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análise
França sonha com Brasil
AGATHE GIRAUD
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quando um francês sonha
com futebol, ele se vê atravessando o gramado com a bola,
driblando rivais petrificados
em uma dança endiabrada, catapultando a pelota em manobra audaciosa, um chute poderoso, um toque genial ou uma
cabeçada em peixinho rumo ao
gol, enquanto a multidão exulta, os aplausos ressoam e o estádio se enfeita de olas. Ou seja,
quando um francês sonha com
futebol, se imagina brasileiro.
O jogo de hoje não é como os
outros, para nós, porque o Brasil jamais será um time como os
outros, já que se sagrou cinco
vezes campeã mundial e colocou no firmamento cinco estrelas novas, brilhantes como
nunca, e que qualquer pessoa
pode contemplar quando a noite chega, não importa em que
parte do mundo ela esteja.
No entanto, os franceses não
têm medo e, à imagem de um
Zidane, que deseja calar as más
línguas que consideravam que
ele estaria melhor aposentado,
de um Thierry Henry, juvenil e
vencedor, de um Franck Ribéry, temerário e inspirado, de
um Patrick Vieira, que reencontrou a boa forma física, a
equipe da França, "Les Bleus"
(Os Azuis), pretende provar aos
brasileiros que também está
destinada à vitória e que tem
lugar próprio reservado no firmamento das grandes seleções.
Raymond Domenech, o treinador da França, define o time
como "eterno azarão", apesar
de, das três partidas entre as
duas equipes em Copas, duas
terem terminado com vitórias
francesas. Em 1958, Pelé nos
eliminou. Em 1986, uma disputa memorável de pênaltis nos
abriu o caminho das semifinais.
E, em 1998, tivemos de nos beliscar para nos convencermos
de que havíamos mesmo marcado contra "a seleção" três
tentos assassinos, cuja música
continua a ressoar em nossos
ouvidos ("e um e dois e três a
zero"): os deuses caídos, os ídolos derrotados, e os franceses se
sentindo, por algum tempo, como senhores do universo.
Sempre azarões, mas decididos a transmitir uma mensagem ao mundo. Não, Zidane
não está velho, lento e fatigado
demais. Sim, Zidane é um dos
maiores jogadores de todos os
tempos. Sim, ele merece encerrar sua carreira em uma final de
Copa. Sim, os franceses acreditam nele e imaginam que sua
vontade seja invencível. Os brasileiros, por sua vez, crêem em
seus atletas, em seu "velho" Ronaldo. Será que estes últimos
têm na boca amargor suficiente
ou desejo suficientemente insaciável de destruir nossa confiança, reverter nossa certeza?
Saberemos a resposta hoje,
quando a fé e o gênio de uns e
de outros se defrontarão em
um grande jogo de futebol.
Assim, duelo entre estrelas
ascendentes ou decadentes, a
depender de diferentes opiniões, esse encontro tem sabor
tanto das recordações quanto
do porvir, e o odor da história
do futebol sendo escrita.
Entendam, pois, o nosso grito: ó, Brasil, pátria do futebol,
de sua beleza, de sua elegância,
de seu gênio e de sua nobreza,
pátria de mestiçagem, de suas
cores, de suas danças, pátria de
Pelé, de Zico, de Garrincha, de
Romário, de Ronaldo, de Ronaldinho, ó, Brasil, os franceses
te adoram e, porque te adoram,
te querem derrubar. E, porque
te adoram, te derrubarão. E
um, e dois, e três a zero.
AGATHE GIRAUD, 34, é francesa, doutoranda
em Literatura na Universidade de Paris e professora de Letras na Universidade de Créteil
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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