São Paulo, quinta, 31 de dezembro de 1998

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COMO FICOU - ESQUEMA PAUBRASIL
Esquema arrecadou US$ 19 mi para campanha eleitoral em 90 e 92
Paubrasil foi considerado crime fiscal

da Reportagem Local

Mais de cinco anos depois da revelação do caso Paubrasil, esquema que arrecadou ilegalmente US$ 19 milhões para campanhas eleitorais de Paulo Maluf (PPB) em 90 e 92, nenhum envolvido foi punido pela Justiça.
Até agora, apenas multas foram aplicadas pela Receita Federal devido ao fato de o dinheiro arrecadado não ter sido declarado no Imposto de Renda.
O caso Paubrasil foi revelado pela Folha em julho de 93. A descoberta da operação começou com uma blitz da Receita Federal na sede da empresa, que pertencia ao pianista João Carlos Martins. Além de Maluf, 400 candidatos malufistas aos cargos de deputado federal e estadual foram beneficiados pelo esquema.
O dinheiro para as campanhas era arrecadado de empreiteiras e bancos. Na época, a legislação eleitoral proibia o financiamento de campanhas eleitorais pela iniciativa privada. A Paubrasil montou sofisticado esquema para driblar essa proibição. Maluf tinha conhecimento de toda a operação, segundo Martins.
Para driblar a fiscalização, a Paubrasil mudou seu endereço fiscal várias vezes. Paralelamente a isso, a empresa foi transferida para um "laranja" -pessoa que assume uma empresa como testa-de-ferro.
Além de Martins, a operação era comandada por Calim Eid, amigo e tesoureiro de campanhas de Maluf. Eid era sócio de Martins em uma outra empresa. O esquema beneficiou pessoas ligadas a Maluf, entre elas seu filho, Flávio, que recebeu US$ 400 mil da Paubrasil para pagar, segundo ele, despesas das campanhas.
A Paubrasil usava outro artifício para driblar a fiscalização. Emitia notas fiscais "frias" em nome das empresas que faziam doações. O objetivo era justificar a doação financeira como se fosse prestação de serviços das empresas para a Paubrasil. O Ministério Público considerou falsa a justificativa.
Até agora, o esquema de arrecadação de dinheiro pela Paubrasil foi enquadrado apenas como crime fiscal. A Receita aplicou pesadas multas às empresas que participaram da operação. Fechada após o escândalo, a Paubrasil foi multada em R$ 17,7 milhões.
A multa se deveu ao fato de a Paubrasil não ter recolhido impostos sobre o dinheiro arrecadado. A empresa entrou com recurso, alegando que os doadores e beneficiários já pagaram os impostos, e a multa até hoje não foi executada. Pessoas que receberam dinheiro, como Flávio Maluf, também foram multadas -o filho de Maluf pagou R$ 500 mil.
Empreiteiras contribuíram. A CBPO doou US$ 5,7 milhões, seguida da Andrade Gutierrez (US$ 5 milhões), Constran (US$ 3 milhões) e Mendes Júnior (US$ 1,3 milhão).
As doações feitas por empreiteiras levantam dúvidas sobre o total de dinheiro arrecadado pela Paubrasil. O processo que apurou o caso indica que a soma das doações pode ser superior aos US$ 19 milhões declarados por Martins. Haveria financiadores que não aparecem na lista da Paubrasil.
Após uma longa batalha judicial, o processo está paralisado. O TRE (Tribunal Regional Eleitoral) e a Justiça Federal de São Paulo ainda não definiram quem vai julgar o caso.
A Procuradoria da República acusou Martins, Eid e outros envolvidos de falsidade ideológica, formação de quadrilha e sonegação fiscal. Mas, em 96, o STF (Supremo Tribunal Federal) transferiu o caso da Justiça Federal para a Eleitoral.
O STF entendeu que a motivação do suposto crime era "eleitoral". O TRE tinha aberto inquérito para apurar abuso do poder econômico nas duas campanhas malufistas.
Em 97, o juiz eleitoral Waldir de Nuevo Campos Jr. rejeitou denúncia apresentada pelo Ministério Público.
O promotor pediu a condenação dos réus por entender que as irregularidades cometidas pelos empresários tinham "conexão" com crime eleitoral. Em fevereiro deste ano, o juiz rejeitou novo recurso do MP e decidiu devolver o processo para a Justiça Federal. Desde então o processo está parado, aguardando definição sobre a quem compete o julgamento.

Políticos beneficiados
Os livros contábeis da Paubrasil registravam os nomes dos políticos que receberam dinheiro desse esquema para financiar suas campanhas. Pelo menos 45 candidatos foram beneficiados em 1990.
A grande maioria desses políticos era de São Paulo e pertencia ao PPR, antigo PDS e que se transformou hoje no PPB -partido de Maluf. Mas também havia políticos do PRN, o partido que elegeu Fernando Collor, PTB, PL, PFL, PDT e PSDB.
Os nomes mais conhecidos registrados nos livros da Paubrasil eram os dos ex-deputados José Maria Eymael, Gastone Righi e Beto Mansur (prefeito de Santos).
João Carlos Martins mora hoje em Miami (EUA) e se dedica exclusivamente à música. Em abril, lançou uma série da 21 CDs na qual pela primeira vez um pianista grava a obra completa do compositor Johann Sebastian Bach.
Para Martins, o escândalo acabou servindo de incentivo para superar os problemas de saúde que o afastaram da música em 1983. "Não fosse o refúgio na música, minha vida teria acabado", disse o pianista. Ele disse que, desde o escândalo, não tem mais contato com Maluf.
A Folha perguntou a Martins se ele se sentia usado pelos malufistas. O pianista respondeu com outra pergunta: "E quem não foi usado por eles?".
A assessoria de Maluf não respondeu aos pedidos da Folha de ouvi-lo sobre o caso.



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