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A segregação entre ricos e pobres vai se acentuar?
Para urbanistas, isolamento da
elite em condomínios fechados acirra tensão social, alimenta intolerância e limita percepção da diversidade existente na capital
CHICO DE GOIS
SIMONE IWASSO
DA REPORTAGEM LOCAL
É preciso diversificar. Tornar
o centro da cidade uma miscelânea de classes sociais, de
usos como comércio, habitação e
diversão. É necessário que os conjuntos habitacionais populares
não contribuam para levar os pobres para ainda mais longe. E é
importante que os condomínios
fechados se abram para o mundo
que São Paulo abriga.
O receituário, pronunciado em
forma de mantra por especialistas
em urbanismo e habitação, reflete
a preocupação com a segregação
entre áreas ricas e pobres que, dizem eles, acomete hoje a cidade e
pode intensificar-se nos próximos 20 anos.
O ideal de convivência, para
usar o exemplo de uma das especialistas, seria a Vila Madalena
"de 20 anos atrás", onde havia ricos e pobres, casas e prédios, moradia e comércio.
Os espaços para a classe média
também deverão rarear. E, apesar
de suas habitações ganharem
mais cômodos ou um pouco mais
de tamanho, a tendência é o preço
do imóvel tornar-se cada vez mais
alto, principalmente por causa do
marketing sobre a segurança feito
pelo mercado imobiliário, que
constrói prédios e casas em condomínios fechados, criando espaços artificiais de lazer.
Para especialistas, a habitação
na cidade, se não houver mudanças, caminha para a convivência
entre iguais, com todos os prejuízos que isso acarreta, como o desaparecimento do espaço público
e o aumento da intolerância, do
preconceito e da tensão social.
Mesmo iniciativas bem-intencionadas, como a revitalização do
centro, pode contribuir para
atrair apenas quem tem dinheiro
para morar em uma área que será
valorizada. "Isso pode acabar
transferindo recursos para bolsos
privados, o que é uma trava que
alimenta a desigualdade", alerta a
secretária-executiva do Ministério das Cidades, professora Ermínia Maricato.
Os prognósticos não são fruto
de "achismo". Estão baseados em
fatos históricos e na realidade
atual. Essa separação entre bairros ricos e pobres, observa a professora Suzana Pasternak, da
USP, teve início na década de 40.
Até então, "a segregação era mais
por tipo de casa e não por bairro".
A partir daquela época, as casas
dos operários passaram a ocupar
bairros da zona leste, como Brás,
Mooca e Pari, e a população mais
rica foi para Higienópolis e intensificou a construção de moradias
na região da avenida Paulista.
Ana Lúcia Ancona, coordenadora do Programa Mananciais, da
Secretaria Municipal da Habitação, destaca que, até os anos 40, a
forma mais comum de moradia
dos pobres eram os cortiços.
Nesse mesmo período, começam a se disseminar os conjuntos
habitacionais, construídos, em
grande parte, na periferia, onde os
terrenos eram muitos e baratos,
conforme o vereador e urbanista
Nabil Bonduki (PT), que analisou
o tema no seu livro "Origens da
Habitação Social no Brasil".
Precariedade
A política de habitações populares na periferia fez com que um
grande número de famílias fosse
morar em locais sem infra-estrutura. Não havia transporte, escola,
hospitais, creches, empregos e,
em alguns locais, rede completa
de água e esgoto.
Além dos preços baixos dos terrenos, a construção de grandes
avenidas e a facilitação de transporte, principalmente por ônibus
ou trem, empurrou ainda mais os
habitantes de baixa renda para
longe do centro da cidade. "Os
conjuntos enfatizaram a expansão da periferia", diz Pasternak.
E, para completar o círculo de
expulsão, a partir da década de 80
as favelas invadiram espaços vazios e se multiplicaram. Segundo
o IBGE, naquela época, 3,95% da
população paulistana vivia em favelas. Em 1991, eram 7,46% e, em
2000, 8,72%.
A professora Pasternak, em seu
trabalho "Continuidades e Descontinuidades na Cidade dos
Anéis", em parceria com a professora Lucia Maria Machado Bogus,
dividiu a cidade em cinco anéis
(central, interior, intermediário,
exterior e periférico). Ela demonstra que, enquanto a população no anel central diminuiu
2,05% entre 1991 e 2000, no mesmo período a área mais periférica
da cidade cresceu 2,71%.
Conseqüências
Os especialistas apontam o repovoamento do centro como
uma das soluções para a habitação na cidade. De acordo com o
Censo 2000, havia naquele ano
558 mil imóveis vazios em toda a
cidade. Dados da Secretaria Municipal da Habitação apontam
que 26,8% dos domicílios (casas,
apartamentos ou prédios) recenseados na Sé estavam vagos.
"A carência habitacional não
decorre do fato de não haver habitação", diz Maricato, que defende
uma ação mais efetiva do poder
público para incentivar a ocupação de imóveis vagos no centro.
"Há vários instrumentos para fazer isso, como o IPTU -imóvel
vazio paga mais."
João Whitaker, do LabHab (Laboratório de Habitação da USP),
afirma que "os esforços [do poder
público] que estão acontecendo
no centro são exclusivistas e elitistas". Whitaker acredita que essa
dinâmica "valoriza o centro, mas
atrai pessoas de classe alta". O arquiteto defende uma repovoação
"com variedade, pois, dessa forma, ganha-se qualidade urbana".
E é justamente essa diversidade
de estilos e classes sociais a utopia
dos urbanistas para o futuro de
São Paulo. "A segregação socioespacial tem um custo muito alto
para a nossa sociedade, que é a
perda de potencialidades", diz o
arquiteto Kazuo Nakano, pesquisador do Instituto Pólis.
Equacionar o problema habitacional das classes mais pobres é
ter resultado positivo entre os
mais ricos. De acordo com Nakano, mesmo quem vive bem, no
chamado quadrilátero sudoeste,
pode sofrer as consequências da
falta de melhorias para os pobres.
Uma das consequências já vistas atualmente, e que pode se
agravar, é o confinamento dessa
faixa da população mais rica em
condomínios fechados. O professor Marcelo Tramontano, do Nomads (Núcleo de Estudos sobre
Habitação e Modo de Vida, da
USP em São Carlos), mapeou o
crescimento desse tipo de moradia na cidade de São Paulo.
De 1992 a 2000, de acordo com
Tramontano, foram aprovados
150 condomínios na cidade. Somente no ano 2000, foram 70 projetos aprovados. Na opinião de
Tramontano, esses condomínios
fechados têm como ponto comum "a negação da diversidade
que a cidade propõe". O professor
argumenta que "a diversidade
tem como grande produto a tolerância, e uma cidade feita de condomínios não tem isso".
A professora Pasternak tem a
mesma opinião. "O que se tem é
os ricos se protegendo cada vez
mais em condomínios luxuosos,
onde se vive bem, mas de forma
segregada, e uma enorme massa
da população pobre entrando por
todo lado." Ela defende a criação
de zonas mistas. "A gente não
precisa ter um bairro só residencial, mas um bairro com usos
compatíveis."
A secretária-executiva do Ministério das Cidades cita a Vila
Madalena "há 20 anos" como um
bom exemplo de equação para a
habitação na cidade. "No bairro
tínhamos um misto de classes
média e baixa, de tipos de habitação e serviços, mas hoje, infelizmente, a Vila Madalena está expulsando cada vez mais a população pobre que morava em casas
de fundo de quintal".
Caso esse processo de expulsão
não seja contido, a população
mais pobre continuará se deslocando cada vez mais para a periferia -com o agravante de que a
falta de espaços disponíveis leva à
ocupação de áreas de mananciais.
Mas não há só pessimismo entre os especialistas. Eles apontam
a criação das Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social, locais onde haverá prioridade para a moradia popular), contidas no Plano
Diretor, como um bom caminho.
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