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ANÁLISE
los macaquitos
Violência simbólica da torcida e ofensas entre atletas, como no caso de Grafite , mostram que esporte oscila entre a teatralidade e a ideologia
ME ENCHERAM
DE PANCADAS
E INSULTOS", LEMBRAVA AMARILDO
ESPECIAL PARA A FOLHA
De um extremo ao outro da
Europa, de uma curva a outra
dos estádios, a violência simbólica vem recaindo sobre o
atleta negro. Em novembro
de 2004, os ultras do Real
Madrid passaram o jogo
"imitando macacos" sempre
que os zagueiros do Bayer Leverkusen, Juan e Roque Júnior, tocavam na bola.
Em abril de 2003, na República Tcheca, os do Sparta
"atiraram bananas" ao atacante Adauto, do Slavia. Em
fevereiro de 2000, os do Venezia exortaram com faixas o
jogador da Juventus, Edgar
Davids, a empreender o caminho de regresso à terra dos
ancestrais: "Volta para a
África, zebra".
Desfraldadas nas arquibancadas, as bandeiras da
intolerância também são empunhadas dentro de campo
por atletas identificados com
suas mensagens. A crônica
italiana registra amiúde desavenças e expulsões motivadas pelo uso da expressão
racista e xenófoba: "Negro
de m... volta para a África".
Empregada a torto e a direito, ela desvela a linha de
continuidade entre a curva e
o campo, interliga o passado
e o presente e sobrepõe, às
identidades nacionais, uma
diferença à flor da pele.
As reminiscências italianas do bicampeão mundial
Amarildo são emblemáticas:
"Minhas pernas são cartas
geográficas. Me encheram de
pancadas e insultos. Me diziam "sporco negro" e, tudo
bem, porque o futebol também é feito de palavrões."
Eis a questão: do que é feito o futebol? Os insultos raciais devem ser aceitos como
constitutivos da cultura deste espetáculo?
As reações de Grafite, no
Morumbi, em abril de 2005;
de Elicarlos, no Mineirão, em
junho de 2009; e de Manoel,
no Palestra Itália, em abril de
2010, rompem com o tom de
resignação que envolve a
questão e exprimem o advento de novos atores em um
palco que, no entanto, possui uma lógica própria.
Como assinala o sociólogo
Norbert Elias, a esfera do lazer representa, na sociedade,
um enclave onde as normas
de comportamento são em
parte suspensas de sorte a
proporcionar o "descontrole
controlado das emoções".
Mas, acrescenta Christian
Bromberger, convém relativizar o significado das manifestações nos estádios, interpretando-as segundo a lógica da confrontação agonística entre as torcidas como
"teatralização exuberante do
ódio ao adversário".
Mas quando a manifestação se volta contra o atleta da
própria equipe, a lógica da rivalidade é subvertida pela
ideologia do racismo, conforme revela a trajetória de Fernando Marques da Silva.
PINTADO DE PRETO
O jovem atacante desembarcou em março de 2000 no
Calcio para atuar na Série B
pelo Treviso. Os ultras locais,
no entanto, não lhe deram
trégua: "Recebi inclusive
ameaça física".
Na partida contra a Ternana, na cidade de Terni, o Treviso perdia por 2 a 1 quando,
na esperança de reverter o resultado, o treinador decidiu
colocar o recém-chegado.
Os ultras, então, começaram a recolher as faixas e
abandonar o estádio em protesto contra o jogador negro.
Se a curva à direita conduzia ao universo de xenofobia
e racismo, a curva à esquerda
descortinava a existência de
uma cultura diversa, cujos
contornos ficariam nítidos
na partida contra o Genoa.
Cercada de enorme expectativa devido à escalação de
Omolade, um após outro os
atletas adentraram o gramado, todos, sem exceção, com
o rosto pintado de preto.
Surpreendidos com o gesto de solidariedade, os ultras
não encontraram alternativa
melhor senão estender a vaia
ao conjunto do time.
Eis o teatro do futebol. Enquanto parte do público emite urros e atira bananas ao
palco para afirmar uma diferença irredutível, outra parte
pinta o rosto de preto por solidariedade. Já a crítica tenta
retirar o peso das manifestações invocando a lógica que
estrutura o espetáculo.
De um lado, atletas brancos reincidem nos insultos
raciais sob a justificativa de
que tais xingamentos pertencem à cultura supostamente
imutável do futebol.
De outro, os atores negros
reivindicam o direito de repactuar as regras do jogo,
contestar os códigos de comportamento e colocar em
questão as armas utilizadas
para prevalecer sobre o adversário. Assim, em vez de
show de menestréis, propõem e transformam o futebol no teatro experimental
onde sujeitos autônomos definem os papéis e as relações
que desejam viver.
(JOSÉ PAULO FLORENZANO)
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