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SONINHA
Super-homens, super-humanos
Fama e fortuna podem ser uma delícia, até um anestésico, mas um humano nunca está livre da dor
ANOS ATRÁS, antes da Copa de
2002, Ronaldo deu longa entrevista à ESPN Brasil. Aos
vinte e poucos anos, aquele rapaz tinha experimentado glória e fracasso
em escala monumental, sobre-humana. Um episódio demonstrava a
dimensão de tudo o que acontecia
em sua vida.
Recém-recuperado de cirurgia,
voltara a campo pela Inter e marcara
um gol. Anunciado nos alto-falantes
dos estádios de toda a Itália, foi
aplaudido em todos. Comovente, espetacular. Como seria o objeto daquela homenagem? Um super-homem, super soberbo? Perguntei a
ele quando se sentia uma pessoa comum. "Quando eu ligo para casa e o
Ronald não quer falar comigo".
Quem tem filho, sobrinho ou neto
pequeno sabe bem o que é isso. A
criança às vezes está entretida brincando e não quer nem saber do "vem
aqui falar oi para o papai". O homem
admirado, cobiçado e imitado no
mundo todo não tinha regalias em
seus próprios domínios. A relação
entre pai e filho talvez seja uma das
mais preservadas em sua autenticidade; uma das menos afetadas pela
fama e prestígio (ou desprestígio).
Entre um e outro, pode haver cumplicidade, respeito, carinho e naturalidade em que o mundo não é capaz de interferir, felizmente.
Nos últimos dias, vimos várias cenas do filho do Romário jogando bola. Menino doce, tímido, talentoso,
aparentemente inabalado pelo que
quer que digam do pai -"o melhor
de todos os tempos dentro da pequena área", um "ex-jogador em atividade" (copyright by Paulo Cesar
Vasconcelos). Romarinho joga bola,
joga bem e, se o pai dá um conselho à
beira do campo, obedece. Quando vê
o menino jogar, Romário deve sentir
o orgulho básico e extraordinário
que faz parte do kit paterno universal. Idêntico ao do vizinho que quis
ser jogador futebol e não conseguiu.
A gente às vezes esquece ou não
acredita que essas pessoas ricas, badaladas, adoradas, são pessoas comuns. Quer dizer, incomuns, é fato.
Mas têm temores, frustrações, sentimentos comuns a todo mundo.
Lembro de um momento em que
um colega pensou nisso com preocupação e solidariedade. Anos atrás,
Fabio Simplício, que não era considerado especialmente habilidoso,
fez um golaço pelo São Paulo. No dia
seguinte, as imagens foram repetidas um milhão de vezes -sempre
com comentários jocosos, depreciativos. "Olha o que fez o FABIO SIMPLÍCIO!", como quem diz: "Depois
dessa, tudo pode acontecer". O colega André Plihal, repórter da ESPN,
estava diante da TV, vendo o enésimo programa esportivo a brincar
com o fato. Subitamente, perguntou: "Você já pensou o que é ser, hoje, o Simplício? Você faz um golaço e
é zombado no Brasil todo. Já pensou
o que é ser, hoje, o filho do Fabio
Simplício?". Mas a gente fala dos jogadores como se não fossem gente...
Eu estou de acordo que sofrer no
ônibus lotado, no barraco dependurado, é pior do que sofrer atrás do
volante da BMW ou na mansão com
ar condicionado. É maior a raiva, o
desespero. Mas a dor, não duvido,
dói igual. E vergonha, decepção,
frustração são sentimentos que um
jogador de futebol conhece em medidas que mal concebemos. Se ficamos cabisbaixos, às vezes, com um
fiasco deles, imagine os próprios.
Recentemente, vimos outra derrota do Ronaldinho Gaúcho. Eu, que
me irritei tanto com sua inapetência
na Copa, me comovi com a tristeza
dele no Japão -e com sua emoção
no lançamento de seu Instituto. Super poderoso... Super vulnerável.
Claro que há os que constróem tal
couraça, vestem tamanha máscara
que se sentem sempre superiores ao
fracasso, às críticas, aos fatos. Não se
abalam, não se chateiam, culpam alguém pelo que não deu certo. Mas
são poucos os capazes de mentir
tanto assim para si mesmos. Uns e
outros são só humanos.
soninha.folha@uol.com.br
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