São Paulo, terça-feira, 02 de janeiro de 2007

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SONINHA

Super-homens, super-humanos

Fama e fortuna podem ser uma delícia, até um anestésico, mas um humano nunca está livre da dor

ANOS ATRÁS, antes da Copa de 2002, Ronaldo deu longa entrevista à ESPN Brasil. Aos vinte e poucos anos, aquele rapaz tinha experimentado glória e fracasso em escala monumental, sobre-humana. Um episódio demonstrava a dimensão de tudo o que acontecia em sua vida.
Recém-recuperado de cirurgia, voltara a campo pela Inter e marcara um gol. Anunciado nos alto-falantes dos estádios de toda a Itália, foi aplaudido em todos. Comovente, espetacular. Como seria o objeto daquela homenagem? Um super-homem, super soberbo? Perguntei a ele quando se sentia uma pessoa comum. "Quando eu ligo para casa e o Ronald não quer falar comigo".
Quem tem filho, sobrinho ou neto pequeno sabe bem o que é isso. A criança às vezes está entretida brincando e não quer nem saber do "vem aqui falar oi para o papai". O homem admirado, cobiçado e imitado no mundo todo não tinha regalias em seus próprios domínios. A relação entre pai e filho talvez seja uma das mais preservadas em sua autenticidade; uma das menos afetadas pela fama e prestígio (ou desprestígio).
Entre um e outro, pode haver cumplicidade, respeito, carinho e naturalidade em que o mundo não é capaz de interferir, felizmente. Nos últimos dias, vimos várias cenas do filho do Romário jogando bola. Menino doce, tímido, talentoso, aparentemente inabalado pelo que quer que digam do pai -"o melhor de todos os tempos dentro da pequena área", um "ex-jogador em atividade" (copyright by Paulo Cesar Vasconcelos). Romarinho joga bola, joga bem e, se o pai dá um conselho à beira do campo, obedece. Quando vê o menino jogar, Romário deve sentir o orgulho básico e extraordinário que faz parte do kit paterno universal. Idêntico ao do vizinho que quis ser jogador futebol e não conseguiu.
A gente às vezes esquece ou não acredita que essas pessoas ricas, badaladas, adoradas, são pessoas comuns. Quer dizer, incomuns, é fato. Mas têm temores, frustrações, sentimentos comuns a todo mundo.
Lembro de um momento em que um colega pensou nisso com preocupação e solidariedade. Anos atrás, Fabio Simplício, que não era considerado especialmente habilidoso, fez um golaço pelo São Paulo. No dia seguinte, as imagens foram repetidas um milhão de vezes -sempre com comentários jocosos, depreciativos. "Olha o que fez o FABIO SIMPLÍCIO!", como quem diz: "Depois dessa, tudo pode acontecer". O colega André Plihal, repórter da ESPN, estava diante da TV, vendo o enésimo programa esportivo a brincar com o fato. Subitamente, perguntou: "Você já pensou o que é ser, hoje, o Simplício? Você faz um golaço e é zombado no Brasil todo. Já pensou o que é ser, hoje, o filho do Fabio Simplício?". Mas a gente fala dos jogadores como se não fossem gente...
Eu estou de acordo que sofrer no ônibus lotado, no barraco dependurado, é pior do que sofrer atrás do volante da BMW ou na mansão com ar condicionado. É maior a raiva, o desespero. Mas a dor, não duvido, dói igual. E vergonha, decepção, frustração são sentimentos que um jogador de futebol conhece em medidas que mal concebemos. Se ficamos cabisbaixos, às vezes, com um fiasco deles, imagine os próprios.
Recentemente, vimos outra derrota do Ronaldinho Gaúcho. Eu, que me irritei tanto com sua inapetência na Copa, me comovi com a tristeza dele no Japão -e com sua emoção no lançamento de seu Instituto. Super poderoso... Super vulnerável.
Claro que há os que constróem tal couraça, vestem tamanha máscara que se sentem sempre superiores ao fracasso, às críticas, aos fatos. Não se abalam, não se chateiam, culpam alguém pelo que não deu certo. Mas são poucos os capazes de mentir tanto assim para si mesmos. Uns e outros são só humanos.


soninha.folha@uol.com.br

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