São Paulo, segunda-feira, 29 de abril de 2002

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PERFIL

Da roça para casa, produtor vive há 61 anos sem férias

FREE-LANCE PARA A FOLHA

São 6h e o produtor Antônio Morgado, 68, já está ordenhando as vacas, o que renderá 70 litros de leite ao final do dia.
Ele passa o dia trabalhando no sítio de 45 hectares, que fica a nove quilômetros de sua casa, na cidade de Brodowski (339 km ao norte de São Paulo), para onde só volta à tarde, por volta das 18h.
Trabalhando desde os sete anos, Morgado nunca tirou férias e viu seu negócio mudar muito.
Segundo ele, o mercado de hoje não dá espaço para montar o capital e, por isso, a saída é manter o que economizou, após ter vendido a fazenda herdada do pai e comprado o sítio atual.
"Os produtos não aumentam de preço. Há oito anos, eu vendia o leite a R$ 0,30 o litro. Hoje, continua igual. Só que as máquinas e outras coisas que a gente precisa dobraram de preço. Tocando o sítio só dá para viver, não para lucrar", afirma o produtor.
A esperança está na produção de café, "que está muito bonita e dará uma boa colheita", com a qual espera garantir o ano.
Morgado engrossa o coro dos 34% dos produtores brasileiros que citaram como principal problema a falta de crédito ou de recursos para financiamento, segundo a CNA (Confederação Nacional da Agricultura).
Os outros problemas citados pelos produtores foram os baixos preços de venda dos produtos e elevado custo de produção.
"A gente não pega financiamento do governo por medo de ser passado para trás", afirma. "Precisamos de um juro mais barato, para poder comprar as coisas que eram possíveis antes."
O sítio faz parte dos 94% não- irrigados do país. O trator e o arado são os mesmos há dez anos. A colheita do café é manual. Ele afirma que não irá à Agrishow.
"Não vou passar vontade vendo os outros comerem macarronada e eu na polenta", diz Morgado.

R$ 1.000 por mês
Além da produção de leite, são a criação de porcos e a plantação de café que garantem a renda de R$ 1.000 por mês a Morgado.
Ele ganha acima da média do produtor brasileiro, que é de R$ 500, mas está abaixo da média do Estado, entre R$ 1.500 e R$ 2.000.
Mato Grosso do Sul possui a maior renda média do setor, R$ 2.600, seguido por Goiás, cujo ganho médio chega a R$ 2.000.
Morgado mantém só um empregado com carteira assinada no sítio, assim como 70% dos produtores brasileiros que usam mão-de-obra. O outro é temporário.

Críticas
O que mais incomoda Morgado são as as cooperativas, por não saber até onde é explorado pelas tarifas cobradas por elas.
As usinas de açúcar também são criticadas. O produtor é um dos poucos que abriram mão de arrendar suas terras para as usinas, prática comum na região.
"Seria a mesma coisa que ganhar dinheiro dormindo, porque você recebe e não produz."

Televisão
A maioria dos produtores comerciais brasileiros (62%) possui apenas o primeiro grau completo, como Morgado.
Ele se encaixa no perfil do produtor comercial brasileiro, que é casado e vive para a fazenda.
Para ele, que nunca viajou para fora da região de Brodowski, "passeio é da roça para casa". Mar, internet e clonagem ele só conhece pelo que viu na televisão.
(TATIANA UEMURA E JOEL SILVA)


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