UOL


São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Aumento de preços criou mecanismos de defesa que realimentavam a inflação; processo terminou em 94

País enfrentou três grandes ciclos inflacionários no século

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O estopim para uma das maiores greves anteriores à década de 70 foram os protestos contra a carestia, em 1953, quando 300 mil trabalhadores do Rio e de São Paulo resolveram cruzar os braços durante um mês, pedindo o que os sindicalistas hoje chamariam de "reposição da inflação".
Na década de 80, consumidores iam às compras com tabelas de preços, uma das medidas que os criadores do Plano Cruzado (86) usaram para tentar controlar a inflação. Os episódios fizeram parte de dois dos três grandes ciclos de inflação que o Brasil enfrentou no século. A alta descontrolada de preços começou na década de 30 e foi um problema quase que onipresente para os formuladores da política econômica brasileira, que só conseguiram vencê-la em 1994, com o lançamento do Plano Real.
Há duas maneiras para calcular a inflação. A primeira é criar uma cesta de produtos e conferir o preço de cada um deles no mercado. Nesse caso, o resultado é um índice de inflação, como o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) do IBGE ou o IPC (Índice de Preços ao Consumidor) da Fipe. Outra maneira é considerar todos os preços da economia, por meio dos preços do Produto Interno Bruto, obtendo um indicador -o deflator implícito do PIB.
Há algumas diferenças, mas os dois métodos mostram que a história econômica do Brasil foi também a história de surtos inflacionários. O primeiro ocorreu nos anos 30 e 40: os preços, estáveis no início dos anos 30, atingiram picos anuais de 20% nos anos 40, para voltar ao patamar de 6% em 1949. Outro ciclo ocorreu nas décadas de 50 e 60, quando a inflação atingiu o pico anual de 90% em 1964. O terceiro e mais longo ciclo começou em 1970 e só terminou com o Plano Real, em 1994. Em 1990, segundo o deflator do PIB, a inflação chegou a 2.737%.
Um século de inflação gerou também um intenso debate sobre suas causas. Havia quem a considerasse o resultado da disputa entre trabalhadores e empresários pela renda nacional: os trabalhadores lutavam por aumentos de salários e os empresários repassavam os aumentos para os preços para manter as margens de lucro, criando uma espiral inflacionária.
Outros apontavam para a atuação dos oligopólios, que, dada sua posição privilegiada, podiam aumentar preços sem receio de perder mercado. A interpretação mais aceita pelos economistas ortodoxos é que o excesso de gastos públicos causava a alta generalizada de preços, já que obriga o governo, em déficit, a emitir moeda.
Conviver, durante tantos anos, com taxas de inflação altas transformou o brasileiro e a economia do país em craques na indexação de preços. Havia índices e esquemas de reajuste para tudo. O sistema financeiro criou mecanismos de proteção e os correntistas podiam proteger seus depósitos.
O governo só conseguiu "matar" a inflação quando eliminou a maioria desses instrumentos. Antes de lançar a nova moeda, o Plano Real indexou todos os preços com o mesmo indexador, a URV (Unidade Real de Valor) e, com dia e hora marcados, o eliminou.
Com o fim da chamada inércia inflacionária, chegou ao fim o último ciclo inflacionário do século. O primeiro impacto positivo foi sentido pela população mais pobre, que não tinha acesso à blindagem contra a corrosão do dinheiro fornecida pelos bancos aos seus clientes. Foram os anos do aumento de vendas do frango e do iogurte, símbolos do aumento do poder de compra das pessoas.
Desde o Real, o controle da inflação exigiu sacrifícios que levaram a juros altos, baixo crescimento e elevação do desemprego. Nessas condições, os trabalhadores perderam renda. De julho de 1994 (mês de lançamento do Real) até o final de 1996 a renda média passou a ter um poder de compra 35% maior. Esse ganho baixou para 15% no final do ano 2000. A atual pesquisa de rendimento do IBGE não permite comparações com períodos anteriores a 2001, mas, como só em 2003 a perda do poder de compra já chega a 15%, em média, em relação a 2002, os brasileiros já devem ter perdido os "frangos e iogurtes" extras que haviam ganhado a partir de 1994.


Texto Anterior: "Estagnação cria identidade racial"
Próximo Texto: Urbanização vai de 31% em 1940 a 81%
Índice


UOL
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.