São Paulo, terça-feira, 01 de junho de 2004

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BASQUETE

Toco cru

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

Dois saltos simultâneos. Tayshaun Prince, do Detroit, um passo adiante da linha de lance livre; Reggie Miller, do Indiana, embaixo da cesta. O vôo de Prince apaga os três metros de diferença. Sua mão esquerda bloqueia a bandeja, centímetros antes que a bola toque na tabela e provoque o empate, a 17 segundos do fim. O lance mais bonito, empolgante deste campeonato.
Já antevejo a saraivada inconformada de queixas. E as acrobacias do Kobe Bryant, o chute milagroso do Derek Fisher, as cestas vitaminadas do LeBron James, os passes absurdos de Jason Kidd? De todos os lances da NBA, o sujeito vai destacar logo um de defesa? É coisa de paulista mal-humorado! Mal-amado! A Folha é do contra até em análise estética!
Calma, galera, segurem seus e-mails. Concordamos, não há esporte com a dinâmica e riqueza de movimentos do basquete.
O sujeito pode driblar ou não, seguir pela direita ou pela esquerda (ou pelo alto), saltar antes ou depois, chutar assim ou assado.
Em 24 segundos de posse de bola (ou 23, 22...), tudo pode acontecer. E, em cada 24 segundos (ou 23, 22...), acontece algo diferente.
Naturalmente somos estimulados a procurar essa fagulha de criação, a inspiração, o que convencionamos chamar de arte. E o nosso olhar, treinado a rejeitar tudo o que conspira contra ela.
Mas é justamente o livre arbítrio das ações ofensivas que, no basquete, empresta magnitude e beleza a um desarme, a um toco, a uma armadilha. Você acha difícil fazer as maravilhas de Kobe? Vá, então, tentar impedir que Kobe faça as suas maravilhas.
Os mata-matas da liga norte-americana, a melhor defesa do planeta, têm oferecido diariamente, pela TV, chances de se encantar pelo "lado B" do esporte.
Como a malícia de Karl Malone, que atrai a atenção de todos (até dos juízes) com os braços, mas utiliza os quadris para evitar que craques como Tim Duncan e Kevin Garnett se acomodem no garrafão do Los Angeles Lakers.
A agressiva marcação por zona do Minnesota, que flutua Garnett no miolo do garrafão, pronto para dar o bote. E o desapego do mesmo Garnett, que, em situações críticas, avança até em oponentes mais baixos e rápidos, como Kobe (este, na partida de sábado, devolveu a "cortesia").
A sincronia do "front court" do Detroit, alas e pivôs posicionados em linha, que suga adversários para perto da tabela a fim de martelá-los com tocos. Os braços da parelha de Wallaces, Ben e Rasheed, lembram um balé!
Ou a aplicação de Ron Artest, eleito o melhor "stopper" pelos técnicos da NBA -a válvula da panela de pressão do Indiana.
Ao contrário do que se imagina, marcar nem sempre requer velocidade, força e explosão física. Mais importante é possuir visão de jogo, saber antecipar as ações do adversário e, uma vez feito esse obrigatório exercício intelectual, dar asas à imaginação.
Rachar o basquete em dois, entre ataque e defesa, só interessa aos preguiçosos, aos que detestam treinar (e dar treinos). Quem se dispuser a ver o jogo como um todo vai se divertir ainda mais.

Defesa 1
É um erro dizer que os placares emagreceram porque o nível técnico da NBA caiu. Nos últimos 30 anos, o atleta da liga cresceu em média 8 cm e 12 kg. Mas a quadra seguiu do mesmo tamanho.

Defesa 2
O divertido índice rebotes/arremesso destaca os jogadores com fome de bola, mas sem aferro à cesta. Pelo segundo ano consecutivo, o cabeludo ala-pivô Ben Wallace (Detroit) ocupa o topo desse ranking.

Defesa 3
Os cestinhas Tracy McGrady (Orlando), Vince Carter (Toronto) e Allen Iverson (Philadelphia) não classificaram os times aos playoffs. Estão os três na lista dos negociáveis para a próxima temporada.

E-mail melk@uol.com.br


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