|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Cinema
Em cartaz, a bola pipoca
por Inácio Araujo
O
boxe pode. Mais do que
qualquer outro esporte, ele se presta a desenvolver as mitologias da vitória e da derrota, as metáforas
da violência e da corrupção, a
lançar luz sobre a luta de homens (pobres) pela sobrevivência num mundo adverso.
Os jogadores de futebol não
são diferentes: garotos pobres,
talentosos, talvez indefesos, às
voltas com ricos da fama, clubes inescrupulosos, empresários gananciosos e contusões
fatais. Porém, por alguma razão misteriosa, o futebol e seus
craques não rendem cinema.
A mitologia do boxe arrefeceu nas últimas décadas. Talvez o mundo tenha se tornado
violento demais para a "nobre
arte" e o tenha substituído pelas artes marciais, onde o pau
come sem lei e sem alma, com
as bênçãos de Bruce Lee, ídolo
e mártir do gênero, morto por
pancadas em filmagem.
Já o futebol, entra século, sai
século, continua um deserto cinematográfico. Haverá quem
lembre de "Garrincha, Alegria
do Povo" ou quem diga que o
"Canal 100" filmava o jogo melhor que ninguém. Mas isso é
outra coisa. Quero ver o cara
imaginar os jogadores, seus
problemas, e isso dar bom filme, como fez Hitchcock, já em
1928, com "O Ringue".
Haverá quem mencione "Boleiros" (1998). É bom filme,
mas, vamos convir, sua primeira virtude é ter percebido que,
com uma história só de futebol,
não iria a parte alguma. O bom
é que são várias histórias pequenas, quase mitos. Nada que
se compare, por exemplo, com
a história de Heleno de Freitas,
o rapaz rico, culto, intratável,
cabeceador temivel, advogado,
galã e, por fim, sifilítico. Mas
Heleno era brasileiro e o brasileiro não aprecia anti-heróis.
Mais ecléticos, os americanos aceitam o herói vencedor,
como o de "Gentleman Jim"
(1942), mas também os perdedores de "Punhos de Campeão"
(1949), "Touro Indomável"
(1980), "Cidade das Ilusões"
(1972) ou "Menina de Ouro"
(2004).
Pode-se argumentar que o
boxe é um esporte individual,
em que o enfrentamento é direto. Ok. Mas o futebol americano é coletivo e já rendeu belos espetáculos, embora em
menor quantidade, como "Jogo Sujo" (1972). Até beisebol,
que é aquela coisa chata, volta e
meia aparece, como no melaço
"Campo dos Sonhos" (1989),
para não falar dos tempos em
que Spencer Tracy era jornalista especializado nesse esporte,
em "A Mulher do Ano" (1942).
O futebol americano, como o
basquete, tem seus entornos
lembrados em vários momentos. O primeiro é uma metáfora
do espírito de conquista americano (também conhecido como imperialismo): é um jogo
que consiste em avançar no
território inimigo. O basquete
cresceu nas últimas décadas,
junto com o declínio do racismo. Esses esportes também
têm técnicos como personagens em vários momentos.
Nick Nolte foi um memorável
técnico com conflitos morais
em "Blue Chips" (1994), um filme nem tão memorável assim.
Vamos procurar mais longe:
o tênis já esteve em destaque,
pelas mãos de Hitchcock, em
"Pacto Sinistro" (1951). Ele
abriu o "Pierrot le Fou" (1965),
de Jean-Luc Godard. Mais recentemente, Woody Allen voltou à carga em "Match Point".
E descontemos o "Blow Up"
(1965) de Antonioni, onde joga-se sem bola. Aí não vale.
Que dizer do automobilismo? Desde os anos 30, pelo
menos, vários diretores importantes dedicaram-se a essa saga
de enorme potencial dramático
(a morte ronda todo o tempo,
afinal). O principal deles foi
Howard Hawks ("Delirante",
1932, ""Faixa Vermelha 7000",
de 1965), que por sinal também
dava suas voltas na pista. Mas a
glória veio mesmo com "Grand
Prix" (1966), de John Frankenheimer, a melhor filmagem
jamais feita de carros em velocidade numa pista; além de um
grande sucesso, inspirou a carreira de Emerson Fittipaldi.
Não falemos dos filmes de
perseguição automobilística,
como "Operação França", em
que guiar automóveis não é um
esporte, nem um meio de vida,
mas uma necessidade ditada
pela urgência do momento.
Até o bilhar teve momentos
de enorme nobreza. "The Hustler" (1961), de Robert Rossen,
é tão antológico que Martin
Scorsese acabou por criar uma
sequência:, notável também,
"A Cor do Dinheiro" (1986).
Talvez devêssemos admitir
logo de uma vez: o futebol não
dá certo no cinema porque
nunca emplacou nos EUA. Não
vamos tão depressa, pois aí está
"Fuga para a Vitória" (1981),
um dos filmes mais ridículos
jamais feitos, e o diretor era
John Huston, glória nacional
americana, e o ator era Pelé, o
maior jogador do mundo. Sim,
o futebol ainda é um desafio a
ser vencido pelo cinema. Parece que é mais fácil Fritz Walter
comandar um milagre em Berna do que se fazer um filme que
se diga sobre esse esporte.
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Teatro - Nelson de Sá: Ser ou não ser em 3 atos Índice
|