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O amor que não vê a
cor
Futebol é um dos únicos espaços em que a questão racial não importa para as relações afetivas
FERNANDA MENA
DE SÃO PAULO
O futebol é uma varinha de
condão. Dentre as mágicas
de que ele é capaz, está a de
diluir, e mesmo apagar, a
questão racial de quadro
quando o assunto é de ordem
amorosa ou sexual.
"O futebol é um dos únicos
espaços em que a questão racial é menos importante para
as mediações amorosas", diz
a pesquisadora Leda Maria
da Costa, do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Esporte e Sociedade da Universidade Federal Fluminense.
"Não importa a cor ou a beleza, o que interessa às mulheres fascinadas em jogadores de futebol é a aura e o status social que eles têm."
A conversa entre mulheres
é flagrante, conforme a Folha apurou nos corredores e
nas arquibancadas do Parque Antarctica, no último dia
22, durante a partida entre
Palmeiras e Grêmio.
Qual jogador é seu objeto
de desejo? "Vagner Love",
dispara, sem piscar, a advogada Neide Delaurentis, 35,
escova no cabelo, rosto maquiado. Gosta dele pela beleza ou pela conta bancária?
"Ah, pelas duas coisas."
Ficaria com ele se fosse
apenas um vizinho, e não um
jogador famoso? "Aí, não",
admite.
"Não que eu seja racista,
mas, se uma pessoa negra
me abordar, vou pesquisar se
ele é advogado, jogador de
futebol, homem trabalhador.
Se for jogador de futebol, o
que está relacionado é o dinheiro mesmo", completa.
A empresária Gilmara dos
Reis, 24, também não esconde como o mundo de fama e
riqueza do futebol pode moldar -ou liberar- seu desejo.
Quando vai aos estádios,
deixa o namorado "branquinho" e não tira os olhos das
pernas musculosas dos jogadores de pele negra.
"É cada pernão!", diz, se
abanando.
Mas, se há tanto fascínio
pelo corpo do homem negro
em campo, por que não procurá-los fora dos estádios?
"Ah, não. Se não for jogador, eu fico com meu branquinho lá em casa."
Leda tira a teima: "O que
media a relação é o status do
jogador, e não mais sua cor
ou sua raça. Aquilo que pode
ser um fator decisivo nas escolhas amorosas deixa de ser
importante dentro do universo do futebol."
A pesquisadora estudou a
figura das marias chuteiras
em oposição à ascensão da figura da torcedora mulher. E
destrinchou o momento em
que o jogador de futebol
emerge como objeto do desejo feminino.
Foi nos anos 1920 que a figura do homem atlético
substituiu a figura franzina e
sisuda do homem das letras,
que antes povoava as fantasias das moças. Essa mudança surge aliada à visibilidade
social que os jogadores começam a ter com a popularização do futebol.
"Existe um percurso imaginário em torno do jogador
de futebol, que não só atrai fisicamente mas que também
é rico e está absolutamente
imerso na mídia."
Mais recentemente, o tetracampeonato de 1994, ao
quebrar um jejum de 24 anos,
promoveu o futebol a tema
de colunas sociais e revistas
de celebridades, evidenciando os salários milionários e a
rotina de festas, carros e roupas de luxo dos jogadores.
Nesse contexto, a mulher
bonita se torna apenas mais
um símbolo de status, como
um carro do ano.
Para Leda, no entanto, as
diferenças pesam, mesmo
que veladamente. "Qualquer
negro que ascende socialmente e se casa com uma
branca é cobrado por isso. E o
caso do jogador de futebol
não foge à regra. É uma questão complexa."
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