São Paulo, domingo, 26 de agosto de 2007

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Humanização dita rumos da área

DA REPORTAGEM LOCAL

A BOMBA de infusão emite um tuuum-tuuum-tuuum assustador às 13h29. O paciente de 51 anos, aneurisma de aorta, acaba de morrer na UTI do hospital Albert Einstein. Dois técnicos em enfermagem, uniformes azuis claros, e um médico, uniforme verde claro, entram no quarto. Amparam a família, verificam o corpo inerte, checam os monitores das funções vitais -zerados. Outros pacientes graves, cada qual em seu quarto, não percebem a gravidade do que acaba de acontecer.
A cena da morte nunca é agradável. Mas pode ser humana. Pode respeitar a dor e a dignidade da família e de quem vive seus momentos finais.
É em busca de humanização do tratamento que se movem as mais modernas unidades de terapia intensiva, locais dedicados aos pacientes que necessitam de cuidados e atenção em período integral.
Segundo a pesquisa Datafolha, 61% dos médicos da cidade de São Paulo elegeram as UTIs do Einstein e do Hospital Sírio-Libanês como as melhores -respectivamente, com 41% e 20% das preferências. Todos os demais hospitais dividiram 39% das indicações.
1. "Não se pode ter dor;
2. Não se deve ter delírios e alucinações;
3. Os familiares devem fazer parte do tratamento;
4. Respeito às diferenças culturais;
5. Respeito aos momentos finais;
6. Dignidade no momento da morte."
O médico intensivista Oscar Pavão, gerente do setor de pacientes graves do Hospital Israelita Albert Einstein, recita algumas das prédicas aplicadas na instituição para humanizar o tratamento intensivo.
No Einstein, são 32 leitos de cuidados intensivos. No Sírio-Libanês, o pioneiro no Brasil no conceito de UTI, são 22.
Ambos os hospitais aposentaram há tempos a idéia de UTI como aquele amplo salão em que se colocavam os pacientes graves, tendo apenas por separação cortinas que, na maior parte do tempo, ficavam escancaradas -para facilitar o acompanhamento médico.
Luz artificial e de alta intensidade (o interno nunca sabia se era dia ou noite). Somatório de barulhos de respiradores e de monitores das funções vitais de cada doente. Falatório de enfermeiras e médicos. Privacidade nenhuma. Horários muito restritivos para visitas dos parentes. Convivência próxima demais com a morte nos leitos em torno. Esse era o cenário desolador.
Na UTI de adultos do Einstein e do Sírio-Libanês, diferentemente, os pacientes ficam em quartos separados, um por quarto. As paredes são dotadas de vidros polarizados -pode-se escolher se ficam translúcidos ou transparentes. O paciente não precisa acompanhar o que se passa com os demais internos e pode controlar o nível de luz no quarto.
Todos os leitos possuem sistema de monitoramento de sinais vitais ligados a uma central que funciona 24 horas. O corpo de enfermagem acompanha a evolução dos sinais de cada paciente em monitores de computador. Nessa central, há alarmes auditivos e visuais que acusam uma eventual situação de emergência.
No caso do Sírio, dez dos leitos têm iluminação natural e infra-estrutura para acompanhantes, como banheiro e cama. Apesar de o acesso não ser livre -é preciso se identificar no interfone-, os familiares podem entrar a qualquer hora do dia e da noite. "Só limitamos o acesso quando há uma situação de emergência", afirma o coordenador da UTI do Sírio-Libanês, Guilherme Schettino.
O hospital dispõe também de uma UCG (Unidade Crítica Geral), com 24 leitos, e uma UCC (Unidade Crítica Cardiológica), com 23 leitos, para onde são encaminhados pacientes com o quadro de saúde estabilizado, mas que ainda requerem suporte de terapia intensiva.
O Einstein cumpre política um pouco mais limitada em relação a acompanhamento dos familiares. Parentes de menores de 17 anos e de pacientes terminais podem ficar todo o tempo ao lado do leito do doente. Nos demais casos, a regra é o horário de visitas. São três ao longo do dia -um de manhã, um à tarde e outro à noite, em um total de duas horas e meia a cada 24 horas. "Mas, como sabemos da importância da família na recuperação do doente, é possível conversar e flexibilizar a norma", afirma Oscar Pavão.

Entre a vida e a morte
As UTI foram inventadas durante a guerra da Coréia (1950-1953) para atender a soldados americanos feridos em combate. Depois, na Guerra do Vietnã (finalizada em 1975), elas foram aperfeiçoadas. Durante muito tempo, foram apenas isso: palco de batalha entre a vida e a morte. Só depois veio a idéia de que era necessário humanizar tanto a vida quanto a morte.
Segundo Schettino, do Sírio-Libanês, o conceito de humanização da UTI vai desde a indicação correta da necessidade desse tipo de assistência, recursos tecnológicos de ponta, passa por estratégias de bem-estar do paciente (redução de barulho e da luz dentro da unidade, por exemplo) até prover a família de todas as informações sobre diagnóstico, planejamento do cuidado e tratamento proposto pela equipe médica.
No Sírio-Libanês, por exemplo, assim que o paciente entra na UTI, os familiares recebem um folheto com explicações didáticas sobre o funcionamento da unidade, sobre as funções de cada aparelho, entre outros dados. "Há pesquisas indicando que, quando informado adequadamente, o familiar tem menos depressão e estresse pós-traumático", diz Schettino.

Indicadores
A morte é bem menos freqüente do que se imagina em uma UTI -no caso do Sírio-Libanês, sobrevivem 90% dos pacientes da unidade de cuidados intensivos. Mesmo assim, a morte está lá, como a reportagem da Folha presenciou em sua visita ao Albert Einstein.
Para avaliar se está prestando serviços adequados de UTI, o Einstein usa ferramentas de controle epidemiológico. Exemplificando: se um paciente obeso e idoso, que já possui outras doenças crônicas, como diabetes ou cirrose, é internado na UTI com pressão arterial baixa, alterações da creatinina (mau funcionamento do rim) e baixo índice de oxigenação no sangue (mau funcionamento do pulmão), ele terá determinada probabilidade de morte, de acordo com a melhor prática médica.
A combinação das probabilidades de morte dos pacientes internados ao longo do tempo em uma UTI resulta em um número esperado de mortes. Se a mortalidade esperada (teórica) for mais elevada do que a real (observada), então tem-se um bom indicador de qualidade. O inverso seria um mau indicador.
No caso do Einstein, a mortalidade observada foi igual a 69% da esperada em 2005. No ano passado, atingiu 65%. Em 2007, de acordo com o coordenador da UTI, o índice deve chegar a 60% -ótimos indicadores de qualidade.
Dentro do projeto de expansão do Sírio-Libanês, está prevista a construção de uma nova UTI, com 40 leitos. A entrega deve ser em maio de 2008.
A novidade será uma grande sala de estar dentro da UTI -separada visual e acusticamente dos leitos- onde os familiares dos pacientes terão à disposição TV, internet, revistas, jornais e até um minibar.
(LAURA CAPRIGLIONE E CLÁUDIA COLLUCCI)


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