São Paulo, quinta, 1 de maio de 1997.

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O ser e o nada de um gol contra

MATINAS SUZUKI JR.
do Conselho Editorial

Meus amigos, meus inimigos, o último número da revista da Fifa traz uma interessante questão, digamos assim, filosófica do futebol.
Existe o gol contra? (Você sabia que ``juridicamente'' ele nunca existiu?).
A regra 10 diz o seguinte: ``será gol quando a bola houver ultrapassado totalmente a linha da meta entre os postes e debaixo da trave sem que haja sido levada, lançada ou intencionalmente golpeada com a mão ou o braço por qualquer jogador da equipe atacante, exceto no caso de que o faça o goleiro que se encontre em sua própria área''.
Onde está o gol contra, também chamado de autogol? Só temos menção ao time que ataca, não ao que defende.
Se o gol contra não existe na lei, quem decide se houve ou não um gol contra?
Se você não sabia, a ``constituição'' do futebol não obriga ninguém a registrar o autor de um gol. Para a lei, o gol é anônimo, obra de um coletivo (o espírito da lei procurou, nesse caso, valorizar mais a equipe do que o indivíduo).
Apesar disso, a organização e o mercado do futebol passaram a dar grande valor à autoria de um gol.
Se um atacante chuta a bola, ela desvia em um defensor adversário e entra no gol, de quem foi o gol?
O gol entrará para o livro negro do defensor ou para o livro de glórias do atacante?
Quem deve decidir, diz a Fifa, é o juiz (embora isso não faça parte das suas atribuições principais), Fifa que, apesar da omissão da lei, é obrigada a reconhecer o gol contra.
E, como no futebol existe uma grande parte de subjetividade, deve-se julgar, segundo a revista da Fifa, se houve ou não um ato deliberado do jogador que defende.
Essa recomendação leva a uma perguntinha safada: em condições normais, haverá algum defensor que fará deliberadamente um gol contra?
A imensa maioria dos defensores que já anotaram contra a suas próprias redes provará por A mais B que o gol foi sem propósito. Portanto, do ponto de vista subjetivo, não haverá nunca um gol contra.
A controvérsia reinará sempre. O goleiro tenta defender a bola, ela passa por ele, bate na trave, rebate nas suas costas e entra no gol. O goleiro, é claro, não queria marcar contra.
Nesse caso, a revista da Fifa considera gol contra por que ele saltou deliberadamente para evitar o tento. Certo?
Talvez sim, talvez não. A questão certamente dará muito pano para manga, dessas mangas de camisa de goleiro.
Seja como for, o índice de gols contra reconhecidos é pequeno. Dos 1.584 gols marcados em todas as Copas do Mundo, apenas 18, cerca de 1,1%, foram gols contra.
Quanto a mim, creio que a definição de um gol contra será eminentemente moral.
O defensor que empurrou a bola para a rede dificilmente escapará ao drama de consciência, ainda que o gol entre para a contabilidade do artilheiro adversário.
Ao artilheiro sempre restará o sabor de gol menor, se ele foi tabelado no corpo de um jogador inimigo.
A questão é tão moral que um pobre defensor, o colombiano Escobar, perdeu a vida por causa de um gol contra.


Matinas Suzuki Jr. escreve às terças, quintas e sábados

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