São Paulo, quarta-feira, 01 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL

O básico e o extra (2)

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Na coluna anterior, aproveitei a frase do Renê Simões, de que as jogadoras brasileiras fazem melhor o extra, e as americanas, o básico, para dizer que o futebol feminino do Brasil será o melhor do mundo quando aprender bem o básico, ou seja, a técnica individual e coletiva para vencer.
Escrevi ainda que o futebol feminino americano, como o masculino, já atingiu o máximo, pois o extra (habilidade, criatividade, improvisação) não se aprende. A seleção masculina dos EUA faz tudo certinho e consegue, no máximo, perder de pouco para o Brasil.
Disse ainda que o futebol masculino do Brasil é o primeiro do mundo porque faz bem o básico, como as outras principais seleções, e é superior no extra. A beleza e a magia do futebol estão no extra, e não no básico.
Na Copa de 94, ao ver a Nigéria dar um show de habilidade na Itália, criar mais chances de gols e perder, como aconteceu com as brasileiras contra os EUA, imaginei que os africanos seriam hoje, dez anos depois, os grandes rivais do Brasil, pois poderiam aprimorar o extra e aprender o básico.
Não foi o que aconteceu. Os técnicos europeus que foram para a África destruíram o futebol do continente. Hoje, os africanos jogam um futebol defensivo, violento e sem criatividade. Desaprenderam o extra e não aprenderam o básico.
Do futebol, salto para o vôlei. Ninguém vai acreditar, mas na adolescência era o levantador de um time de vôlei que foi campeão num torneio entre bairros promovido pelo Sesc. Poderia ter sido um Ricardinho se não fosse para o futebol.
Suponho que o vôlei é um esporte muito mais de fundamentos técnicos, de jogadas treinadas, do que de improvisação e de fantasia. O básico no vôlei é mais importante do que o extra. No futebol, é o contrário.
Além de hábeis e criativos, os jogadores brasileiros de vôlei fazem com extrema eficiência tudo que é básico e essencial. Eles dominam toda a técnica individual e coletiva para vencer. Como disse o repórter André Kfouri, da ESPN Brasil, os jogadores não são profissionais de vôlei, são profissionais de vitórias.
Bernardinho é o principal responsável por todo esse esplendor técnico. Ele disse após a conquista que a primeira sensação foi de alívio. Alívio e fim da culpa imaginaria, de que faltou alguma coisa para fazer durante os treinos. Os perfeccionistas estão sempre insatisfeitos e sofrem por isso.
Mas, logo após um breve tempo, Bernardinho relaxou e sentiu o orgulho e o infinito prazer de ser campeão olímpico e o melhor técnico do mundo.

Os loucos são essenciais
Gostei de a Argentina ganhar a medalha de ouro no futebol masculino, porque era muito melhor do que as outras e é a única seleção, mesmo fora da Olimpíada, que tenta fazer algo diferente. A diversidade é sempre benéfica.
Não me refiro ao esquema tático com três zagueiros. Isso tem menos importância, e prefiro o com dois zagueiros e dois laterais, como atuam o Brasil e outras seleções.
Com exceção da Argentina, todas as seleções, incluindo a do Brasil, têm a mesma postura. Jogam um futebol racional, seguro e equilibrado. Os técnicos fazem e falam as mesmas coisas. Não existe mais diferença entre o estilo coletivo brasileiro e o europeu, como era marcante no passado.
Hoje, a única diferença é o talento individual de alguns atletas brasileiros. Por causa deles, o Brasil tem a melhor seleção do mundo. São os craques que fazem a diferença, e não o estilo e o esquema tático.
O time argentino é o único que marca por pressão, que joga com um meia ofensivo e mais três atacantes e que desde o início atua como se estivesse perdendo. É um estilo vibrante, ousado, arriscado e inquieto, como o técnico Bielsa, que não pára de andar durante a partida. Gosto mais do estilo da Argentina, o que não significa que seja o mais eficiente e nem que o Bielsa é superior ao Parreira e aos outros técnicos. Não sei quem é o melhor.
Se a Argentina tivesse perdido a medalha de ouro, provavelmente entraria no lugar do Bielsa o eficiente Bianchi, que adora um futebol defensivo e de contra-ataque. Com ele, talvez a Argentina tivesse mais chance numa Copa do Mundo, mas consolidaria o estilo tradicional e único no mundo. O futebol precisa de alguns "loucos", como Bielsa.

E-mail tostao.folha@uol.com.br


Texto Anterior: Tênis - Régis Andaku: Alinhar expectativas
Próximo Texto: Panorâmica - Vôlei: Giba conhece a filha recém-nascida em Curitiba
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.