São Paulo, sábado, 24 de janeiro de 2004

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A segregação entre ricos e pobres vai se acentuar?

Para urbanistas, isolamento da elite em condomínios fechados acirra tensão social, alimenta intolerância e limita percepção da diversidade existente na capital

CHICO DE GOIS
SIMONE IWASSO
DA REPORTAGEM LOCAL

É preciso diversificar. Tornar o centro da cidade uma miscelânea de classes sociais, de usos como comércio, habitação e diversão. É necessário que os conjuntos habitacionais populares não contribuam para levar os pobres para ainda mais longe. E é importante que os condomínios fechados se abram para o mundo que São Paulo abriga.
O receituário, pronunciado em forma de mantra por especialistas em urbanismo e habitação, reflete a preocupação com a segregação entre áreas ricas e pobres que, dizem eles, acomete hoje a cidade e pode intensificar-se nos próximos 20 anos.
O ideal de convivência, para usar o exemplo de uma das especialistas, seria a Vila Madalena "de 20 anos atrás", onde havia ricos e pobres, casas e prédios, moradia e comércio.
Os espaços para a classe média também deverão rarear. E, apesar de suas habitações ganharem mais cômodos ou um pouco mais de tamanho, a tendência é o preço do imóvel tornar-se cada vez mais alto, principalmente por causa do marketing sobre a segurança feito pelo mercado imobiliário, que constrói prédios e casas em condomínios fechados, criando espaços artificiais de lazer.
Para especialistas, a habitação na cidade, se não houver mudanças, caminha para a convivência entre iguais, com todos os prejuízos que isso acarreta, como o desaparecimento do espaço público e o aumento da intolerância, do preconceito e da tensão social.
Mesmo iniciativas bem-intencionadas, como a revitalização do centro, pode contribuir para atrair apenas quem tem dinheiro para morar em uma área que será valorizada. "Isso pode acabar transferindo recursos para bolsos privados, o que é uma trava que alimenta a desigualdade", alerta a secretária-executiva do Ministério das Cidades, professora Ermínia Maricato.
Os prognósticos não são fruto de "achismo". Estão baseados em fatos históricos e na realidade atual. Essa separação entre bairros ricos e pobres, observa a professora Suzana Pasternak, da USP, teve início na década de 40. Até então, "a segregação era mais por tipo de casa e não por bairro".
A partir daquela época, as casas dos operários passaram a ocupar bairros da zona leste, como Brás, Mooca e Pari, e a população mais rica foi para Higienópolis e intensificou a construção de moradias na região da avenida Paulista.
Ana Lúcia Ancona, coordenadora do Programa Mananciais, da Secretaria Municipal da Habitação, destaca que, até os anos 40, a forma mais comum de moradia dos pobres eram os cortiços.
Nesse mesmo período, começam a se disseminar os conjuntos habitacionais, construídos, em grande parte, na periferia, onde os terrenos eram muitos e baratos, conforme o vereador e urbanista Nabil Bonduki (PT), que analisou o tema no seu livro "Origens da Habitação Social no Brasil".

Precariedade
A política de habitações populares na periferia fez com que um grande número de famílias fosse morar em locais sem infra-estrutura. Não havia transporte, escola, hospitais, creches, empregos e, em alguns locais, rede completa de água e esgoto.
Além dos preços baixos dos terrenos, a construção de grandes avenidas e a facilitação de transporte, principalmente por ônibus ou trem, empurrou ainda mais os habitantes de baixa renda para longe do centro da cidade. "Os conjuntos enfatizaram a expansão da periferia", diz Pasternak.
E, para completar o círculo de expulsão, a partir da década de 80 as favelas invadiram espaços vazios e se multiplicaram. Segundo o IBGE, naquela época, 3,95% da população paulistana vivia em favelas. Em 1991, eram 7,46% e, em 2000, 8,72%.
A professora Pasternak, em seu trabalho "Continuidades e Descontinuidades na Cidade dos Anéis", em parceria com a professora Lucia Maria Machado Bogus, dividiu a cidade em cinco anéis (central, interior, intermediário, exterior e periférico). Ela demonstra que, enquanto a população no anel central diminuiu 2,05% entre 1991 e 2000, no mesmo período a área mais periférica da cidade cresceu 2,71%.

Conseqüências
Os especialistas apontam o repovoamento do centro como uma das soluções para a habitação na cidade. De acordo com o Censo 2000, havia naquele ano 558 mil imóveis vazios em toda a cidade. Dados da Secretaria Municipal da Habitação apontam que 26,8% dos domicílios (casas, apartamentos ou prédios) recenseados na Sé estavam vagos.
"A carência habitacional não decorre do fato de não haver habitação", diz Maricato, que defende uma ação mais efetiva do poder público para incentivar a ocupação de imóveis vagos no centro. "Há vários instrumentos para fazer isso, como o IPTU -imóvel vazio paga mais."
João Whitaker, do LabHab (Laboratório de Habitação da USP), afirma que "os esforços [do poder público] que estão acontecendo no centro são exclusivistas e elitistas". Whitaker acredita que essa dinâmica "valoriza o centro, mas atrai pessoas de classe alta". O arquiteto defende uma repovoação "com variedade, pois, dessa forma, ganha-se qualidade urbana".
E é justamente essa diversidade de estilos e classes sociais a utopia dos urbanistas para o futuro de São Paulo. "A segregação socioespacial tem um custo muito alto para a nossa sociedade, que é a perda de potencialidades", diz o arquiteto Kazuo Nakano, pesquisador do Instituto Pólis.
Equacionar o problema habitacional das classes mais pobres é ter resultado positivo entre os mais ricos. De acordo com Nakano, mesmo quem vive bem, no chamado quadrilátero sudoeste, pode sofrer as consequências da falta de melhorias para os pobres.
Uma das consequências já vistas atualmente, e que pode se agravar, é o confinamento dessa faixa da população mais rica em condomínios fechados. O professor Marcelo Tramontano, do Nomads (Núcleo de Estudos sobre Habitação e Modo de Vida, da USP em São Carlos), mapeou o crescimento desse tipo de moradia na cidade de São Paulo.
De 1992 a 2000, de acordo com Tramontano, foram aprovados 150 condomínios na cidade. Somente no ano 2000, foram 70 projetos aprovados. Na opinião de Tramontano, esses condomínios fechados têm como ponto comum "a negação da diversidade que a cidade propõe". O professor argumenta que "a diversidade tem como grande produto a tolerância, e uma cidade feita de condomínios não tem isso".
A professora Pasternak tem a mesma opinião. "O que se tem é os ricos se protegendo cada vez mais em condomínios luxuosos, onde se vive bem, mas de forma segregada, e uma enorme massa da população pobre entrando por todo lado." Ela defende a criação de zonas mistas. "A gente não precisa ter um bairro só residencial, mas um bairro com usos compatíveis."
A secretária-executiva do Ministério das Cidades cita a Vila Madalena "há 20 anos" como um bom exemplo de equação para a habitação na cidade. "No bairro tínhamos um misto de classes média e baixa, de tipos de habitação e serviços, mas hoje, infelizmente, a Vila Madalena está expulsando cada vez mais a população pobre que morava em casas de fundo de quintal".
Caso esse processo de expulsão não seja contido, a população mais pobre continuará se deslocando cada vez mais para a periferia -com o agravante de que a falta de espaços disponíveis leva à ocupação de áreas de mananciais. Mas não há só pessimismo entre os especialistas. Eles apontam a criação das Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social, locais onde haverá prioridade para a moradia popular), contidas no Plano Diretor, como um bom caminho.

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