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"Neymar é amarelo?"
Campeão do Mundo com a seleção de 1970, o ex-jogador Paulo César Caju ataca a desunião da categoria no Brasil e diz lamentar a falta de consciência
dos atletas negros
SAMY ADGHIRNI
DE SÃO PAULO
O carioca Paulo César "Caju" Lima, 61, brilhou tanto
dentro como fora do campo.
Ganhou uma Copa do Mundo
(1970), um Mundial Interclubes (1983), uma Copa do Brasil e cinco campeonatos cariocas entre 1967 e 1976.
Rápido e habilidoso, jogou
no Botafogo, Flamengo, Vasco, Fluminense, Corinthians
e Grêmio, além de ter passagens por times do exterior, a
mais marcante no francês
Olympique de Marselha.
O apelido veio de um carro
amarelado, comprado no início da carreira, que combinava com a cabeleira descolorida do craque bon vivant ligado em livros e museus.
Caju frequentou a nata do
jet set internacional, das finas noitadas cariocas às rodas nababescas de Mônaco.
Duas décadas depois do
fim da carreira e após largar a
cocaína, Caju mantém o francês e o espanhol fluentes e a
língua, afiada.
Na entrevista abaixo, concedida em um táxi em São
Paulo, cidade onde mora
com a mulher, ele lamentou
a falta de consciência social e
racial dos negros no Brasil.
Folha - O que acha da frase do
Neymar dizendo que não se
considera negro?
Paulo César Caju - Qual a
cor do Neymar? Pelo amor de
Deus! Essa é a diferença entre
o americano e o brasileiro.
Americano fala: "Eu sou negro". Não tem essa de mulato. Tem raça preta, branca e
amarela. Neymar é amarelo?
Como você aderiu ao movimento negro?
Minha mãe foi empregada
doméstica durante 40 anos.
Era como uma escrava, nunca teve direito de estudar.
Saía de manhã, voltava de
noite e preparava comida para mim e minha irmã. Não conheci meu pai, ele morreu
um mês após eu nascer.
A gente morava na favela
do morro do Tabajara, em
Botafogo. Naquela época os
negros esticavam os cabelos
com ferro quente, e minha
mãe queria que eu fizesse isso também. E eu dizia: "Não
quero meu cabelo liso, meu
cabelo é duro, pô".
Toda vez que visitava minha mãe no emprego dela, tinha que entrar pelos fundos.
Aquilo me deixava puto. Xingava o porteiro, me recusava
a ficar na casa dos patrões da
minha mãe.
Na área onde eu morava
havia o time dos pobres pretinhos contra o dos brancos ricos. O pai do Juan, zagueiro
do Roma, é meu amigo de infância, jogávamos juntos. A
gente metia porrada neles,
não ganhavam uma. A gente
chutava a bola de propósito
para quebrar os vidros da casa dos brancos.
Comecei a pesquisar os negros americanos, Malcolm X,
Angela Davis [leia mais nesta
pág.]. Eu me identificava
muito com aquilo.
Em 1968, quando os negros americanos deram as
costas para o hino dos EUA,
achei aquilo maravilhoso.
Tinha coleção de mais de
2.000 discos de Marvin Gaye,
Stevie Wonder, Aretha Franklin, Diana Ross.
Vi a briga dos negros norte-americanos para se imporem e resolvi trazer aquilo para o Brasil.
Você comprou muita briga
pela causa?
Sim. Quando diziam que
só um dos massagistas negros do clube podia viajar, eu
brigava para que o outro também fosse. Ia à direção do
clube reclamar. Também brigava para que os roupeiros
recebessem gratificação.
Também dizia a meus amigos músicos negros que eles
tinham que se impor e brigar
pelo seu espaço na televisão.
Que episódio de preconceito
mais te marcou?
Foi quando estava começando a me firmar no Botafogo. Fui para uma festa de Carnaval num clube fino do Rio e
fui barrado pela cor. Já fui
barrado em prédio também.
Como o racismo se manifesta
no futebol? Algum grande jogador já te discriminou?
Já, mas não vou citar nomes. Levei até cusparada na
cara. No Peru, na Colômbia,
em Honduras eu sempre ficava observando o comportamento dos negros. Na Argentina não tinha. Lá só vi um,
era goleiro, o chamavam de
El Negro. Joguei várias vezes
contra argentinos, e eles
sempre chamavam a gente
de "macaquito", "negrito".
Mas nunca perdi para eles.
No Brasil também me chamavam de macaco. Respondia dando balãozinho.
Você jogou no Grêmio, que só
passou a ter jogadores negros
nos anos 1950.
No Sul nunca tive problemas, tanto no Grêmio como
no Internacional... Eles me
respeitavam. Sei que tem racismo no Sul, mas no Fluminense os funcionários negros
entravam pela porta dos fundos. O primeiro clube do Rio
a aceitar negros foi o Vasco.
Nem no Flamengo tinha.
Você via o futebol como uma
resposta à discriminação?
Era minha válvula de escape. Era uma coisa que eu fazia bem, apesar de também
ter sido bom aluno. Minha
chance era jogando futebol.
Até hoje tem muito restaurante em que você não vê negro. Por quê? Tem negro com
posses, em São Paulo e no
resto do país. Mas a culpa é
do negro, que não se impõe.
Você está pondo a culpa nos
negros?
Lógico. Não tem que dar
porrada em ninguém, mas
tem que se impor. Quando
um negro consegue um papel importante em novela da
TV Globo, os caras ficam numa felicidade... Tem a Taís
Araújo, meu amigo Milton
Gonçalves, o Tony Tornado,
o Romeu Evaristo, bons atores que costumam ter papeis
pequenos. Ou é chofer, cozinheiro ou mordomo.
A imprensa também é culpada, porque diz: "Olha, que
legal, deram um papel de
destaque para um negro na
novela das oito".
Quando a [companhia aérea] Varig estava no auge,
nunca vi um comandante negro. Vê se tem algum negro
dirigindo um centro espacial
ou de alta tecnologia. A culpa
é dos negros também, sim.
Os negros no Brasil não
são solidários como nos EUA.
Morei dois anos em Los Angeles, e senti o poder dos negros lá. É uma coisa muito
violenta, mas são unidos.
Por que os negros daqui
não criam canais como os
dos americanos, que se impõem pelo talento e pela personalidade, como Bill Cosby,
Will Smith e Eddie Murphy?
Você acha que jogadores brasileiros negros poderiam se
mobilizar mais?
Cada um tem os seus compromissos e, hoje, a classe é
individualista, egoísta.
No futebol brasileiro ninguém tem a consciência de
bater de frente, de abrir portas, contestar, reivindicar.
Qual foi o grande treinador
negro que o futebol brasileiro
teve? Didi foi treinador da
melhor seleção peruana de
todos os tempos e também do
River Plate. Zizinho foi técnico da seleção olímpica, mas
não da principal. Cláudio
Adão já mostrou que é capaz,
mas nunca treinou um time
do Rio nem em São Paulo.
Tem muito jogador racista
hoje em dia?
A gente escuta muita coisa, mas eu não quero acreditar que exista. Tem casos como o do Danilo (Palmeiras)
contra o Manoel (Atlético Paranaense). Acho que aquilo
era uma briga antiga, de
quando jogavam juntos.
Teve o caso do Antônio
Carlos, quando jogava no Juventude. Não acho que seja
discriminação, é raiva do
momento. Porque, se for,
tem que botar em cana.
Vi que o Danilo se desculpou. Mas antes de se desculpar tem que pensar no que
vai falar, principalmente em
relação ao tom da pele. Acho
que o Manoel tem que levar
até o final, não tem que tirar
não. Grafite tinha que ter levado também até o final contra o argentino Desábato.
Você acredita que as coisas
podem mudar?
Tem que ter esperança em
tudo. Veja o [Barack] Obama,
que virou presidente do país
mais racista do mundo e no
qual os negros sofreram as
maiores humilhações, as
maiores torturas.
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