São Paulo, sábado, 01 de setembro de 2007

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JOSÉ GERALDO COUTO

Na estaca zero


O Corinthians faz 97 anos perto da zona de degola, sem estádio e com dívidas. O que restou da aventura MSI?


O CORINTHIANS completa hoje 97 anos. Há motivo para comemoração?
Depende. Se olharmos a atual situação do clube, não: o alvinegro está na beira da zona de rebaixamento do Brasileirão, deve R$ 70 milhões na praça e está sem treinador. Seu elenco não é dos melhores, sua torcida está revoltada. Além disso, o clube não dispõe de um estádio que possa abrigar jogos oficiais e não conta com um centro de treinamento decente.
Nos seus quase cem anos de história o Corinthians viveu outros momentos ruins, a par de fases de glória. Talvez nenhum outro time brasileiro tenha alternado de modo tão dramático o júbilo e o sofrimento, o triunfo e a humilhação.
Primeiro clube paulistano genuinamente popular, o Corinthians desempenhou um papel importante no processo de deselitização do futebol e se tornou um precioso patrimônio da cidade e do país. Time dos pretos e pobres, ainda hoje tem forte apelo junto às legiões de excluídos de todas as periferias. Seus rivais de nariz empinado o chamam de "maloqueiro", "gambá", "Curintcha". Devem achar que vivem na Suíça.
Desde que me conheço por gente o clube nunca teve administração profissional. Foi feudo de Vicente Matheus, Wadih Helu, Alberto Dualib. Nas últimas décadas esteve em mãos inábeis e nem sempre limpas.
Chega a ser irônico saber que a direção do clube tentou sem sucesso nesta semana trazer o treinador Tite de volta ao Parque São Jorge. Tite, vale lembrar, foi a primeira vítima da aventura perdulária e megalomaníaca conhecida como "parceria com a MSI", que entregou o futebol do clube a escroques internacionais.
Sim, Tite, que vinha fazendo um bom trabalho, tirando leite de pedra para fazer de um elenco precário um time competitivo. Quando entrou o dinheiro, em vez de perguntar ao treinador quais eram as carências do elenco e iniciar uma política séria de modernização e contratações, optou-se por negociatas espetaculares. Para o lugar de Tite veio Passarella, a peso de ouro, e deu no que deu.
Isso foi há dois anos e meio. De lá para cá o clube conquistou, é verdade, um título nacional, ainda que contestado. Em compensação, quantos milhões de dólares foram torrados no período? Quantos treinadores degolados, quantos jogadores queimados? Quantos processos na Justiça? Quanto sofrimento, quantas velas acesas a São Jorge para que livrasse o alvinegro do pesadelo da segunda divisão? O que ficou dessa malfadada parceria, além de dívidas e histórias mal explicadas?
Lembro-me de que, na época em que se anunciou a parceria com a MSI, os críticos que ousaram discordar ou simplesmente manifestar sua preocupação foram chamados de paranóicos, fantasiosos, anticorintianos. Havia uma euforia cega com os milhões, os astros, a sonhada internacionalização. O Primeiro Mundo ali na esquina. Dinheiro na mão é vendaval, já disse o poeta.
Às vésperas de completar um século de existência, o Corinthians parece voltar à estaca zero. É um pouco como o próprio país: uma sociedade civil desarticulada e à mercê de uma classe dirigente vil e mesquinha. "Seu passado é uma bandeira, seu presente é uma lição." Mas será que ela foi aprendida?


jgcouto@uol.com.br

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