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Desafios comuns exigem integração metropolitana
A cidade de São Paulo não conseguirá enfrentar determinados desafios sem colaboração dos municípios vizinhos, mas ações conjuntas esbarram em disputas
políticas e legislação considerada obsoleta
DA REPORTAGEM LOCAL
São Paulo, capital, e Grande
São Paulo. Essa divisão precisa ser repensada caso a
maior cidade do país queira resolver, nos próximas duas décadas,
alguns dos problemas tratados
neste caderno.
Isso porque, se chove forte na
região do pico do Jaraguá (zona
norte de SP), os moradores de
Osasco certamente enfrentarão
enchentes, mesmo que lá não tenha caído uma gota de água.
À medida que cresce a ocupação
da área de proteção de mananciais do sistema Cantareira, em
Mairiporã, o abastecimento de
água de grande parte dos paulistanos fica mais comprometido.
Além disso, nos 39 municípios
da região metropolitana, há uma
população flutuante de 1,2 milhão
de pessoas que não vive na mesma cidade em que trabalha
-criando demandas extras de
transportes e serviços públicos.
A "metropolitanização" de problemas antes estritamente municipais é mais uma consequência
do rápido crescimento cidade de
São Paulo. Agora, para tentar resolvê-los, não bastará à capital se
debruçar apenas sobre si mesma.
As soluções, muitas vezes, passam pela ação conjunta com outras cidades, e, por isso, o maior
desafio para o futuro é o da construção de uma gestão metropolitana eficaz. Desafio cujo enfrentamento engatinha e esbarra em
disputas políticas e numa lei que
nunca foi colocada em prática,
mas já é considerada obsoleta.
A boa notícia é que há otimismo
em relação à consolidação de um
poder metropolitano nos próximos 20 anos, seja pela evolução
das discussões, seja pela urgência
dos problemas. A má é que este
deverá ser um ano morto para a
questão por causa das eleições
municipais -apesar de ser também o ano da elaboração do novo
plano metropolitano da Grande
São Paulo e de a disputa eleitoral
se configurar numa boa chance de
colocar o tema na pauta de propostas dos candidatos.
Modelos de gestão
Em primeiro lugar, quem fará,
na prática, a gestão metropolitana? Os representantes do governo
defendem o modelo atual, segundo o qual cabe principalmente ao
Estado legislar sobre as regiões
metropolitanas, cuidar dos assuntos de seu interesse, fazer o seu
planejamento (com a participação dos municípios) e ser o principal executor das ações.
Do outro lado, os prefeitos rejeitam tal formatação e pregam desde a ampliação do sistema de consórcios (parceria entre prefeituras) até a criação de uma espécie
de parlamento metropolitano, em
que os municípios tenham o
maior poder de decisão.
"É indispensável a ação tutelar
do governo. Os municípios podem se organizar, mas é necessário um ajuste entre eles", diz Waldemar Casadei, gerente de planejamento e urbanismo do Cepam
(Fundação Prefeito Faria Lima,
vinculada à Secretaria de Estado
da Economia e do Planejamento).
Na transição, Angelo Melli, vice-prefeito e secretário do Planejamento de Osasco, diz ser importante que atividades como o abastecimento de água e o transporte
metropolitano, sob responsabilidade do Estado, "falem a mesma
língua", mas levando em conta os
planos diretores municipais.
Ele defende o modelo dos comitês de bacia -em que prefeituras,
Estado e sociedade têm o mesmo
poder de voto- para formar câmaras metropolitanas com responsabilidades deliberativas sobre interesses comuns.
A sugestão é bem vista pelo secretário do Planejamento de São
Paulo, Jorge Wilheim, um dos autores do atual plano metropolitano (de 1994) e ex-presidente da
Emplasa (Empresa Paulista de
Planejamento Metropolitano,
também ligada à Secretaria de Estado da Economia e do Planejamento), na gestão Fleury (91-95).
Segundo Wilheim, a orientação
da lei estadual que instituiu a região metropolitana de São Paulo
em 1974 marchou, desde o início,
contra a vontade do mundo político. "Cheguei a sugerir a idéia do
prefeito metropolitano, auxiliado
por uma câmara", conta. A proposta, porém, não seguiu adiante.
"Enquanto isso, alguns prefeitos começaram a tratar com os vizinhos para resolver problemas
comuns, como lixo e poluição das
águas. Não é o desenho de instituição ideal, mas é um caminho
porque é o mais possível", afirma.
A idéia de ampliar o modelo dos
comitês de bacia é rejeitada, porém, por Elói Pietá (PT), prefeito
de Guarulhos, a segunda maior
cidade da Grande São Paulo. Ele
defende, em vez disso, a forma de
funcionamento do Fórum Metropolitano de Segurança Pública, do
qual foi presidente. "O fórum é dirigido pelos municípios. Não é como os comitês de bacia, que parecem ser regidos pelas cidades,
mas são dominados por instituições do Estado como a Cetesb
[agência ambiental] e a Sabesp
[empresa de saneamento]", diz.
Já José de Fillipi Jr., presidente
do Consórcio Intermunicipal do
Grande ABC e prefeito de Diadema pelo PT, advoga em favor dos
consórcios. "Mas dá trabalho. O
consórcio demanda consenso e,
como é voluntário, diante de
qualquer problema, o prefeito
simplesmente pode se retirar. Por
isso avança-se pouco", diz. "Futuramente, deverá haver um parlamento eleito e uma prefeitura metropolitana, como é na França."
A Emplasa também tem algumas propostas para discutir na
elaboração do plano metropolitano -que deve sair em meados de
2005. Um deles divide a região
metropolitana em seis sub-regiões, integrando a cada uma delas as subprefeituras correspondentes da cidade de São Paulo. As
discussões seriam feitas de forma
localizada e depois levadas a um
"conselhão" deliberativo, explica
Marcos Camargo Campagnone,
diretor-presidente da empresa.
A priori, porém, a Prefeitura de
São Paulo, cuja colaboração e liderança são cruciais para o sucesso de uma gestão metropolitana,
rejeita modelos que dividam a região. "Alguns problemas não se
resolvem assim, como violência e
desemprego", diz Ubiratan de
Paula Santos, chefe de gabinete da
Secretaria de Governo, onde há,
desde o início da gestão Marta Suplicy (PT), uma Assessoria para
Assuntos Metropolitanos.
A questão dos recursos
Santos ressalta ainda o problema de como financiar ações metropolitanas. "O grande nó é de
onde virão os recursos. Não é possível a prefeitura se interessar em
resolver os problemas [metropolitanos] se não houver mecanismos de financiar isso", diz.
Ele defende uma revisão tributária para que as regiões metropolitanas possam ter de onde tirar
dinheiro. "A instância metropolitana tem de ficar com parte do
que é arrecadado nos municípios,
mas vai para os cofres da União."
Do governo federal, deverá vir
uma pequena ajuda. "Preparamos um plano de investimento
para 11 regiões metropolitanas
vistas como prioritárias [inclusive
a de São Paulo]", diz Ermínia Maricato, secretária-executiva do
Ministério das Cidades. Nos próximos três anos, 70% das verbas
de habitação devem ser destinadas a regiões metropolitanas.
"Vai demorar mesmo [para instituir uma gestão metropolitana
efetiva] porque temos um problema novo com uma estrutura velha para lidar com ele. Vai ser um
debate gostoso de fazer", finaliza
o prefeito de Diadema.
(MARIANA VIVEIROS E CHICO DE GOIS)
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