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O ser e o nada de um gol contra
MATINAS SUZUKI JR.
do Conselho Editorial
Meus amigos, meus inimigos,
o último número da revista da
Fifa traz uma interessante
questão, digamos assim, filosófica do futebol.
Existe o gol contra? (Você sabia que ``juridicamente'' ele
nunca existiu?).
A regra 10 diz o seguinte: ``será gol quando a bola houver
ultrapassado totalmente a linha da meta entre os postes e
debaixo da trave sem que haja
sido levada, lançada ou intencionalmente golpeada com a
mão ou o braço por qualquer
jogador da equipe atacante,
exceto no caso de que o faça o
goleiro que se encontre em sua
própria área''.
Onde está o gol contra, também chamado de autogol? Só
temos menção ao time que
ataca, não ao que defende.
Se o gol contra não existe na
lei, quem decide se houve ou
não um gol contra?
Se você não sabia, a ``constituição'' do futebol não obriga
ninguém a registrar o autor de
um gol. Para a lei, o gol é anônimo, obra de um coletivo (o
espírito da lei procurou, nesse
caso, valorizar mais a equipe
do que o indivíduo).
Apesar disso, a organização
e o mercado do futebol passaram a dar grande valor à autoria de um gol.
Se um atacante chuta a bola,
ela desvia em um defensor adversário e entra no gol, de
quem foi o gol?
O gol entrará para o livro negro do defensor ou para o livro
de glórias do atacante?
Quem deve decidir, diz a Fifa, é o juiz (embora isso não
faça parte das suas atribuições
principais), Fifa que, apesar
da omissão da lei, é obrigada a
reconhecer o gol contra.
E, como no futebol existe
uma grande parte de subjetividade, deve-se julgar, segundo
a revista da Fifa, se houve ou
não um ato deliberado do jogador que defende.
Essa recomendação leva a
uma perguntinha safada: em
condições normais, haverá algum defensor que fará deliberadamente um gol contra?
A imensa maioria dos defensores que já anotaram contra a
suas próprias redes provará
por A mais B que o gol foi sem
propósito. Portanto, do ponto
de vista subjetivo, não haverá
nunca um gol contra.
A controvérsia reinará sempre. O goleiro tenta defender a
bola, ela passa por ele, bate na
trave, rebate nas suas costas e
entra no gol. O goleiro, é claro,
não queria marcar contra.
Nesse caso, a revista da Fifa
considera gol contra por que
ele saltou deliberadamente para evitar o tento. Certo?
Talvez sim, talvez não. A
questão certamente dará muito pano para manga, dessas
mangas de camisa de goleiro.
Seja como for, o índice de
gols contra reconhecidos é pequeno. Dos 1.584 gols marcados em todas as Copas do
Mundo, apenas 18, cerca de
1,1%, foram gols contra.
Quanto a mim, creio que a
definição de um gol contra será eminentemente moral.
O defensor que empurrou a
bola para a rede dificilmente
escapará ao drama de consciência, ainda que o gol entre
para a contabilidade do artilheiro adversário.
Ao artilheiro sempre restará
o sabor de gol menor, se ele foi
tabelado no corpo de um jogador inimigo.
A questão é tão moral que
um pobre defensor, o colombiano Escobar, perdeu a vida
por causa de um gol contra.
Matinas Suzuki Jr. escreve às terças, quintas e
sábados
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