São Paulo, domingo, 26 de agosto de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Um para todos, outro para poucos

DA REPORTAGEM LOCAL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Eleita por 29% dos médicos como a melhor emergência de São Paulo, a Unidade de Primeiro Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein foi a primeira colocada na pesquisa Datafolha. Em segundo lugar, veio o Pronto Socorro do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, com 21% das preferências. Os dois somados totalizaram metade das escolhas. Todos os demais hospitais dividiram a outra metade.
Emergências campeã e vice, no entanto, não poderiam ser mais contrastadas. Uma é privada -Einstein. A outra é pública -a do Hospital das Clínicas.
Uma atende quem chega -regime de "porta aberta", como se diz, clientela pobre, muito pobre, destaque para motoboys quebrados no trânsito. É o PS das Clínicas. A outra é só para quem pode pagar ou que tem plano de saúde -e dos vips.
O PS do Hospital das Clínicas faz 21.000 atendimentos por mês. A UPA do Einstein faz 9.000 em igual período, ou 42% dos atendimentos do primeiro.
Em comum, o PS do HC e a UPA do Einstein têm boa parte de seu corpo clínico -especialmente os médicos- provenientes da Faculdade de Medicina da USP, a melhor do país.

Sono dos peixes
A UPA do Einstein tem sala de espera dominada por um aquário com iluminação adequada para respeitar o ciclo de sono dos peixes. Na ala infantil, brinquedistas e balonistas (desses que transformam balões infláveis em bonecos de cachorros e gatos) entretêm as crianças, de modo a reduzir-lhes o estresse hospitalar. Tudo parece calmo.
É uma calma vigilante, contudo. Risco de morte e quadros de dor intensa são imediatamente encaminhados. Já na triagem, feita por enfermeira, sinais de infarto agudo do miocárdio, de acidente vascular cerebral, ou de um quadro de sepse (também chamada de infecção generalizada), desencadeiam rotinas vertiginosas, que começam com o acionar de uma entre três teclas extranumerárias nos aparelhos telefônicos da unidade -a tecla verde mobiliza a equipe especializada em sepse; a amarela convoca a turma de IAM (infarto agudo do miocárdio); a vermelha, a de AVC (acidente vascular cerebral).
"Time is brain" ("Tempo é cérebro"), costumam dizer os neurologistas especializados em atendimento de emergência. Quer dizer: quanto mais tempo demorar o atendimento, maiores tendem a ser as lesões no cérebro que sofre um AVC. Máxima semelhante poderia ser formulada em relação ao coração infartado - "tempo é coração".
O paciente que chegue à UPA do Einstein com uma pressão desconfortável no peito ou nas costas, com sensação de plenitude gástrica, com uma dor que se espalha para os ombros, pescoço ou braços, em um máximo de dez minutos já saberá se está sofrendo um infarto ou não. Em caso afirmativo, em um máximo de 120 minutos, terá a artéria cardíaca desobstruída por uma angioplastia (procedimento mecânico de remoção do entupimento). Evitam-se lesões graves do músculo por falta de irrigação.
O protocolo de atendimento a infartados do Einstein existe desde março de 2005. Segue o chamado "benchmarking" na área de cardiologia, estabelecido pela American Heart Association (Associação Americana de Cardiologia). Quatrocentos pacientes já passaram por esse protocolo, com resultados sensíveis no índice de mortalidade. A média de óbitos decorrentes de infartos caiu de 12% para 4% dos casos atendidos, segundo a médica Marcia Makdisse, 39, gerente do programa de cardiologia do Einstein. "Aqui, a gente se mede em todas as etapas do atendimento."
"Estabilização das vias aéreas, monitorização das funções vitais, tomografia, ressonância magnética, laboratório de hemodinâmica, liberação de leito na UTI, transporte intra-hospitalar com anestesista" -todas essas funções são acionadas ao simples apertar da tecla AVC, diz o coordenador da UPA, o médico neurologista Alexandre Pieri, 30.
Tempo, tempo, tempo. É uma obsessão. O tempo "porta-imagem" (entenda-se: entre o ingresso do paciente com suspeita de AVC e o exame de imagem que confirme o diagnóstico) não pode ultrapassar 45 minutos. O tempo "porta-agulha" (até o momento em que ele recebe por via endovenosa o medicamento que poderá salvar o seu cérebro) tem de ser menor do que 60 minutos.
O protocolo de atendimento para AVC reduziu o tempo de internação para AVC. Eram 18 dias em média -hoje são 10 dias. Também o índice de mortalidade caiu. Eram 12% do total de casos. "No primeiro semestre de 2007 foi zero", comemora Claudio Lottemberg, presidente do hospital.
Mas o tempo de espera para casos classificados como não-graves pode ser longo. Muito longo -em casos extremos, a UPA cheia ou o hospital sem leitos disponíveis, mais de cinco horas. O médico plantonista Morad Amar, 46, mostra à reportagem os cartazes espalhados pela UPA com a explicação da escala de prioridades de atendimento. "Há transparência e todos entendem", diz.

Sem luxo
Esqueça aquela imagem de pronto-socorro lotado, macas improvisadas, gente sem atendimento por horas, que notabilizou a emergência do Hospital das Clínicas antes da implantação do Sistema Único de Saúde (em 1988). Nos corredores de hoje e nas salas de atendimento, não se vê luxo, mas o clima não é parecido com a loucura que aparece no seriado "ER", da TV a cabo. Ao contrário. Hoje, a ordem parece imperar.
A reportagem da Folha chegou ao PS ao mesmo tempo que uma mulher recém-atropelada por uma moto. Conduzida para uma das salas de "atendimento inicial do traumatizado", já com a perna enfaixada, ela passou pelos primeiros procedimentos. Em menos de 30 minutos, seguiu para o exame de raio-X.
Essas salas especializadas estão sempre vazias, à espera de casos graves. O objetivo é tornar mais rápido o atendimento.
Das 700 pessoas por dia atendidas no Pronto-Socorro das Clínicas, 300 chegam por conta própria e são recepcionadas no "atendimento inicial". Como os casos de 85% delas não são de urgência e nem complexos, essas pessoas são dispensadas depois de atendidas. Em dias normais, esse processo leva em média duas horas (entre a chegada e a dispensa). Nos horários de pico, só a espera pode chegar a quatro horas. "Recebemos gente de todo o país", justifica Soraia Barakat, diretora administrativa do PS geral.
As outras 400 pessoas admitidas diariamente chegam pela entrada de emergência, reservada para quem é levado pelo resgate (ambulâncias, carros policiais e de bombeiros), ou por carros particulares. Essas urgências e 15% dos que chegam por conta própria são atendidos imediatamente.
Nesse universo, cerca de cem vão para a cirurgia. Outros cem são encaminhados para a clínica geral, e o restante divide-se entre as outras especialidades.
Algumas pessoas ainda precisam esperar em macas nos corredores, em média, de quatro a seis horas até que sua medicação faça efeito, ou que um exame fique pronto ou até ocorrer a liberação de uma sala de cirurgia. Todos, porém, recebem um primeiro atendimento. Uma reforma, que já está em fase de concorrência, vai criar um espaço com cerca de 40 leitos de admissão.
Terça-feira é o pior dia da semana para o PS. Depois vem o sábado, que equivale a um dia útil em termos de movimento. No domingo, a procura cai 50%. Já no trauma, acontece o contrário. O fim de semana e seus exageros etílicos é o período mais crítico.
Dar conta do movimento só é possível por causa dos vários recursos diagnósticos do HC, segundo Renato Poggetti, diretor do serviço de cirurgia de emergência do PS. "Recebemos visitas de profissionais dos Estados Unidos e da Europa por causa da qualidade do nosso atendimento", afirma ele.
Entre os equipamentos que ajudam no trabalho estão ultra-sons e aparelhos de raio-X nas salas de atendimento e um tomógrafo de última geração. "Além de cirurgias, podemos fazer radiologia intervencionista, endoscopia e outros exames. Fazemos uma tomografia de corpo inteiro em 20 minutos. É difícil não conseguirmos detectar uma lesão. Isso agiliza o tratamento", afirma Poggetti.
Agilidade é importante, pois, além de receber um volume grande de doentes, o HC acaba sendo o destino dos casos mais graves. Acidentados transportados de helicóptero, por exemplo, levam em média cinco minutos depois do atendimento do resgate para chegar ao PS. "Nosso treinamento anual é revisado, seguindo protocolos internacionais, a cada três anos. Estamos sempre preparados para catástrofes", diz. LAURA CAPRIGLIONE E RENATA VALDEJÃO

Texto Anterior: Oswaldo Cruz foi pioneiro em individualizar UTI
Próximo Texto: Infartado é operado em 120 minutos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.