São Paulo, terça, 1 de setembro de 1998

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A primeira vez e os médios sem vez

JOSÉ ROBERTO TORERO
da Equipe de Articulistas


Não sei se já lhe passou pela cabeça esta inteligentíssima idéia, leitor, mas sempre temos que passar pela primeira vez por todas as experiência da vida. Todos nos lembramos da primeira ida à escola, do primeiro porre, da primeira vez propriamente dita e coisas assim. No futebol é a mesma coisa.
Ainda me lembro da primeira vez que vi um time jogar de modo diferente do nosso, a Holanda de 74. Lembro-me também da primeira vez que vi Sócrates jogar. Era algo diferente e eu me lembro de ficar acompanhando seus movimentos no campo, mesmo sem a bola. E como esquecer a primeira vez que vi um juiz marcar um gol, no caso José de Assis Aragão, num histórico Santos 2 x 2 Palmeiras que o Santos vencia por 2 a 1 até, mais ou menos, os 40 do segundo tempo?
Revejo todas essas cenas porque nesse domingo fui à Vila Belmiro assistir aos 2 a 0 do Santos sobre o Internacional. E nesse jogo aconteceram comigo três coisas pela primeira vez.
A primeira foi a estréia do meia Messias, ex-Madureira; aliás um nome que se encaixa bem diante do atual jejum de títulos do Santos. Ele jogou bem, deu o passe para o gol de Lúcio e mostrou qualidades. Posso ter visto, pela primeira vez, a estréia de um craque.
A segunda foi a defesa de cabeça que Zetti fez à queima-roupa. Até hoje só tinha visto as convencionais defesas com as mãos, com os pés ou com as pernas. Um goleiro usar a cabeça, literalmente, foi a primeira vez.
E a terceira primeira vez foi que, nesse domingo, depois de anos frequentando a Vila Belmiro, pela primeira vez peguei a bola do jogo com minhas próprias mãos. Um jogador do Internacional deu um chutão para a arquibancada e ela veio vindo, veio vindo bem na minha direção. Eu a agarrei com firmeza e vivi, com toda a intensidade, aquele segundo de emoção. Depois joguei a bola de volta. É claro que o leitor não vai acreditar em mim, e isso é triste, porque talvez tenha sido a primeira vez que falei uma verdade nessa coluna.

Na vida, a grande maioria de nós não ultrapassa a faixa mediana, seja em termos de renda, emoções ou contribuição intelectual para o progresso da humanidade. Por sermos a maioria, deveríamos ter mais espaço na mídia, mas ela ou se ocupa dos muito ricos e gloriosos ou dos muito pobres e desesperados.
Todos falam da boa fase do Corinthians, do Santos e até do Sport. Por outro lado, também se comentam as aflições do Grêmio e do Atlético-MG, mas ninguém dá muita atenção ao Coritiba, ao Botafogo e ao Cruzeiro, que estão embolados com outros dez times que vivem uma situação dramática. Seus torcedores roem unhas, suam frio e têm um infarto por rodada, pois uma derrotinha de nada já os arrasta para o abismo da ameaça do rebaixamento e uma vitória, por melhor que seja, nunca dá o alívio suficiente. Mas esses times, como os médios da vida, ficam sempre esquecidos.


E-mail: torero@uol.com.br



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