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PORTUGUÊS
Conheça o valor dos tempos verbais
PASQUALE CIPRO NETO
especial para a Folha
Um assunto que tem sido abordado com alguma frequência
nos bons vestibulares é o valor
dos tempos verbais. O problema
começa com o muitas vezes simplório tratamento que várias gramáticas dão ao tema.
É comum encontrar a respeito
do presente algo como "É o tempo que indica o fato que ocorre
no momento da fala". Se assim
fosse, ninguém poderia conjugar
o presente do indicativo do verbo dormir, por exemplo. Afinal,
para dizer
"Eu durmo",
o cidadão precisaria estar
dormindo. Para dizer "Tomo banho todos os dias",
o cidadão precisaria passar
a vida embaixo do chuveiro.
O presente tem outros valores,
além do básico. Pode, por exemplo, indicar o fato que se repete,
que é habitual ("Durmo sete horas por dia"/"Ela almoça às
13h"). Pode indicar fato futuro,
quando acompanhado de advérbio que reforce essa idéia
("Amanhã vou a sua casa"/"Termino a casa no Natal"). Pode, ainda, referir-se a
fato passado ("Em 1500, Cabral
chega ao litoral da Bahia").
Um dos mais constantes é o
pretérito mais-que-perfeito. Seu
valor específico é indicar um fato
passado anterior a outro, "mais
passado" que outro, por isso o
"mais" do nome. Quando se diz
"Quando cheguei lá, ela já saíra", indica-se que "saíra" é fato
anterior a "cheguei".
Muitos professores de português não ensinam a seus alunos o
porquê do nome do
mais-que-perfeito. Também não
ensinam que a forma simples
desse tempo tem uma equivalente composta. Saíra, por exemplo,
equivale a tinha (ou havia) saído:
"Quando cheguei lá, ela já tinha/
havia saído".
O mais-que-perfeito tem pelo
menos dois valores paralelos absolutamente sofisticados. Em
"E, se mais mundo houvera, lá
chegara" (Camões), encontram-se duas formas do
mais-que-perfeito com valor diferente do específico. A primeira
(houvera) equivale a houvesse,
ou seja, tem valor de pretérito
imperfeito do subjuntivo. A segunda (chegara) equivale a
chegaria, forma do futuro
do pretérito. O
trecho equivale a "E, se
mais mundo
houvesse, lá
chegaria".
Apesar de
mais comum na linguagem sofisticada, o mais-que-perfeito aparece em muitas expressões populares, como "Quisera eu!", ou
"Quem me dera!", em que esse
tempo expressa desejo, vontade
de que algo se concretize.
Na bela e difícil "O estrangeiro", Caetano Veloso emprega o
mais-que-perfeito de forma ultra-sofisticada. Em "E eu, menos a conhecera, mais a amara?", Caetano é duplamente requintado. Primeiro, ao usar conhecera em lugar de conhecesse
e amara em lugar de amaria. Depois, ao omitir a conjunção condicional se ("E eu, se a conhecesse menos, mais a amaria?").
Fica a dica: procure conhecer
mais profundamente o assunto.
E esqueça o velho esquema
"presente é presente; pretérito é
pretérito; futuro é futuro".
Pasquale Cipro Neto, 42, é professor de português, idealizador e apresentador do programa "Nossa Língua Portuguesa", da TV Cultura, e consultor da Folha.
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