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POLÍTICAS
Ações afirmativas aumentaram elite negra nos EUA
Para pesquisadora, carreira de Obama "deve muito" às
conquistas dos movimentos pelos direitos civis
FABIANO MAISONNAVE
EM BOSTON
Em artigo publicado logo
após a eleição de Barack Obama
nos EUA, o colunista Dennis
Byrne relembrou no jornal
"Chicago Tribune" um episódio de 1967, quando era professor para alunos negros num
curso supletivo no Estado sulista da Geórgia. Depois de dizer a eles que poderiam ser "o
que quisessem", viu uma aluna
arrancar risadas dos colegas ao
anunciar ironicamente que seria procuradora-geral.
Para Byrne, a aluna estava
certa há 40 anos -hoje, não.
Ecoando uma visão crescente
nos EUA, ele crê que a eleição
de Obama comprova que as políticas de ações afirmativas implantadas a partir da Lei dos Direitos Civis, em 1964, cumpriram o papel de assegurar igualdade de oportunidades aos negros e, portanto, deveriam deixar de existir.
"Como sabemos quando os
tipos de desequilíbrios impostos por alguns programas de
ação afirmativa não são mais
necessários? Se um dos sinais
de que devemos estar indo nessa direção não é a eleição de um
presidente afro-americano, então o que é?", escreveu Byrne.
Promulgada pelo presidente
democrata Lyndon Johnson
sob forte pressão do movimento negro, a Lei dos Direitos Civis proibia a segregação em escolas, espaços públicos e no trabalho. Entre outras medidas,
determinou que as instituições
que recebem fundos públicos,
como universidades privadas,
eliminassem toda forma de discriminação racial.
Desde então, os processos de
seleção universitários e de trabalho passaram a criar mecanismos -ações afirmativas-
para que o ambiente escolar ou
de trabalho refletisse a composição racial norte-americana,
onde os negros representam
12%. Ao contrário do que se
pensa no Brasil, não há cotas
nos EUA -estão proibidas pela
Suprema Corte desde 1978.
Nova elite
Desde então, afro-americanos passaram a ocupar cargos
cada vez mais altos nos setores
público e privado e aumentaram sua presença nas universidades, mas as estatísticas mostram que o abismo entre brancos e negros continua em áreas
como renda e educação. De
acordo com o Departamento de
Educação, 19,5% dos negros
entre 25 e 29 anos tinham diploma superior em 2007, contra 35,5% dos brancos.
A última grande discussão
sobre ações afirmativas nos Estados Unidos ocorreu em 2003,
quando, por 5 votos a 4, a Corte
Suprema manteve a constitucionalidade dessas políticas.
Na decisão, houve o entendimento de que a Universidade
de Michigan pode fazer "uso estrito de raça" para "obter os benefícios educacionais que
emergem de um corpo estudantil diversificado", mas com
a ressalva de que é um recurso
com tempo de vida limitado.
Dentro desse discurso da "diversidade", onde fica Obama,
filho de um queniano com uma
norte-americana branca nascido no Havaí e casado com uma
afro-americana?
"A sua história certamente
não é a de uma afro-americano
crescido no Sul", afirma a cientista política afro-americana
Melissa Nobles, do MIT (Massachusetts Institute of Technology). "Mas a sua carreira profissional se deve muito às conquistas do movimentos pelos
direitos civis. E ele nunca teria
vencido se Jesse Jackson não
tivesse introduzido a idéia de
um presidente negro", completa, lembrando que Obama trabalhou por vários anos na comunidade negra de Chicago.
Para brasilianistas especialistas em relações raciais ouvidos pela reportagem, um fenômeno similar ao de Obama dificilmente ocorreria no Brasil
num curto prazo. Entre os motivos está a trajetória ainda pequena das ações afirmativas
em comparação com os EUA.
Na avaliação do cientista político americano branco Seth
Racusen, do Anna Maria College, o movimento negro brasileiro teve um enfoque inicial
concentrado no racismo como
um problema principalmente
criminal, tendência que vem sido revertida nos últimos anos.
Há mais de 30 anos estudando relações raciais no Brasil, o
ganense Anani Dzidizienyo, da
Universidade Brown, vê dificuldades para reconhecer o
que chama de "racismo institucional". "No Brasil, a discussão
sobre ações afirmativas provoca reações histéricas, existe
certa inabilidade para reconhecer o racismo institucional."
Dzidizienyo completa: "A
ironia é que este país racista
produziu um Obama. Nem vou
começar a pensar se isso é possível no Brasil; está completamente fora de cogitação".
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