|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Um para todos, outro para poucos
DA REPORTAGEM LOCAL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Eleita por 29% dos médicos
como a melhor emergência de
São Paulo, a Unidade de Primeiro Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein foi
a primeira colocada na pesquisa Datafolha. Em segundo lugar, veio o Pronto Socorro do
Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, com
21% das preferências. Os dois
somados totalizaram metade
das escolhas. Todos os demais
hospitais dividiram a outra metade.
Emergências campeã e vice,
no entanto, não poderiam ser
mais contrastadas. Uma é privada -Einstein. A outra é pública -a do Hospital das Clínicas.
Uma atende quem chega
-regime de "porta aberta", como se diz, clientela pobre, muito pobre, destaque para motoboys quebrados no trânsito. É o
PS das Clínicas. A outra é só para quem pode pagar ou que tem
plano de saúde -e dos vips.
O PS do Hospital das Clínicas
faz 21.000 atendimentos por
mês. A UPA do Einstein faz
9.000 em igual período, ou 42%
dos atendimentos do primeiro.
Em comum, o PS do HC e a
UPA do Einstein têm boa parte
de seu corpo clínico -especialmente os médicos- provenientes da Faculdade de Medicina
da USP, a melhor do país.
Sono dos peixes
A UPA do Einstein tem sala
de espera dominada por um
aquário com iluminação adequada para respeitar o ciclo de
sono dos peixes. Na ala infantil,
brinquedistas e balonistas
(desses que transformam balões infláveis em bonecos de cachorros e gatos) entretêm as
crianças, de modo a reduzir-lhes o estresse hospitalar. Tudo
parece calmo.
É uma calma vigilante, contudo. Risco de morte e quadros
de dor intensa são imediatamente encaminhados. Já na
triagem, feita por enfermeira,
sinais de infarto agudo do miocárdio, de acidente vascular cerebral, ou de um quadro de sepse (também chamada de infecção generalizada), desencadeiam rotinas vertiginosas, que
começam com o acionar de
uma entre três teclas extranumerárias nos aparelhos telefônicos da unidade -a tecla verde
mobiliza a equipe especializada
em sepse; a amarela convoca a
turma de IAM (infarto agudo
do miocárdio); a vermelha, a de
AVC (acidente vascular cerebral).
"Time is brain" ("Tempo é
cérebro"), costumam dizer os
neurologistas especializados
em atendimento de emergência. Quer dizer: quanto mais
tempo demorar o atendimento,
maiores tendem a ser as lesões
no cérebro que sofre um AVC.
Máxima semelhante poderia
ser formulada em relação ao
coração infartado - "tempo é
coração".
O paciente que chegue à UPA
do Einstein com uma pressão
desconfortável no peito ou nas
costas, com sensação de plenitude gástrica, com uma dor que
se espalha para os ombros, pescoço ou braços, em um máximo
de dez minutos já saberá se está
sofrendo um infarto ou não.
Em caso afirmativo, em um
máximo de 120 minutos, terá a
artéria cardíaca desobstruída
por uma angioplastia (procedimento mecânico de remoção
do entupimento). Evitam-se lesões graves do músculo por falta de irrigação.
O protocolo de atendimento
a infartados do Einstein existe
desde março de 2005. Segue o
chamado "benchmarking" na
área de cardiologia, estabelecido pela American Heart Association (Associação Americana
de Cardiologia). Quatrocentos
pacientes já passaram por esse
protocolo, com resultados sensíveis no índice de mortalidade.
A média de óbitos decorrentes
de infartos caiu de 12% para 4%
dos casos atendidos, segundo a
médica Marcia Makdisse, 39,
gerente do programa de cardiologia do Einstein. "Aqui, a gente
se mede em todas as etapas do
atendimento."
"Estabilização das vias aéreas, monitorização das funções vitais, tomografia, ressonância magnética, laboratório
de hemodinâmica, liberação de
leito na UTI, transporte intra-hospitalar com anestesista"
-todas essas funções são acionadas ao simples apertar da tecla AVC, diz o coordenador da
UPA, o médico neurologista
Alexandre Pieri, 30.
Tempo, tempo, tempo. É
uma obsessão. O tempo "porta-imagem" (entenda-se: entre o
ingresso do paciente com suspeita de AVC e o exame de imagem que confirme o diagnóstico) não pode ultrapassar 45 minutos. O tempo "porta-agulha"
(até o momento em que ele recebe por via endovenosa o medicamento que poderá salvar o
seu cérebro) tem de ser menor
do que 60 minutos.
O protocolo de atendimento
para AVC reduziu o tempo de
internação para AVC. Eram 18
dias em média -hoje são 10
dias. Também o índice de mortalidade caiu. Eram 12% do total de casos. "No primeiro semestre de 2007 foi zero", comemora Claudio Lottemberg,
presidente do hospital.
Mas o tempo de espera para
casos classificados como não-graves pode ser longo. Muito
longo -em casos extremos, a
UPA cheia ou o hospital sem
leitos disponíveis, mais de cinco horas. O médico plantonista
Morad Amar, 46, mostra à reportagem os cartazes espalhados pela UPA com a explicação
da escala de prioridades de
atendimento. "Há transparência e todos entendem", diz.
Sem luxo
Esqueça aquela imagem de
pronto-socorro lotado, macas
improvisadas, gente sem atendimento por horas, que notabilizou a emergência do Hospital
das Clínicas antes da implantação do Sistema Único de Saúde
(em 1988). Nos corredores de
hoje e nas salas de atendimento, não se vê luxo, mas o clima
não é parecido com a loucura
que aparece no seriado "ER",
da TV a cabo. Ao contrário. Hoje, a ordem parece imperar.
A reportagem da Folha chegou ao PS ao mesmo tempo que
uma mulher recém-atropelada
por uma moto. Conduzida para
uma das salas de "atendimento
inicial do traumatizado", já
com a perna enfaixada, ela passou pelos primeiros procedimentos. Em menos de 30 minutos, seguiu para o exame de
raio-X.
Essas salas especializadas estão sempre vazias, à espera de
casos graves. O objetivo é tornar mais rápido o atendimento.
Das 700 pessoas por dia
atendidas no Pronto-Socorro
das Clínicas, 300 chegam por
conta própria e são recepcionadas no "atendimento inicial".
Como os casos de 85% delas
não são de urgência e nem
complexos, essas pessoas são
dispensadas depois de atendidas. Em dias normais, esse processo leva em média duas horas
(entre a chegada e a dispensa).
Nos horários de pico, só a espera pode chegar a quatro horas.
"Recebemos gente de todo o
país", justifica Soraia Barakat,
diretora administrativa do PS
geral.
As outras 400 pessoas admitidas diariamente chegam pela
entrada de emergência, reservada para quem é levado pelo
resgate (ambulâncias, carros
policiais e de bombeiros), ou
por carros particulares. Essas
urgências e 15% dos que chegam por conta própria são
atendidos imediatamente.
Nesse universo, cerca de cem
vão para a cirurgia. Outros cem
são encaminhados para a clínica geral, e o restante divide-se
entre as outras especialidades.
Algumas pessoas ainda precisam esperar em macas nos
corredores, em média, de quatro a seis horas até que sua medicação faça efeito, ou que um
exame fique pronto ou até
ocorrer a liberação de uma sala
de cirurgia. Todos, porém, recebem um primeiro atendimento. Uma reforma, que já está em fase de concorrência, vai
criar um espaço com cerca de
40 leitos de admissão.
Terça-feira é o pior dia da semana para o PS. Depois vem o
sábado, que equivale a um dia
útil em termos de movimento.
No domingo, a procura cai
50%. Já no trauma, acontece o
contrário. O fim de semana e
seus exageros etílicos é o período mais crítico.
Dar conta do movimento só é
possível por causa dos vários
recursos diagnósticos do HC,
segundo Renato Poggetti, diretor do serviço de cirurgia de
emergência do PS. "Recebemos
visitas de profissionais dos Estados Unidos e da Europa por
causa da qualidade do nosso
atendimento", afirma ele.
Entre os equipamentos que
ajudam no trabalho estão ultra-sons e aparelhos de raio-X
nas salas de atendimento e um
tomógrafo de última geração.
"Além de cirurgias, podemos
fazer radiologia intervencionista, endoscopia e outros exames. Fazemos uma tomografia
de corpo inteiro em 20 minutos. É difícil não conseguirmos
detectar uma lesão. Isso agiliza
o tratamento", afirma Poggetti.
Agilidade é importante, pois,
além de receber um volume
grande de doentes, o HC acaba
sendo o destino dos casos mais
graves. Acidentados transportados de helicóptero, por
exemplo, levam em média cinco minutos depois do atendimento do resgate para chegar
ao PS. "Nosso treinamento
anual é revisado, seguindo protocolos internacionais, a cada
três anos. Estamos sempre preparados para catástrofes", diz.
LAURA CAPRIGLIONE E RENATA VALDEJÃO
Texto Anterior: Oswaldo Cruz foi pioneiro em individualizar UTI Próximo Texto: Infartado é operado em 120 minutos Índice
|