São Paulo, sábado, 01 de julho de 2006

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análise

França sonha com Brasil

AGATHE GIRAUD
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando um francês sonha com futebol, ele se vê atravessando o gramado com a bola, driblando rivais petrificados em uma dança endiabrada, catapultando a pelota em manobra audaciosa, um chute poderoso, um toque genial ou uma cabeçada em peixinho rumo ao gol, enquanto a multidão exulta, os aplausos ressoam e o estádio se enfeita de olas. Ou seja, quando um francês sonha com futebol, se imagina brasileiro.
O jogo de hoje não é como os outros, para nós, porque o Brasil jamais será um time como os outros, já que se sagrou cinco vezes campeã mundial e colocou no firmamento cinco estrelas novas, brilhantes como nunca, e que qualquer pessoa pode contemplar quando a noite chega, não importa em que parte do mundo ela esteja.
No entanto, os franceses não têm medo e, à imagem de um Zidane, que deseja calar as más línguas que consideravam que ele estaria melhor aposentado, de um Thierry Henry, juvenil e vencedor, de um Franck Ribéry, temerário e inspirado, de um Patrick Vieira, que reencontrou a boa forma física, a equipe da França, "Les Bleus" (Os Azuis), pretende provar aos brasileiros que também está destinada à vitória e que tem lugar próprio reservado no firmamento das grandes seleções.
Raymond Domenech, o treinador da França, define o time como "eterno azarão", apesar de, das três partidas entre as duas equipes em Copas, duas terem terminado com vitórias francesas. Em 1958, Pelé nos eliminou. Em 1986, uma disputa memorável de pênaltis nos abriu o caminho das semifinais.
E, em 1998, tivemos de nos beliscar para nos convencermos de que havíamos mesmo marcado contra "a seleção" três tentos assassinos, cuja música continua a ressoar em nossos ouvidos ("e um e dois e três a zero"): os deuses caídos, os ídolos derrotados, e os franceses se sentindo, por algum tempo, como senhores do universo.
Sempre azarões, mas decididos a transmitir uma mensagem ao mundo. Não, Zidane não está velho, lento e fatigado demais. Sim, Zidane é um dos maiores jogadores de todos os tempos. Sim, ele merece encerrar sua carreira em uma final de Copa. Sim, os franceses acreditam nele e imaginam que sua vontade seja invencível. Os brasileiros, por sua vez, crêem em seus atletas, em seu "velho" Ronaldo. Será que estes últimos têm na boca amargor suficiente ou desejo suficientemente insaciável de destruir nossa confiança, reverter nossa certeza?
Saberemos a resposta hoje, quando a fé e o gênio de uns e de outros se defrontarão em um grande jogo de futebol.
Assim, duelo entre estrelas ascendentes ou decadentes, a depender de diferentes opiniões, esse encontro tem sabor tanto das recordações quanto do porvir, e o odor da história do futebol sendo escrita.
Entendam, pois, o nosso grito: ó, Brasil, pátria do futebol, de sua beleza, de sua elegância, de seu gênio e de sua nobreza, pátria de mestiçagem, de suas cores, de suas danças, pátria de Pelé, de Zico, de Garrincha, de Romário, de Ronaldo, de Ronaldinho, ó, Brasil, os franceses te adoram e, porque te adoram, te querem derrubar. E, porque te adoram, te derrubarão. E um, e dois, e três a zero.


AGATHE GIRAUD, 34, é francesa, doutoranda em Literatura na Universidade de Paris e professora de Letras na Universidade de Créteil

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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