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as diferenças
Projeto nacional separa Índia e China do Brasil
Asiáticos exigiram contrapartidas de investidores estrangeiros e organizaram sua adesão à ordem global; Brasil optou por modelo liberalizante
GILSON SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Definida como inevitável e irreversível, a globalização reservaria ao Estado Nacional um papel, no máximo, coadjuvante. Não é o que ensinam as duas grandes potências médias vitoriosas na globalização dos últimos 25 anos, China e Índia.
Vencem porque têm projetos estratégicos, estatais ou nacionais, de desenvolvimento.
O capitalismo organizado é o grande vencedor na guerra da globalização. As redes produtivas e de relacionamento de chineses e indianos, na Ásia e no
Ocidente anglo-saxão, garantem a identificação e a exploração de oportunidades de investimento, colaboração e negociação. Os chineses já são o segundo domínio lingüístico
mais populoso na internet, depois do inglês (língua em que
um número significativo de indianos tem fluência exemplar).
Na China e na Índia houve
controle, seleção e exigência de
contrapartidas nos processos
de abertura e transnacionalização de capitais produtivos e financeiros. Abriram mão de
modelos autóctones sem perder o compromisso com a autonomia do Estado nacional e de
suas elites. Focaram no longo
prazo. Organizam (e em muitas
vezes até hoje retardam) sua
adesão à ordem global.
Projetos nacionais
China e Índia também encarnam projetos nacionais de desenvolvimento com fortes
componentes de segurança ou
de controle social (ditadura militar na China). Souberam forçar negociações comerciais e
econômicas com investidores e
mercadores (as tarifas sobre
importações na Índia são o triplo da média brasileira).
Os dois países saíram da dependência colonial e, em pouco
mais de 50 anos, conseguiram
dominar a tecnologia nuclear e
a eletroeletrônica.
O Brasil também tem projeto, mas não é nacionalista nem
estatista, características dos
modelos indiano e chinês. É liberalizante desde a crise do petróleo no fim dos anos 1970. É
conduzido por elites econômicas (inclusive sindicais) em cujo DNA predominam o capital
global e o capital nacional subsidiado pelo Estado.
As elites chinesas e indianas
carregam no seu DNA o aprendizado de vários e longos ciclos
de dominação regional e imperial. No Brasil, a elite desde a
colônia sempre foi integrada à
metrópole ("globalizada" desde
o século 16) e com forte vocação
para atender aos imperativos
do centro.
O jeitinho brasileiro produz
uma reciclagem contínua e
sempre parcial da miséria nacional, num caldo de cultura individualista e ocidentalizado. O
projeto liberal brasileiro convive bem com a malandragem e a
corrupção. A exclusão é permanentemente realimentada, mas
há mobilidade, oportunidades,
dinamismo, novos ricos e novos negócios nas esferas pública, privada e do terceiro setor.
Estado forte
Tanto Índia quanto China têm Estados com forte viés militar e estratégico (como ocorreu, no século passado, no Japão). Políticas industriais, científicas e tecnológicas são executadas com determinação e flexibilidade. A mão pesada e visível do Estado implementou receitas de desenvolvimento de
longo prazo associadas sempre
a um projeto de inserção na ordem mundial.
A China era comunista, a Índia, socialista. Ao se abrir para a
globalização, cada uma soube a
seu modo implementar um capitalismo organizado. O desenvolvimento igualmente excludente, mas organizado, em
mercados consumidores gigantescos supera os riscos políticos
e atrai investidores de todo o
mundo. China e Índia têm atravessado incólumes os solavancos da economia de "cassino"
desde os anos 1990.
Gurus como Clyde Prestowitz apontam diretamente para a emergência de 3 bilhões de
trabalhadores equipados com o
capital intelectual necessário
para competir em escala global.
Os camponeses (65% da população na Índia, 50% na China)
são fonte quase inesgotável de
ganhos de produtividade.
Espírito empreendedor
O espírito empreendedor, inquiridor e inovador de chineses
e indianos também é exemplar.
Os sucessos da Índia e da China
mostram a força crescente, na
era da globalização multicultural e pasteurizadora, dos "espíritos nacionais" que animam
projetos de Estados e nações.
Mas nem tudo favorece
igualmente China e Índia em
detrimento do Brasil. Índia e
Brasil se aproximam quando o
tema é a violência da exclusão.
Nem tudo é empreendedorismo e teletrabalho, desenvolvimento de software e comércio eletrônico. Na Índia, massacres sanguinários são freqüentes. O racismo é latente numa
sociedade marcada pela diversidade e opressão étnica e a extrema desigualdade.
Nas cidades da Índia, a miséria se esparrama por todos os
lugares, tudo é periferia, com
exceção das áreas governamentais, protegidas por forte aparato militar. O país avança e se desenvolve, mas às vezes perdem
nitidez as fronteiras entre riqueza e miséria, beleza e horror, progresso e ruína, novo e
antigo, segurança e terror.
Só cerca de 1 milhão de indianos são diretamente beneficiadas pelo "boom" das tecnologias de informação, num país
com 1 bilhão de habitantes.
China e Índia destacam-se,
cada vez mais, como celeiros do
capital intelectual que hoje define as fronteiras do desenvolvimento econômico.
O campo em que o Brasil se
destaca é no sucesso da receita
de estabilização ortodoxa, que
ficou como exemplo de ajuste
externo eficiente associado a
reformas de longo prazo.
Riscos macroeconômicos
Enquanto o quadro macroeconômico avança no Brasil, na
China, que desafiou até hoje sucessivos abalos financeiros globais, a economia corre risco de
mergulhar num abismo cambial e financeiro. Suas reformas
não andam. A Índia também
muda devagar os seus marcos
regulatórios e sua economia
convive com incerteza jurídica
e institucional.
As estatísticas mais recentes
revelam um crescimento econômico acelerado que ameaça
sair de controle na China. As
reformas são tímidas e lentas.
Os riscos macroeconômicos
crescem por razões estruturais.
O cenário macroeconômico
de longo prazo, no Brasil, apresenta um risco menor -ainda
que a política econômica funcione para atrair sobretudo capitais externos de curto prazo,
as célebres e voláteis "andorinhas" especulativas. Enquanto
isso, a economia cresce em passo de tartaruga, mesmo com
um cenário externo favorável
como não se via há anos -justamente pelo crescimento de
China, Índia e EUA, que sugam
e estimulam a produção global
de alimentos a aviões.
Em junho, a produção industrial na China subiu 19,5% em
relação ao ano passado. É o
maior índice já registrado na
história do país, puxado por investimentos e exportações, que
respondem por cerca de 80%
do PIB.
Não há segurança ou confiabilidade com relação a informações financeiras relacionadas à sustentação desse processo de crescimento. Japão e Coréia do Sul, países que se beneficiaram de ondas gigantes de
investimento direto estrangeiro em processos de reconstrução e infra-estrutura, chegaram
no máximo a níveis de investimento da ordem de 40% do
PIB. A taxa de investimento da
China deve passar de 50% do
PIB em 2006.
Controle
Ao tentar o controle da onda
expansionista, o governo chinês pode errar a mão e induzir
o sistema a uma crise de excesso de oferta, de capacidade
ociosa, colocando em risco o inflacionado mercado de crédito
nacional.
A China ainda não conseguiu
montar um sistema eficiente
de política monetária, sistema
bancário e mercado de capitais.
Teme-se que o país não tenha
os meios para gerenciar uma
crise de superprodução.
No Brasil, a discussão sobre
metas inflacionárias está na segunda casa decimal da meta estabelecida para daqui a dois
anos, o que mostra como evoluímos nessa área. Em compensação, o país há três décadas não tem um projeto nacional de desenvolvimento e a reforma estratégica do Estado
mal começou.
Comparado aos sucessos de
China e Índia, o Brasil optou
pela ênfase na estabilização de
preços, tornando-se retardatário no relógio da mudança econômica mundial.
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