São Paulo, Quarta-feira, 01 de Dezembro de 1999


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Os líquidos de um palmeirense

JOSÉ ROBERTO TORERO
da Equipe de Articulistas

Antes do jogo, lá pelas sete da manhã, o palmeirense tomou seu café com leite para forrar o estômago. Era a partida mais importante da sua história. O jogo demorava para começar, e ele já ia ficando nervoso. Tomou então um copo de água com açúcar.
Nos primeiros minutos o Manchester United desequilibrou. Aqueles toques em linha reta, precisos, o fizeram levantar e pegar uma dosezinha de uísque.
Só para acalmar.
Veio então o gol perdido por Alex e depois a cabeçada de Paulo Nunes, que Silvestre tirou debaixo do gol. O que era aquilo senão o prenúncio de momentos felizes?
Como momentos felizes não se comemoram com uísque, ele sorrateiramente abriu uma lata de cerveja.
Estava limpando a espuma do bigode quando aconteceu o lance fatal: cruzamento de Giggs, mau posicionamento de Marcos, gol de Keane. Era uma injustiça, justamente quando o time estava melhor.
Tinha que rebater aquela sensação de embrulho no estômago com algo forte: um conhaque.
Sábia decisão: assim ele pôde suportar melhor o fim do primeiro tempo, o súbito desequilíbrio do time e os chutes tortos de Júnior Baiano.
No intervalo, para se tranquilizar, tomou um chazinho de camomila.
Reinício de jogo e Asprilla quase empata. O Manchester estava bem, mas aquele lance tinha tudo para animar o time e ele resolveu fazer uma caipirinha de vodca.
Houve momentos terríveis, como o gol perdido por Giggs e o quase gol contra de Júnior, mas, de modo geral, a tônica foi o Palmeiras martelar e tentar abrir espaços na bem compactada defesa britânica.
Em cada um desses lances, ele pegava a primeira garrafa que via pela frente.
No gol anulado de Alex, tomou uma caneca de rum para esquecer.
No chute de Alex, que passou à direita de Bosnich, ele bebeu meia garrafa de gim.
No lance em que Alex, sozinho, cabeceou rente à trave, ele engoliu uma dose de martíni.
Na hora que Oséas, cara a cara, chutou em cima do goleiro, ele mandou para baixo um gole de cachaça.
No chute cruzado de Euller, já um tanto amargo, ele entornou um copo de campari.
E, no sem-pulo de Alex, que Bosnich espalmou para escanteio, ele tomou, sem se dar conta, meio copo de vinagre.
Então o juiz apitou o fim do jogo. O palmeirense foi até a geladeira e viu a garrafa de champanhe que tinha reservado para a festa.
E engoliu em seco.

Não foi dessa vez. O Palmeiras, como seu torcedor, volta de Tóquio com o gosto de ressaca.
O time jogou melhor e teve mais chances. Poderia ter vencido por dois a zero, assim como naquele seu primeiro jogo contra o Savóia de Sorocaba, quando entrou em campo com seu uniforme todo branco com um triângulo azul no lado esquerdo do peito.
Mas não faz mal, o Palestra Itália nasceu na Primeira Guerra Mundial e renasceu como Palmeiras durante a segunda.
É um time acostumado às batalhas e logo vai estar de novo suando a camisa em busca de lágrimas de felicidade, que o suor e as lágrimas, e não a cerveja ou o uísque, é que são os verdadeiros líquidos do futebol.

E-mail torero@uol.com.br


José Roberto Torero escreve às quartas-feiras

Texto Anterior: PM prende três por violência
Próximo Texto: Tênis - Thales de Menezes: Na hora da decisão
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.