São Paulo, quinta-feira, 01 de julho de 2004

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FUTEBOL

"Metem o pau"

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

Por prazer e por dever, quis assistir um pouco de tudo no domingo. Vi o primeiro tempo de República Tcheca x Dinamarca em casa e corri para o Pacaembu para acompanhar Palmeiras x São Paulo. Cheguei ao estádio aos 20min do primeiro tempo, com a minha filha de sete anos. Tenho credencial, mas a minha companhia não estava lá a trabalho... Tentei comprar ingresso, só que as bilheterias já estavam fechadas -"Não vinha mais ninguém, aí eles já foram lá fazer o... Como é?". "Borderô?". "Isso!".
Prestes a jogar a toalha, fui abordada por um funcionário da federação paulista, um senhor dos seus 60 anos, com cara de bravo: "O que está acontecendo com essa moça, que está andando para lá e para cá há um tempão?".
Explicada a história, decretou: "Deixe elas entrarem! Eles já metem o pau na gente; depois vai sair que a moça estava com carteira e não conseguiu entrar, aí já viu". E nos acompanhou, muito gentil, com seu mau humor meio fingido, até o portão de entrada.
Achei curioso ele dizer "eles já metem o pau na gente". Nós "metemos o pau", sim, nos dirigentes de modo geral, incluindo os de federações -pelos regulamentos esdrúxulos, pelo mau planejamento (administrativo, financeiro e esportivo), pelos calotes no INSS, pela falta de transparência, a eternização no poder, enriquecimentos suspeitos, associações mal explicadas, a falta de empenho em mudar algumas coisas (como o caos na venda de ingressos e acesso aos estádios) e a eterna mania de pôr a culpa em alguém mais pelo estado de penúria do futebol. O fiscal que trabalha ao lado da catraca em dia de jogo não é o alvo da nossa ira, mas se sente na berlinda. Para ele, a imprensa representa de certa forma "o adversário", talvez o inimigo.
No futebol ou em qualquer outra área, há uma preocupação maior com "a imprensa" do que com as pessoas "comuns". Em casos de maus-tratos, conhecidos meus já apelaram para o "eu conheço uma jornalista, e ela vai publicar o que acontece aqui". Eu mesma jamais daria uma "carteirada", mas não os culpo por invocar a mídia como guardiã.
O problema é não invocar os verdadeiros guardiões: ouvidorias, corregedorias, o Procon. Recebo muitas mensagens relatando problemas de ingressos -filas, horários desrespeitados e informações erradas- com o apelo: "Vocês têm de fazer alguma coisa! Contamos com vocês!".
Enquanto isso, o Procon de São Paulo trabalha mais por iniciativa própria -e para atender às cobranças e apelos que chegam por meio da própria mídia- do que por queixas da população, que quase não o procura para reclamar do futebol. O torcedor protesta no jornal e na TV, mas não vai ao Poupatempo!
Nem salvadora nem adversária, embora possa fazer os dois papéis, a mídia tem o dever de noticiar com correção -denunciar se for o caso e também reconhecer os avanços e as medidas acertadas. Sei que às vezes negligenciamos essa parte, mas tenho certeza que não critico sem motivo.

Cativada
Minha filha, que quase abriu um berreiro de frustração e medo na porta do estádio (não entendia direito por que aqueles homens uniformizados não nos deixavam entrar para ver o jogo), divertiu-se muito na arquibancada. No dia seguinte, ela acordou tagarelando sobre o jogo, despejando 200 informações por minuto para o pai que ainda estava meio sonado. Na hora do almoço, ela correu para a frente da TV quando o "Globo Esporte" mostrou os gols ("A gente estava lá!"). É incrível como ir ao estádio cativa um(a) torcedor(a); não se pode desprezar ou estragar essa experiência. Os promotores do espetáculo têm de dar mais valor e atenção ao público da arquibancada, em nome da sobrevivência do futebol.

E-mail
soninha.folha@uol.com.br


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