São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2004

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PAULISTANOS

Sé/Brás

Centro é pólo nordestino na cidade

Tuca Vieira/Folha Imagem
Nordestinos acompanham apresentação de artista na praça da Sé; 41% dos moradores da região são de Estados do Nordeste


DA REPORTAGEM LOCAL

As fachadas dos prédios mudaram, famílias vêm e vão, mas a peregrinação é a mesma. São fugitivos da miséria em busca de uma vida melhor. A rua Dr. Almeida Lima, no Brás, é endereço obrigatório da história da migração nordestina na capital paulista. Não são poucos os relatos, de sucesso ou fracasso, que passam por ela.



Histórias bem-sucedidas como a do pernambucano Lino Alves de Lima, 51, que montou um bar no nš 47 da Dr. Almeida Lima, a poucos metros de onde desceu do ônibus, em 1969, sem eira nem beira. Hoje, ele se orgulha de sustentar a família com a venda de carne seca, farinha e outros produtos tipicamente nordestinos.
A rua também faz parte de histórias nem tão bem-sucedidas, como a de Vanildo Pires da Silva, 66. Natural de Gravatá (PE), ele chegou de pau-de-arara em 1954, quando São Paulo comemorava seus 400 anos. Conhece a história de cada porta das primeiras quadras da Dr. Almeida Lima, mas se diz um quase mendigo e pede, sem cerimônia, dinheiro para poder comprar uma passagem para voltar para o Nordeste.
O destino de Lima e de Silva e a história da Dr. Almeida Lima são o retrato da região. Segundo pesquisa Datafolha, 41% dos moradores da área Sé/Brás (distritos Brás, Bom Retiro, Cambuci, Pari e Sé) são nordestinos. É o maior índice das 19 áreas pesquisadas.
Para saber a alta concentração de migrantes, é preciso conhecer a história desse pequeno trecho do Brás, principalmente a partir da década de 30.
Foi nessa época que os nordestinos começaram a chegar em grandes multidões, segundo Odair da Cruz Paiva, 41, professor de ciência política na Unesp (Universidade Estadual Paulista) e que fez da migração para São Paulo o tema de sua tese de doutorado.
A estrutura montada inicialmente para os imigrantes atraiu os brasileiros de outros Estados. No começo da rua Dr. Almeida Lima ficava a estação Norte, o final de uma linha de trem que iniciava em Minas Gerais, passava pelo Rio de Janeiro e chegava à capital paulista. "Nesse trem vinham os nordestinos. Ele era chamado o trem dos baianinhos", diz Paiva, revelando o preconceito já existente na época.
A Hospedaria dos Imigrantes -hoje Memorial do Imigran- te-, montada no final do século 19 entre a rua Visconde de Parnaíba e a Dr. Almeida Lima, também servia de abrigo para os nordestinos. "Era o braço do Estado, que controlava a migração quando ainda ela não era considerada um problema", disse o professor.
Imagens do Memorial do Imigrante mostram grandes grupos de nordestinos atravessando a Dr. Almeida Lima em direção à hospedaria. "Era tristemente bonito", lembra o jornalista e escritor Lourenço Diaféria, 70, que lançou há seis meses o livro "Brás: Sotaques e Desmemórias".
Nele, Diaféria conta as lembranças de um garoto que morou até os 15 anos no Brás e que se surpreendia com a chegada de multidões de nordestinos. Dali, os migrantes eram destinados a lavouras de café e algodão ou a vagas em empresas emergentes.
Quando a hospedaria estava lotada, o próprio governo subsidiava a permanência dos imigrantes e migrantes em pensões localizadas nas proximidades.
Em imagens do acervo do Memorial do Imigrante, filas de migrantes nordestinos podem ser vistas no Hotel Queiroz, no nš 91 da Dr. Almeida Lima, e no Hotel Nelson, no nš 165, nos anos 40.
Hoje fechados, os dois eram os únicos hotéis da rua quando o pernambucano José Rodrigues Caldas, conhecido no Brás como Zezito, desembarcou na estação, em 1947 -sem dinheiro, veio escondido no banheiro do trem.
Dias depois, começou a trabalhar no Hotel Nelson limpando os banheiros. Uma década depois, comprou o Hotel Queiroz, que revendeu em 1990. "Catei comida no lixo, mas venci", disse Caldas, 73, hoje dono de uma empresa transportadora. (GP)


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