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FUTEBOL
"Metem o pau"
SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA
Por prazer e por dever, quis
assistir um pouco de tudo no
domingo. Vi o primeiro tempo de
República Tcheca x Dinamarca
em casa e corri para o Pacaembu
para acompanhar Palmeiras x
São Paulo. Cheguei ao estádio aos
20min do primeiro tempo, com a
minha filha de sete anos. Tenho
credencial, mas a minha companhia não estava lá a trabalho...
Tentei comprar ingresso, só que
as bilheterias já estavam fechadas
-"Não vinha mais ninguém, aí
eles já foram lá fazer o... Como
é?". "Borderô?". "Isso!".
Prestes a jogar a toalha, fui
abordada por um funcionário da
federação paulista, um senhor
dos seus 60 anos, com cara de bravo: "O que está acontecendo com
essa moça, que está andando para lá e para cá há um tempão?".
Explicada a história, decretou:
"Deixe elas entrarem! Eles já metem o pau na gente; depois vai
sair que a moça estava com carteira e não conseguiu entrar, aí já
viu". E nos acompanhou, muito
gentil, com seu mau humor meio
fingido, até o portão de entrada.
Achei curioso ele dizer "eles já
metem o pau na gente". Nós "metemos o pau", sim, nos dirigentes
de modo geral, incluindo os de federações -pelos regulamentos
esdrúxulos, pelo mau planejamento (administrativo, financeiro e esportivo), pelos calotes no
INSS, pela falta de transparência,
a eternização no poder, enriquecimentos suspeitos, associações
mal explicadas, a falta de empenho em mudar algumas coisas
(como o caos na venda de ingressos e acesso aos estádios) e a eterna mania de pôr a culpa em alguém mais pelo estado de penúria
do futebol. O fiscal que trabalha
ao lado da catraca em dia de jogo
não é o alvo da nossa ira, mas se
sente na berlinda. Para ele, a imprensa representa de certa forma
"o adversário", talvez o inimigo.
No futebol ou em qualquer outra área, há uma preocupação
maior com "a imprensa" do que
com as pessoas "comuns". Em casos de maus-tratos, conhecidos
meus já apelaram para o "eu conheço uma jornalista, e ela vai
publicar o que acontece aqui". Eu
mesma jamais daria uma "carteirada", mas não os culpo por invocar a mídia como guardiã.
O problema é não invocar os
verdadeiros guardiões: ouvidorias, corregedorias, o Procon. Recebo muitas mensagens relatando problemas de ingressos -filas,
horários desrespeitados e informações erradas- com o apelo:
"Vocês têm de fazer alguma coisa!
Contamos com vocês!".
Enquanto isso, o Procon de São
Paulo trabalha mais por iniciativa própria -e para atender às
cobranças e apelos que chegam
por meio da própria mídia- do
que por queixas da população,
que quase não o procura para reclamar do futebol. O torcedor
protesta no jornal e na TV, mas
não vai ao Poupatempo!
Nem salvadora nem adversária,
embora possa fazer os dois papéis,
a mídia tem o dever de noticiar
com correção -denunciar se for
o caso e também reconhecer os
avanços e as medidas acertadas.
Sei que às vezes negligenciamos
essa parte, mas tenho certeza que
não critico sem motivo.
Cativada
Minha filha, que quase abriu
um berreiro de frustração e medo na porta do estádio (não entendia direito por que aqueles
homens uniformizados não
nos deixavam entrar para ver o
jogo), divertiu-se muito na arquibancada. No dia seguinte,
ela acordou tagarelando sobre
o jogo, despejando 200 informações por minuto para o pai
que ainda estava meio sonado.
Na hora do almoço, ela correu
para a frente da TV quando o
"Globo Esporte" mostrou os
gols ("A gente estava lá!"). É incrível como ir ao estádio cativa
um(a) torcedor(a); não se pode
desprezar ou estragar essa experiência. Os promotores do
espetáculo têm de dar mais valor e atenção ao público da arquibancada, em nome da sobrevivência do futebol.
E-mail
soninha.folha@uol.com.br
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