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CONTARDO CALLIGARIS
Balanço olímpico
O primeiro-ministro australiano, John Howard, fez
três observações que me chamaram a atenção.
A primeira tenta recuperar politicamente um sucesso esportivo.
Howard não é muito favorável à
autonomia dos aborígines e à
idéia de compensações pelos abusos passados. Ele interpretou a vitória e a popularidade de Cathy
Freeman como a prova de que a
comunidade australiana estaria
menos dividida do que dizem.
Para entender o alcance dessa
declaração, imagine que, depois
da bela conquista da prata no revezamento 4 x 100 m, FHC venha
e declare que o Brasil está unido e
solidário, pois quatro homens
correram juntos até as estrelas.
Escutando esta primeira observação de Howard, quase fico contente que a campanha do Brasil
seja um meio fracasso.
A segunda declaração do premiê é mais interessante. Segundo
Howard, os australianos, a começar pela crianças, não praticam
esporte quanto se esperaria. Isso
parece estranho, pois é cômodo
considerar os resultados olímpicos como uma consequência da
difusão democrática do esporte.
Ou seja, se todos pudessem nadar,
jogar tênis, teríamos mais campeões. Na verdade, não é bem assim. Os países socialistas no passado simultaneamente democratizaram a prática do esporte e
promoveram o esporte de competição. Mas as duas coisas não vão
necessariamente juntas.
Uma piscina em cada escola
não é suficiente para produzir dez
Gustavo Borges e, entre eles, por
fatalidade estatística, um Ian
Thorpe. Para produzir atletas
ainda é preciso um incentivo econômico, técnico e popular.
Aqui a coisa complica. Todos
queremos uma piscina em cada
escola. Mas não concordaríamos
com a idéia de que seja também
uma prioridade incentivar o esporte de competição para ganhar
mais medalhas. Há coisas mais
urgentes, você dirá com razão.
Mas considere o seguinte. Por
que um grupo de fiéis se cotiza para construir uma igreja, quando
cada um deles mal consegue pagar as contas do mês? É que, sem
igreja, eles não constituiriam
uma comunidade e cada um deles seria ainda mais derrelito no
mundo. Por que organizar exposições e subvencionar as artes
quando há famílias passando fome? Por que erigir monumentos
quando ainda faltam casas? É
que, sem tudo isso, os sem-teto ficariam também sem história, sem
cultura e sem Brasil. A mesma lógica vale provavelmente para o
esporte de competição.
Justamente, Howard -foi sua
terceira observação- disse que
os Jogos estavam sendo psicologicamente ótimos para a Austrália.
Pois é, não gostaríamos de poder
dizer o mesmo para o Brasil?
E-mail ccalligari@uol.com.br
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