São Paulo, segunda, 1 de junho de 1998

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1938-1998: 60 anos de Copa de Mundo na França

BENTO PRADO JR.

Vinte anos separam a derrota do Brasil para Itália, na França, da derrota da França para o Brasil em 1958, na Suécia. Os derrotados, nessas ocasiões, como sabe o historiador, eram equipes da melhor categoria. Em 1986, infelizmente o Brasil passou pela experiência de ser eliminado pela França.
Hoje, os franceses esperam uma final que defronte França e Brasil. Como também desejamos. Afinal, é mais do que uma gentil retribuição: é preciso reconhecer a grande qualidade (ou seria narcisismo nosso essa identificação neolatina?) do futebol francês. Qualidade mostrada ao longo de todas as Copas de que participou.
Numa palavra, como meu colega de futebol Platini, só posso exprimir meu desejo de ver essa bela final. Mas meu saber técnico, desatualizado e muito limitado, nada me permite de análise e previsão.
Posso, todavia, recorrer, na impossibilidade de antever o futuro, à memória de um passado esquecido. Nem todo mundo conhece hoje pequenas ou grandes anedotas da Copa da França de 1938.
Histórias que posso contar, embora tivesse menos de um ano de idade quando de sua ocorrência (de verdade, "ao vivo", só assisti a um jogo de Copa do Mundo: o infeliz Brasil x Suíça, em 1950, no Pacaembu, que só terminou em empate de 2 a 2 graças à áurea cabeça de Baltazar).
O fato é que há 20 anos, ao acaso de encontros nas mesas do saudoso "Chic-chá", nas calçadas da avenida Angélica, tive o privilégio de ouvir o Luisinho (Luiz Mesquita de Oliveira, ponta e meia-direita da seleção de 1938, grande craque do Palestra Itália e do São Paulo F.C) contando a experiência daquele trágico ano. Trágico para o futebol brasileiro, mas também para a democracia em todo o mundo, com a ascensão do nazi-fascismo.
A organização técnica da seleção, na época, previa duas equipes, A e B, autônomas e independentes, a serem, escolhidas, em cada peleja, segundo a conjuntura temporal (como no Jockey Club são discriminados à "pista pesada" e à "pista leve").
O fato é que a equipe escolhida para enfrentar a Itália deslocou-se de Paris para o Sul com a desejada antecedência, enquanto a outra viajou de trem (1.000 km, mais ou menos) na noite anterior ao jogo. Aparentemente, houve cachaça ao longo da viagem. Por alguma razão, o técnico inverteu na última hora a escolha da equipe: jogaram contra a Itália os viajantes tresnoitados.
Mas o Luisinho me contou outra melhor. Depois da derrota, a seleção, em excursão européia, enfrentou amistosamente a seleção da Iugoslávia. Não deu outra: depois de fazer 4 x 0 contra os adversários, no intervalo, os brasileiros resolveram "dar um baile" no segundo tempo. Resultado: 8 x 4 para os iugoslavos! O leitor já imaginou o que significam oito gols em 45 minutos?
Meu desejo, repito, é a final França x Brasil. E sobretudo, que o Brasil de 98 seja tão bom quanto o de 38 (do Domingos da Guia, do Leônidas, do Luisinho, etc), mas, digamos, um pouco mais sóbrio e pragmático. Mas não tão pragmático quanto deseja o Zagallo. Pior ainda, em matéria de pragmatismo, meu desejo é que o Brasil seja campeão, mesmo se o Zagallo tiver razão.


Bento Prado Jr., 61, é professor de filosofia da Universidade Federal de São Carlos (SP)



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