São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2000

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ATLETISMO
Velocista, em discurso de cunho social, aproveita entrevistas, após conquista da prata no revezamento 4 x 100 m, para exigir pistas mais bem conservadas e exaltar patriotismo
Quirino dedica prata ao povo e pede a FHC melhores condições

Reuters
Da esquerda para a direita, Vicente Lenílson, Edson Luciano, André Domingos e Claudinei Quirino comemoram a medalha de prata


DO ENVIADO A SYDNEY

Duas noites após sucumbir na final de sua principal prova, os 200 m rasos, Claudinei Quirino aproveitou a prata no revezamento 4 x 100 m para discursar.
Primeiro, adotou um tom social. "Essa medalha não é só do Claudinei. É de todo o povo, é dos miseráveis", disse o atleta, que tem origem humilde -abandonado pelos pais, foi criado em um orfanato em Lençóis Paulista (SP). Depois, o velocista falou em causa própria. "Faço um pedido ao presidente da República. Queremos uma pista para treinar. Não sei se isso vai chegar a ele, mas gostaria de uma resposta."
Junto com Edson Luciano Ribeiro e André Domingos, Quirino treina com o técnico Jayme Netto Júnior no estádio de atletismo da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Presidente Prudente. Após 20 anos de uso, a pista está repleta de buracos. As placas de borracha estão soltas, e as que ainda não se soltaram ficaram duras.
"Nós não temos condições nenhuma de trabalho e, mesmo assim, somos ouro", afirmou o velocista, que se negou a reconhecer o segundo lugar. "Não falem que essa medalha é de prata."
Lado a lado com o recordista mundial dos 100 m, Maurice Greene, Quirino comparou a situação dos atletas brasileiros com a dos norte-americanos. "Se a gente tivesse o que eles têm, ganharia até correndo de costas."
O velocista chegou à Austrália no último dia 5 como a maior esperança de medalhas brasileira no atletismo. Vice-campeão mundial dos 200 m rasos e ouro no Pan-99, viu suas chances crescerem com os abandonos de Greene e Michael Johnson, nas seletivas dos EUA. Na madrugada de quinta, porém, deixou a final de sua prova na sexta colocação. Na ocasião, culpou sua largada pelo resultado.
Sério, circunspecto, durante todo o tempo em que deu entrevistas, Quirino alegou que havia prometido não sorrir. E, sisudo, continuou fazendo seus discursos. "Os atletas brasileiros ainda sofrem com a falta de patrocínios. Neste ano, quem teve condições foi para a Europa. Quem não teve foi correr na casa da vizinha."
Mais festivos, os outros três integrantes do revezamento preferiram comemorar o resultado.
"Foi lindo, maravilhoso. Fico emocionado só de pensar. É bom saber que corri bem, que ajudei meus companheiros", declarou Domingos. Para Ribeiro, que correu com Domingos na prova que deu o bronze, em Atlanta-96, a segunda colocação nas semifinais serviu para acordar a equipe.
"Era para termos vencido, mas acabamos atrás de Cuba. Levamos um susto, mas valeu muito a pena. Valeu essa prata", disse.
Vicente Lenílson, único titular da equipe que não treina em Presidente Prudente, era de longe o mais exaltado. Cantando músicas sertanejas, o velocista, que mora em Natal (RN), vibrava. "Esta medalha tem gosto de nervosismo, de não dormir, de não comer, de prazer, de dor, de tudo."
Assim que Quirino cruzou a linha de chegada, foi abraçado por Domingos. Lenílson, apelidado de "Batatinha", por sua baixa estatura - tem 1,65 m- se pendurou em Ribeiro, de 1,90 m.
Os quatro foram até as arquibancadas e pegaram com Netto Júnior quatro bandeiras do Brasil e uma de Presidente Prudente.
A pergunta sobre as bandeiras foi a deixa para Quirino fazer seu último discurso, de cunho patriótico. "Muitos gringos não sabem meu nome. Me vêem nas pistas e falam "Oi, Brasil". Eu não ligo não. Estufo o meu peito e vou em frente", afirmou. (FÁBIO SEIXAS)


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