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Humanização dita rumos da área
DA REPORTAGEM LOCAL
A BOMBA de infusão emite um tuuum-tuuum-tuuum assustador às 13h29. O paciente de 51 anos, aneurisma de aorta, acaba de morrer na UTI do hospital Albert
Einstein. Dois técnicos em enfermagem, uniformes
azuis claros, e um médico, uniforme verde claro,
entram no quarto. Amparam a família, verificam o
corpo inerte, checam os
monitores das funções vitais -zerados. Outros pacientes graves, cada qual
em seu quarto, não percebem a gravidade do que
acaba de acontecer.
A cena da morte nunca é
agradável. Mas pode ser humana. Pode respeitar a dor e a dignidade da família e de quem vive seus momentos finais.
É em busca de humanização
do tratamento que se movem
as mais modernas unidades de
terapia intensiva, locais dedicados aos pacientes que necessitam de cuidados e atenção em
período integral.
Segundo a pesquisa Datafolha, 61% dos médicos da cidade
de São Paulo elegeram as UTIs
do Einstein e do Hospital Sírio-Libanês como as melhores
-respectivamente, com 41% e
20% das preferências. Todos os
demais hospitais dividiram
39% das indicações.
1. "Não se pode ter dor;
2. Não se deve ter delírios e
alucinações;
3. Os familiares devem fazer
parte do tratamento;
4. Respeito às diferenças culturais;
5. Respeito aos momentos finais;
6. Dignidade no momento da
morte."
O médico intensivista Oscar
Pavão, gerente do setor de pacientes graves do Hospital Israelita Albert Einstein, recita
algumas das prédicas aplicadas
na instituição para humanizar
o tratamento intensivo.
No Einstein, são 32 leitos de
cuidados intensivos. No Sírio-Libanês, o pioneiro no Brasil no
conceito de UTI, são 22.
Ambos os hospitais aposentaram há tempos a idéia de UTI
como aquele amplo salão em
que se colocavam os pacientes
graves, tendo apenas por separação cortinas que, na maior
parte do tempo, ficavam escancaradas -para facilitar o acompanhamento médico.
Luz artificial e de alta intensidade (o interno nunca sabia
se era dia ou noite). Somatório
de barulhos de respiradores e
de monitores das funções vitais
de cada doente. Falatório de
enfermeiras e médicos. Privacidade nenhuma. Horários
muito restritivos para visitas
dos parentes. Convivência próxima demais com a morte nos
leitos em torno. Esse era o cenário desolador.
Na UTI de adultos do Einstein e do Sírio-Libanês, diferentemente, os pacientes ficam
em quartos separados, um por
quarto. As paredes são dotadas
de vidros polarizados -pode-se escolher se ficam translúcidos ou transparentes. O paciente não precisa acompanhar
o que se passa com os demais
internos e pode controlar o nível de luz no quarto.
Todos os leitos possuem sistema de monitoramento de sinais vitais ligados a uma central
que funciona 24 horas. O corpo
de enfermagem acompanha a
evolução dos sinais de cada paciente em monitores de computador. Nessa central, há alarmes auditivos e visuais que
acusam uma eventual situação
de emergência.
No caso do Sírio, dez dos leitos têm iluminação natural e
infra-estrutura para acompanhantes, como banheiro e cama. Apesar de o acesso não ser
livre -é preciso se identificar
no interfone-, os familiares
podem entrar a qualquer hora
do dia e da noite. "Só limitamos
o acesso quando há uma situação de emergência", afirma o
coordenador da UTI do Sírio-Libanês, Guilherme Schettino.
O hospital dispõe também de
uma UCG (Unidade Crítica Geral), com 24 leitos, e uma UCC
(Unidade Crítica Cardiológica),
com 23 leitos, para onde são
encaminhados pacientes com o
quadro de saúde estabilizado,
mas que ainda requerem suporte de terapia intensiva.
O Einstein cumpre política
um pouco mais limitada em relação a acompanhamento dos
familiares. Parentes de menores de 17 anos e de pacientes
terminais podem ficar todo o
tempo ao lado do leito do doente. Nos demais casos, a regra é o
horário de visitas. São três ao
longo do dia -um de manhã,
um à tarde e outro à noite, em
um total de duas horas e meia a
cada 24 horas. "Mas, como sabemos da importância da família na recuperação do doente, é
possível conversar e flexibilizar
a norma", afirma Oscar Pavão.
Entre a vida e a morte
As UTI foram inventadas durante a guerra da Coréia (1950-1953) para atender a soldados
americanos feridos em combate. Depois, na Guerra do Vietnã
(finalizada em 1975), elas foram aperfeiçoadas. Durante
muito tempo, foram apenas isso: palco de batalha entre a vida
e a morte. Só depois veio a idéia
de que era necessário humanizar tanto a vida quanto a morte.
Segundo Schettino, do Sírio-Libanês, o conceito de humanização da UTI vai desde a indicação correta da necessidade
desse tipo de assistência, recursos tecnológicos de ponta, passa por estratégias de bem-estar
do paciente (redução de barulho e da luz dentro da unidade,
por exemplo) até prover a família de todas as informações sobre diagnóstico, planejamento
do cuidado e tratamento proposto pela equipe médica.
No Sírio-Libanês, por exemplo, assim que o paciente entra
na UTI, os familiares recebem
um folheto com explicações didáticas sobre o funcionamento
da unidade, sobre as funções de
cada aparelho, entre outros dados. "Há pesquisas indicando
que, quando informado adequadamente, o familiar tem
menos depressão e estresse
pós-traumático", diz Schettino.
Indicadores
A morte é bem menos freqüente do que se imagina em
uma UTI -no caso do Sírio-Libanês, sobrevivem 90% dos pacientes da unidade de cuidados
intensivos. Mesmo assim, a
morte está lá, como a reportagem da Folha presenciou em
sua visita ao Albert Einstein.
Para avaliar se está prestando serviços adequados de UTI,
o Einstein usa ferramentas de
controle epidemiológico.
Exemplificando: se um paciente obeso e idoso, que já possui
outras doenças crônicas, como
diabetes ou cirrose, é internado
na UTI com pressão arterial
baixa, alterações da creatinina
(mau funcionamento do rim) e
baixo índice de oxigenação
no sangue (mau funcionamento do pulmão), ele terá determinada probabilidade de morte, de acordo com a melhor prática médica.
A combinação das probabilidades de morte dos pacientes
internados ao longo do tempo
em uma UTI resulta em um
número esperado de mortes.
Se a mortalidade esperada
(teórica) for mais elevada do
que a real (observada), então
tem-se um bom indicador de
qualidade. O inverso seria um
mau indicador.
No caso do Einstein, a mortalidade observada foi igual a
69% da esperada em 2005. No
ano passado, atingiu 65%. Em
2007, de acordo com o coordenador da UTI, o índice deve
chegar a 60% -ótimos indicadores de qualidade.
Dentro do projeto de expansão do Sírio-Libanês, está prevista a construção de uma nova
UTI, com 40 leitos. A entrega
deve ser em maio de 2008.
A novidade será uma grande
sala de estar dentro da UTI
-separada visual e acusticamente dos leitos- onde os familiares dos pacientes terão à
disposição TV, internet, revistas, jornais e até um minibar.
(LAURA CAPRIGLIONE E
CLÁUDIA COLLUCCI)
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