|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TURISTA OCIDENTAL
Após saga atrás de bilhete, primeiro brasileiro a entrar no estádio se emociona
ao ver a seleção ao vivo
Higa um brasileiro
MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A YOKOHAMA
Com vergonha de chorar, o brasileiro segurou as lágrimas ao lado
da mulher, da filha e dos amigos.
A mulher chorou, como numerosos torcedores à sua volta, desde o primeiro gol.
Muitos outros choraram nas cadeiras do International Stadium
Yokohama quando o jogo terminou, e a seleção conquistou o pentacampeonato.
Em campo, Denílson começou
a chorar copiosamente assim que
o italiano Pierluigi Collina apitou
o fim da partida.
Companheiros seus choraram.
Na entrevista pós-jogo, o técnico Luiz Felipe Scolari tentou a
custo conter o pranto.
O brasileiro gritou tanto que,
mesmo antes de a decisão acabar,
já estava rouco no setor de categoria 3 do estádio (US$ 300 o ingresso). Pouco mais de uma hora depois, falava com esforço pelo celular cuja bateria se esgotava.
Ele caminhava para a estação
ferroviária de Shin-Yokohama.
Pegaria o trem para Tóquio, onde
deixou o carro. Em seguida iria
para casa em Ibaraki, região do time do Kashima Antlers.
O brasileiro é Denísio Higa
(pronuncia-se ""Riga"), 27, nascido em Campinas e criado em Artur Nogueira, uma pequena cidade do interior paulista entre Mogi
Mirim e Limeira.
Nunca tinha ido a um jogo da
seleção. ""Nem amistoso." Do seu
clube, o São Paulo, também não.
Veio para o Japão em 1992.
Abandonou os estudos e deixou
para trás a vida na roça. Bicos no
cultivo de laranja lhe rendiam um
dinheiro que reforçava as finanças magras.
Hoje cumpre jornadas de 12 horas numa fábrica de produtos de
borracha. Ajuda a mãe e quatro
irmãos -dois doentes e dois desempregados- que moram com
ela no Brasil.
Às 5h40 de ontem, Higa, a mulher, Teresinha Tiomatsu da Costa, 27, e a filha, Karine Higa, 5, foram os primeiros brasileiros a
chegar ao estádio para a final.
Com 11 amigos, saíram três horas antes de Ibaraki. Enquanto os
portões não abriram, por volta
das 17h, comeram pastéis de carne, queijo e frango com catupiry
vendidos num caminhão por ali.
""A noite foi de frio e sono", contou Higa depois.
Pela terceira noite consecutiva,
ele não dormiu. Ocupou as anteriores com a caçada a bilhetes para a final. O amigo Henrique Suzuki, 23, já tinha resolvido parte
dos problemas.
Nascido em Curitiba e também
morador de Ibaraki, onde é operário numa fábrica, Suzuki foi para Tóquio na quinta-feira.
No dia seguinte seriam oferecidas, somente para brasileiros, entradas que sobraram.
O paranaense entrou na fila às
14h de quinta, atrás de 500 compatriotas. Às 9h30 de sexta, sem
ter pregado os olhos, comprou
dois bilhetes por cada passaporte
que apresentou.
Quando o grupo completou a
viagem, sentando-se numa passarela sobre um riacho diante do estádio, já amanhecera. ""Desde pequeno sonhava ver um jogo da seleção. No Brasil, não poderia.
Aqui, trabalhando, se consegue",
afirmou Higa.
Às 14h32 de ontem, foi fácil encontrá-lo. O repórter foi para o
começo da fila e perguntou alto:
""Quem é brasileiro aqui?". Ele, os
parentes e os amigos estavam entre os primeiros, atrás de cerca de
dez japoneses -todos decididos
a torcer pelo Brasil.
Os brasileiros chegaram cedo
com medo de problemas com os
lugares, mesmo marcados nos ingressos. ""E japonês não fura fila,
mas brasileiro, sim."
Cinco horas antes da final (20h
em Yokohama, 8h em Brasília),
quando Higa ainda estava na fila,
o ingresso de categoria 2 (US$ 500
na origem) era negociado por
cambistas a US$ 3.000 (R$ 8.400,
considerando o dólar a R$ 2,80).
A cerimônia de encerramento
da Copa começou às 18h25. Era
noite. Os jogadores Belletti e Júnior foram ao gramado filmar. Às
19h25, a transmissão da TV, por
acaso, exibiu para todo o mundo
Higa na platéia.
No anúncio das equipes, comprovou-se com os ouvidos o que
os olhos já denunciavam: a torcida pelo Brasil era esmagadoramente majoritária. Ronaldo, Rivaldo e Roberto Carlos foram
ovacionados.
Na pose para a foto, em vez de
só os titulares aparecerem, os reservas se juntaram. Com núcleos
ativos empurrando o time, em
contraste com a torcida passiva de
outras partidas, a seleção brasileira jogou ""em casa". As atrasadas
de bola alemãs para o goleiro
Kahn eram vaiadas.
Aos 43 minutos do segundo
tempo, com o triunfo consolidado em 2 a 0, os gritos de ""pentacampeão" tomaram o estádio.
No momento em que Cafu, tal
qual uma estátua grega, ergueu o
troféu, uma chuva de papéis dourados e de milhares origamis (dobraduras de papel) de várias cores
caiu do alto.
No papel do origami estavam
impressos o logotipo da Copa e a
data da final. Uma relíquia para
guardar. As dobraduras foram
feitas no formato do Tsuru, um
pássaro japonês que simboliza a
felicidade e a longevidade.
""Não imaginava que fosse me
sentir tão feliz", disse Higa, pelo
celular, enquanto ia para a estação
de trem e contava sua saga no estádio. ""Só ver a seleção foi um sonho realizado. Ela campeã, então,
foi a glória."
Hoje ele não entraria na fábrica
às 8h, como de costume, mas às
19h, para sair às 7h de amanhã.
""Vou chegar com mais moral
por ser brasileiro. Sei que isso tudo vai entrar para a história do futebol. Mas vai entrar também para a minha história. Eu nunca vou
esquecer."
Texto Anterior: Soninha: Ronaldo e bilhões de pessoas felizes Próximo Texto: Melchiades Filho: A Copa com a alma do torcedor
Índice
|