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Aumento de preços criou mecanismos de defesa que realimentavam a inflação; processo terminou em 94
País enfrentou três grandes ciclos inflacionários no século
MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL
O estopim para uma das maiores greves anteriores à década de
70 foram os protestos contra a carestia, em 1953, quando 300 mil
trabalhadores do Rio e de São
Paulo resolveram cruzar os braços durante um mês, pedindo o
que os sindicalistas hoje chamariam de "reposição da inflação".
Na década de 80, consumidores
iam às compras com tabelas de
preços, uma das medidas que os
criadores do Plano Cruzado (86)
usaram para tentar controlar a inflação. Os episódios fizeram parte
de dois dos três grandes ciclos de
inflação que o Brasil enfrentou no
século. A alta descontrolada de
preços começou na década de 30 e
foi um problema quase que onipresente para os formuladores da
política econômica brasileira, que
só conseguiram vencê-la em 1994,
com o lançamento do Plano Real.
Há duas maneiras para calcular
a inflação. A primeira é criar uma
cesta de produtos e conferir o preço de cada um deles no mercado.
Nesse caso, o resultado é um índice de inflação, como o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor
Amplo) do IBGE ou o IPC (Índice
de Preços ao Consumidor) da Fipe. Outra maneira é considerar
todos os preços da economia, por
meio dos preços do Produto Interno Bruto, obtendo um indicador -o deflator implícito do PIB.
Há algumas diferenças, mas os
dois métodos mostram que a história econômica do Brasil foi também a história de surtos inflacionários. O primeiro ocorreu nos
anos 30 e 40: os preços, estáveis no
início dos anos 30, atingiram picos anuais de 20% nos anos 40,
para voltar ao patamar de 6% em
1949. Outro ciclo ocorreu nas décadas de 50 e 60, quando a inflação atingiu o pico anual de 90%
em 1964. O terceiro e mais longo
ciclo começou em 1970 e só terminou com o Plano Real, em 1994.
Em 1990, segundo o deflator do
PIB, a inflação chegou a 2.737%.
Um século de inflação gerou
também um intenso debate sobre
suas causas. Havia quem a considerasse o resultado da disputa entre trabalhadores e empresários
pela renda nacional: os trabalhadores lutavam por aumentos de
salários e os empresários repassavam os aumentos para os preços
para manter as margens de lucro,
criando uma espiral inflacionária.
Outros apontavam para a atuação dos oligopólios, que, dada sua
posição privilegiada, podiam aumentar preços sem receio de perder mercado. A interpretação
mais aceita pelos economistas ortodoxos é que o excesso de gastos
públicos causava a alta generalizada de preços, já que obriga o governo, em déficit, a emitir moeda.
Conviver, durante tantos anos,
com taxas de inflação altas transformou o brasileiro e a economia
do país em craques na indexação
de preços. Havia índices e esquemas de reajuste para tudo. O sistema financeiro criou mecanismos
de proteção e os correntistas podiam proteger seus depósitos.
O governo só conseguiu "matar" a inflação quando eliminou a
maioria desses instrumentos. Antes de lançar a nova moeda, o Plano Real indexou todos os preços
com o mesmo indexador, a URV
(Unidade Real de Valor) e, com
dia e hora marcados, o eliminou.
Com o fim da chamada inércia
inflacionária, chegou ao fim o último ciclo inflacionário do século.
O primeiro impacto positivo foi
sentido pela população mais pobre, que não tinha acesso à blindagem contra a corrosão do dinheiro fornecida pelos bancos aos
seus clientes. Foram os anos do
aumento de vendas do frango e
do iogurte, símbolos do aumento
do poder de compra das pessoas.
Desde o Real, o controle da inflação exigiu sacrifícios que levaram a juros altos, baixo crescimento e elevação do desemprego.
Nessas condições, os trabalhadores perderam renda. De julho de
1994 (mês de lançamento do Real)
até o final de 1996 a renda média
passou a ter um poder de compra
35% maior. Esse ganho baixou
para 15% no final do ano 2000. A
atual pesquisa de rendimento do
IBGE não permite comparações
com períodos anteriores a 2001,
mas, como só em 2003 a perda do
poder de compra já chega a 15%,
em média, em relação a 2002, os
brasileiros já devem ter perdido
os "frangos e iogurtes" extras que
haviam ganhado a partir de 1994.
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