São Paulo, sábado, 24 de janeiro de 2004

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Desafios comuns exigem integração metropolitana

A cidade de São Paulo não conseguirá enfrentar determinados desafios sem colaboração dos municípios vizinhos, mas ações conjuntas esbarram em disputas políticas e legislação considerada obsoleta

DA REPORTAGEM LOCAL

São Paulo, capital, e Grande São Paulo. Essa divisão precisa ser repensada caso a maior cidade do país queira resolver, nos próximas duas décadas, alguns dos problemas tratados neste caderno.
Isso porque, se chove forte na região do pico do Jaraguá (zona norte de SP), os moradores de Osasco certamente enfrentarão enchentes, mesmo que lá não tenha caído uma gota de água.
À medida que cresce a ocupação da área de proteção de mananciais do sistema Cantareira, em Mairiporã, o abastecimento de água de grande parte dos paulistanos fica mais comprometido.
Além disso, nos 39 municípios da região metropolitana, há uma população flutuante de 1,2 milhão de pessoas que não vive na mesma cidade em que trabalha -criando demandas extras de transportes e serviços públicos.
A "metropolitanização" de problemas antes estritamente municipais é mais uma consequência do rápido crescimento cidade de São Paulo. Agora, para tentar resolvê-los, não bastará à capital se debruçar apenas sobre si mesma.
As soluções, muitas vezes, passam pela ação conjunta com outras cidades, e, por isso, o maior desafio para o futuro é o da construção de uma gestão metropolitana eficaz. Desafio cujo enfrentamento engatinha e esbarra em disputas políticas e numa lei que nunca foi colocada em prática, mas já é considerada obsoleta.
A boa notícia é que há otimismo em relação à consolidação de um poder metropolitano nos próximos 20 anos, seja pela evolução das discussões, seja pela urgência dos problemas. A má é que este deverá ser um ano morto para a questão por causa das eleições municipais -apesar de ser também o ano da elaboração do novo plano metropolitano da Grande São Paulo e de a disputa eleitoral se configurar numa boa chance de colocar o tema na pauta de propostas dos candidatos.

Modelos de gestão
Em primeiro lugar, quem fará, na prática, a gestão metropolitana? Os representantes do governo defendem o modelo atual, segundo o qual cabe principalmente ao Estado legislar sobre as regiões metropolitanas, cuidar dos assuntos de seu interesse, fazer o seu planejamento (com a participação dos municípios) e ser o principal executor das ações.
Do outro lado, os prefeitos rejeitam tal formatação e pregam desde a ampliação do sistema de consórcios (parceria entre prefeituras) até a criação de uma espécie de parlamento metropolitano, em que os municípios tenham o maior poder de decisão.
"É indispensável a ação tutelar do governo. Os municípios podem se organizar, mas é necessário um ajuste entre eles", diz Waldemar Casadei, gerente de planejamento e urbanismo do Cepam (Fundação Prefeito Faria Lima, vinculada à Secretaria de Estado da Economia e do Planejamento).
Na transição, Angelo Melli, vice-prefeito e secretário do Planejamento de Osasco, diz ser importante que atividades como o abastecimento de água e o transporte metropolitano, sob responsabilidade do Estado, "falem a mesma língua", mas levando em conta os planos diretores municipais.
Ele defende o modelo dos comitês de bacia -em que prefeituras, Estado e sociedade têm o mesmo poder de voto- para formar câmaras metropolitanas com responsabilidades deliberativas sobre interesses comuns.
A sugestão é bem vista pelo secretário do Planejamento de São Paulo, Jorge Wilheim, um dos autores do atual plano metropolitano (de 1994) e ex-presidente da Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano, também ligada à Secretaria de Estado da Economia e do Planejamento), na gestão Fleury (91-95).
Segundo Wilheim, a orientação da lei estadual que instituiu a região metropolitana de São Paulo em 1974 marchou, desde o início, contra a vontade do mundo político. "Cheguei a sugerir a idéia do prefeito metropolitano, auxiliado por uma câmara", conta. A proposta, porém, não seguiu adiante.
"Enquanto isso, alguns prefeitos começaram a tratar com os vizinhos para resolver problemas comuns, como lixo e poluição das águas. Não é o desenho de instituição ideal, mas é um caminho porque é o mais possível", afirma.
A idéia de ampliar o modelo dos comitês de bacia é rejeitada, porém, por Elói Pietá (PT), prefeito de Guarulhos, a segunda maior cidade da Grande São Paulo. Ele defende, em vez disso, a forma de funcionamento do Fórum Metropolitano de Segurança Pública, do qual foi presidente. "O fórum é dirigido pelos municípios. Não é como os comitês de bacia, que parecem ser regidos pelas cidades, mas são dominados por instituições do Estado como a Cetesb [agência ambiental] e a Sabesp [empresa de saneamento]", diz.
Já José de Fillipi Jr., presidente do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC e prefeito de Diadema pelo PT, advoga em favor dos consórcios. "Mas dá trabalho. O consórcio demanda consenso e, como é voluntário, diante de qualquer problema, o prefeito simplesmente pode se retirar. Por isso avança-se pouco", diz. "Futuramente, deverá haver um parlamento eleito e uma prefeitura metropolitana, como é na França."
A Emplasa também tem algumas propostas para discutir na elaboração do plano metropolitano -que deve sair em meados de 2005. Um deles divide a região metropolitana em seis sub-regiões, integrando a cada uma delas as subprefeituras correspondentes da cidade de São Paulo. As discussões seriam feitas de forma localizada e depois levadas a um "conselhão" deliberativo, explica Marcos Camargo Campagnone, diretor-presidente da empresa.
A priori, porém, a Prefeitura de São Paulo, cuja colaboração e liderança são cruciais para o sucesso de uma gestão metropolitana, rejeita modelos que dividam a região. "Alguns problemas não se resolvem assim, como violência e desemprego", diz Ubiratan de Paula Santos, chefe de gabinete da Secretaria de Governo, onde há, desde o início da gestão Marta Suplicy (PT), uma Assessoria para Assuntos Metropolitanos.

A questão dos recursos

Santos ressalta ainda o problema de como financiar ações metropolitanas. "O grande nó é de onde virão os recursos. Não é possível a prefeitura se interessar em resolver os problemas [metropolitanos] se não houver mecanismos de financiar isso", diz.
Ele defende uma revisão tributária para que as regiões metropolitanas possam ter de onde tirar dinheiro. "A instância metropolitana tem de ficar com parte do que é arrecadado nos municípios, mas vai para os cofres da União."
Do governo federal, deverá vir uma pequena ajuda. "Preparamos um plano de investimento para 11 regiões metropolitanas vistas como prioritárias [inclusive a de São Paulo]", diz Ermínia Maricato, secretária-executiva do Ministério das Cidades. Nos próximos três anos, 70% das verbas de habitação devem ser destinadas a regiões metropolitanas.
"Vai demorar mesmo [para instituir uma gestão metropolitana efetiva] porque temos um problema novo com uma estrutura velha para lidar com ele. Vai ser um debate gostoso de fazer", finaliza o prefeito de Diadema. (MARIANA VIVEIROS E CHICO DE GOIS)

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