São Paulo, quinta-feira, 02 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Índice

FUTEBOL

Não era o que você queria?

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

"Cuidado com o que você quer, porque pode acabar conseguindo". A frase brilhante, cuja origem desconheço (tenho certeza de que os leitores vão me socorrer), parece se aplicar perfeitamente à fórmula do Brasileiro-2003, em turno, returno e pontos corridos. Muita gente que sempre defendeu esse formato confessou estar em dúvida, depois dos emocionantes mata-matas de 2002.
Eu entendo a hesitação, mas não podemos esquecer que os mata-matas foram muito excitantes graças às circunstâncias e não à fórmula em si. Poderíamos ter tido jogos chochos, amarrados, com cautela excessiva de um lado ou de outro. Já aconteceu muito: o time com a vantagem do empate faz o jogo de ida pensando que 1 a 0 é lucro e se preocupa mais com a marcação do que com o ataque. Não é a melhor das estratégias, não rende grandes espetáculos, mas às vezes funciona.
Na volta, o mandante tenta um golzinho sem muita volúpia, ampliando sua vantagem, defende-se até o fim e garante a vaga para a fase seguinte (ou a taça).
Mas, quando Santos e São Paulo - os dois times que mais vezes deram espetáculo neste Brasileiro- enfrentaram-se logo nas quartas-de-final, apimentaram a disputa. Jogando aquilo tudo na Vila Belmiro e abrindo boa vantagem em um jogo que poderia ser muito equilibrado, o Santos esquentou ainda mais aquela fase. Enquanto isso, o Corinthians goleava o Atlético como nem o corintiano mais otimista ousaria prever (o que, por outro lado, transformou o jogo de volta quase em um "cumprir tabela").
Não preciso refazer todos os passos, ainda está tudo muito fresquinho. Mas é importante lembrar que o campeonato inteiro foi mais emocionante do que se esperava graças aos times e não à fórmula (que, na primeira fase, é de pontos corridos...). A tabela foi aquela bagunça de praxe, com desigualdade no número de jogos disputados e desequilíbrio na distribuição dos mandos (a Lusa, por exemplo, emendou quatro jogos como visitante).
A arbitragem teve mil problemas e o Tribunal de Justiça Desportiva teve lá suas decisões incompreensíveis (como os 20 dias de suspensão para Renato Gaúcho). Tudo "como sempre".
Mesmo assim, o Brasileiro foi bom, e por quê? Porque bons jogadores foram revelados, porque nenhum time se distanciou cedo demais na liderança, porque muitos disputaram uma vaga na segunda fase até a última rodada, porque quatro seriam rebaixados e havia, entre os ameaçados, vários "grandes".
A maior "diversão" em rodadas pouco expressivas era acompanhar o martírio do Palmeiras...
No campeonato mais longo, é importante que haja estímulo para os seis primeiros, no mínimo, para o pelotão intermediário não se desmotivar logo. Mas com os três pontos por vitória, em poucas rodadas um time pode inverter toda a classificação. Não vai ser fácil relaxar.
Quanto à falta de uma final... Bem, concordo que esse ponto merece um capítulo à parte. Ouvindo e lendo outras opiniões (como a de Renato Maurício Prado, em "O Globo"), revi alguns conceitos. Voltarei a isso depois.
Enfim, o Brasileiro-2003 pode ser emocionante ou monótono, mas precisamos ter cuidado antes de dizer que a culpa (ou mérito) é da fórmula de disputa. Senão, ainda vamos chegar à conclusão de que o futebol brasileiro é bom porque é bagunçado!

Homenagem
Volta e meia alguém reclama da atenção demasiada que se dá ao futebol; da movimentação de torcedores para reclamar de uma convocação para a seleção ou do desempenho dos seus times: "Se essas pessoas se mobilizassem assim para reivindicar seus direitos...". Então vai aí uma sugestão para as torcidas: sabe aquelas notas que vocês costumam imprimir para "homenagear" os jogadores que consideram mercenários, traidores, etc.? Que tal encomendar uma série ilustrada com a imagem genérica do "deputado em quem você não vai votar novamente", em protesto contra o aumento dos seus vencimentos? Que se deu "dentro da Constituição", como fazem questão de dizer -embora aquele seu direito à educação e saúde, também previsto na Constituição, dependa de haver recursos no orçamento...

E-mail
soninha.folha@uol.com.br


Texto Anterior: Ação - Carlos Sarli: Fundo demais
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.