PT terem ganho um tamanho e
uma importância grandes na sociedade mas também o fato de o
Brasil ter mudado muito. É uma
sociedade mais aberta, mais democrática.
Folha - Mas o PT mudou também,
não?
Keck - O PT obviamente mudou.
Ao longo desse tempo, o partido
teve uma experiência política
muito grande, tanto no aspecto
eleitoral e de ter representação em
instituições políticas e legislativas
quanto no governo.
É sobretudo a experiência nos
governos municipais que amadureceu o partido, que cometeu
muitos erros, aprendeu com eles e
mudou o estilo a partir disso.
Isso não quer dizer que mudou
totalmente, não foi de um partido
militante para um partido governista, não é isso, mas a proposta
política do PT virou muito mais
complexa, pois o público com
quem ele conversa também virou
um público mais complexo.
Folha - Como estudiosa do assunto, a sra. confirma que Lula é mesmo o primeiro ex-sindicalista do
mundo a chegar ao poder de um
país importante?
Keck - No Brasil, com certeza, é
um caso inédito. No resto do
mundo? Bem, aqui nos EUA nós
tivemos um ator, e veja que a formação dos atores não é muito
mais cosmopolita que a formação
de um sindicalista. [Risos]
Além disso, em algum momento de sua carreira Ronald Reagan
foi presidente do sindicato de atores de Hollywood, se não me engano. Ou seja, os EUA tiveram um
ex-sindicalista na Presidência antes do Brasil. Essa comparação faria meus amigos do PT quererem
me matar...
Folha - Qual o reflexo da eleição
de Lula para o continente?
Keck - Para a América Latina o
PT representa uma esquerda não-populista, que é uma alternativa
que tem pouco paralelo na história do continente.
Ou seja, mostra que há uma opção a alguém como o Hugo Chávez, na Venezuela, por exemplo,
que é uma figura que se apresentou como um salvador, montado
num cavalo branco e tudo mais,
mas é um líder populista tradicional.
Já a trajetória do Lula e do PT é
diferente. Talvez inaugure um período de discussão de propostas
alternativas em relação ao caminho do continente.
O Brasil é capaz de conduzir
uma discussão bem mais rica do
papel dos latino-americanos no
processo de globalização. Não tenho certeza de que essa discussão
vá acabar numa nova proposta
nem consensual nem viável, mas
pelo menos abre o caminho.
Folha - A sra. acha que esta eleição marca uma nova virada do continente para a esquerda, a exemplo
do que aconteceu em alguns países
nos anos 60 e 70? Se sim e se a história for mesmo pendular, então
essa virada não seria acompanhada de uma nova reação da direita,
principalmente a direita militar?
Keck - Não. Com certeza a vitória do Lula e do PT vai ser uma
inspiração para a esquerda de outros países da região, mas o Lula
não chegou à Presidência de um
dia para o outro, não foi algo meteórico, é um processo que foi
acumulando forças durante muito tempo. E vários aspectos contribuíram para que dessa vez ele
ganhasse, não foi só pelo processo
de acumular forças.
Não acho que a trajetória que
ele teve no Brasil seja tão facilmente copiável.
Folha - O que a sra. achou da frase
de Hugo Chávez, de que ele, Lula e
Fidel Castro, em Cuba, fariam o "eixo do bem"?
Keck - Ele estava respondendo a
um artigo do jornal "The Miami
Herald", em que se falava que a
América Latina agora poderia
também ter seu "eixo do mal".
Traduzindo, significa apenas que
dentro da América Latina há uma
voz mais crítica em relação à maneira que o processo de globalização tem se conduzido.
O Brasil é um país com interesses muito maiores do que o interesse de Lula em ter relações privilegiadas com a Venezuela ou
com Cuba.
Na política externa do Brasil,
apesar de esses países serem importantes como aliados da esquerda, não são centrais.
Pegue a relação com Cuba, por
exemplo. É importante, pois certos setores da direita norte-americana olham a América Latina mas
só vêem Cuba. Mas esses óculos
são muito estreitos. E o presidente
Bush não vai ver o Brasil através
desses óculos, e o Lula também
não vai ver o mundo através do
óculos que só vêem Cuba.
Folha - Em que medida muda a relação Brasil-EUA? O presidente
Bush está preparado para o presidente Lula?
Keck - Seria bom Bush reconhecer que a eleição de Lula representa uma mudança de clima no Brasil que vai exigir dele um pouco
mais de atenção em relação ao
país do que ele tem prestado até
agora. Talvez sirva como alerta
para ele, alerta de que o Brasil é
uma nação grande, importante,
que não pode estar no finalzinho
da lista de prioridades.
Mas vai custar até ele entender o
que está acontecendo... E, apesar
de algumas declarações infelizes,
como a recente supostamente feita pelo secretário do Tesouro,
Paul O'Neill fez, eles não reagiram
tão mal assim à vitória petista.
Folha - A sra vê alguma relação
entre os movimentos antiglobalização que eclodiram no mundo no
fim dos anos 90 e a eleição de Lula?
Keck - Não, mas creio que os
dois fatos vêm de uma mesma
causa, há fatores em comum que
influenciam os dois. Ambos refletem uma insatisfação crescente
com o fato de que os frutos da suposta expansão econômica global
não estão chegando. Ou estão
chegando para cada vez menos
pessoas, mas não para as grandes
maiorias, nem nos países ricos,
nem nos países pobres.
Folha - Wall Street vai dar chance
para Lula provar que ele não é o radical que o mercado internacional
pensa que ele é?
keck - Se eu tivesse uma bola de
cristal sobre Wall Street, seria
muito mais rica. [Risos] É difícil
saber, mas não acho provável
mesmo que o mercado vá dar
muita abertura ao governo. Na
minha opinião eles não vão fazer
absolutamente nada para ajudar.
Agora, também não é do interesse de Wall Street que o Brasil
quebre. Então, vai precisar de
muita agilidade da parte do governo brasileiro, tanto do atual
quanto do de transição. Vai ser
preciso tentar convencer os investidores a se acalmar.
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