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Arquibancadas do ódio
Loteamento dos estádios por torcedores dramatiza a violência social
BERNARDO BUARQUE
DE HOLLANDA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os anos 1980 foram decisivos no aparecimento e na implantação de uma "cultura
torcedora" nos estádios franceses, graças à influência de
outros países vizinhos, como
a Inglaterra e a Itália.
Juntamente com as oposições em escala local, a popularização das torcidas na
França foi forjada pela criação de uma oposição nacional entre clubes.
Segundo o sociólogo Paul
Yonnet, a "fabricação das rivalidades" na virada da década de 1980 para 90 vai opor
nacionalmente Marselha e
Paris. Isto é, uma cidade portuária mediterrânea com tradição futebolística versus
uma capital cosmopolita sem
apelo clubístico.
Nesta última, o clube principal, o Paris Saint-Germain,
surge apenas durante os
anos 70, fruto da fusão entre
clubes pouco expressivos até
então, com o intuito de criar
mecanismos de identificação
entre a capital e o futebol.
Em Paris, a influência da
subcultura juvenil inglesa
surge no Parque dos Príncipes já no final dos anos 70.
Ao pesquisar a chegada do
rock inglês em terras gaulesas, o sociólogo Patrick Mignon acabou por se deparar
com o fenômeno hooligan
em seu país.
Em meados dos anos 80,
passa-se a chamar informalmente de Kop o setor das arquibancadas situado atrás
do gol, no local conhecido
como Boulogne.
Nesse setor, houve ofertas
de bilhetes promocionais
com o intuito de estimular a
frequência dos parisienses e
de criar um ambiente mais
caloroso no estádio. Um dos
efeitos disso foi a expulsão
de torcedores de outros clubes deste setor, com a migração para Boulogne de grupos
jovens skinheads.
De maneira difusa, valores
nacionalistas que compreendiam a hostilidade a estrangeiros passam a ser propagados nesta parte das arquibancadas.
No mesmo ano da tragédia
de Heysel, em 1985, na partida final da Copa da Europa,
disputada entre Liverpool e
Juventus de Turim, surgem
os Boulogne Boys.
Apesar do nome em inglês, o grupo adota o modelo
Ultra das torcidas italianas,
que compreende o uso de
bandeiras, megafones, animações coloridas e cânticos
ritualizados.
ITÁLIA E INGLATERRA
Os dois modelos, o italiano
e o inglês, se difundem ainda
entre outros clubes franceses. No mesmo ano de surgimento dos Boulogne Boys
em Paris, em Nice aparece a
torcida Brigade Sud Niçois,
associação inspirada nas cores e no nome de uma torcida
do Milan A.C., o Brigata Rossonere, que surgira dez anos
antes, em 1975.
No início dos anos 90, como uma forma de fazer contraponto à tribuna de Boulogne, tendo apoio da direção do clube, estimula-se a
criação de torcidas na tribuna oposta, Auteuil, até então
reservada aos torcedores das
equipes visitantes.
Em 1991, aparecem duas
torcidas, com nomes que remetem à influência italiana
-Supras Auteuil- e às origens romanas da cidade
-Lutecce Falco.
O público da tribuna de
Auteuil se caracteriza por
maior heterogeneidade social, com espaço para a presença de migrantes e de moradores da periferia de Paris.
Em contrapartida, a tribuna de Boulogne reivindica
maior homogeneidade social
e racial, com espaço para difusas manifestações nacionalistas, em slogans como "O
Parque dos Príncipes para os
parisienses", "o Estádio de
França para os franceses" ou
ainda "É preciso limpar as tribunas". Grosso modo, costuma-se associar Auteuil ao
modelo italiano mais aberto
e institucionalizado, e Boulogne ao modelo inglês mais
fechado e homogêneo.
Assim, quando se observa
a evolução da "subcultura
torcedora" no Brasil e na
França, deve-se atentar para
as influências externas de
trocas e reciprocidades entre
grupos, mas também para
aspectos sociais internos que
os antropólogos chamam de
dramatização.
TRÁFICO DE DROGAS
Como vários ritos contemporâneos das sociedades democráticas de massa, o futebol põe em cena valores e
símbolos que estão presentes
no cotidiano.
Assim, grandes cidades no
Brasil vivenciam o drama da
miséria urbana, do tráfico de
drogas e das armas de fogo.
Sabe-se que muitas torcidas
organizadas no Rio têm se estruturado em torno dessa lógica de violência e de rivalidades entre favelas que matam jovens diariamente.
Já na França e em boa parte da Europa, a questão da
migração e da integração de
contingentes populacionais
oriundos das suas antigas colônias põe em cena problemas como o racismo.
Assim, no futebol, a presença de jogadores negros
não apenas nos clubes como
na seleção nacional coloca
para a sociedade a questão
de sua própria auto-imagem.
BERNARDO BUARQUE DE HOLLANDA é
professor no Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea
da Fundação Getúlio Vargas (RJ)
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