São Paulo, terça-feira, 02 de março de 2004

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Enquanto o Sauípe vibrava com Guga, tenistas quebravam o pau

Conheça os detalhes da crise que provocou até lágrimas na equipe brasileira da Copa Davis

RÉGIS ANDAKU
COLUNISTA DA FOLHA

Logo após ganhar o título da Costa do Sauípe, anteontem, Gustavo Kuerten festejou bastante emocionado o fim do jejum de 32 meses no saibro. Ainda em quadra, lágrima nos olhos, agradeceu a familiares, técnico, namorada, torcida, amigos, organizadores.
Kuerten, sorridente, dizia-se "tranqüilo, animado, empolgado". Telefonou para a mãe, Alice, que estava em Florianópolis, e se disse "o cara mais feliz do mundo". À noite, festejou com uma lauta refeição no Marriot Hotel.
O título e a festa, porém, escondem a maior crise já vivida pelo tênis nacional desde que, com o primeiro título de Guga em Roland Garros, há sete anos, o esporte passou a ocupar as manchetes dos jornais. A substituição de Ricardo Acioly por Jaime Oncins no cargo de capitão da Copa Davis, às vésperas do torneio, foi o estopim para detonar a "bomba".
Aos olhos do público, Kuerten venceu cinco partidas em cinco dias, ganhando seu primeiro título no saibro desde julho de 2001, quando triunfou em Stuttgart. Fora dali, entretanto, reuniões secretas, palavras como "traidor", rumores sobre boicote à Davis e até um choro fizeram parte dos bastidores de uma crise inédita.

Movimentações
A "bomba" foi detonada exatamente na semana do maior evento disputado no Brasil. As manobras políticas tiraram o foco da disputa e tornaram a movimentação nos bastidores mais agitada do que a correria em quadra.
Acioly já havia sido avisado pelo presidente da Confederação Brasileira de Tênis, Nelson Nastás, de que seria substituído.
O dirigente passou a descartar Acioly depois da derrota para o Canadá, na repescagem em setembro do ano passado.
Rebaixados à segunda divisão naquele confronto, os jogadores, por meio de Acioly, chamaram Nastás para uma conversa ainda no vestiário do Stampede Park, em Calgary (Canadá).
Chegaram a perguntar se o dirigente não achava que deveria deixar o comando da CBT.
Além de ser alvo de denúncias de irregularidade em sua gestão, Nastás é fortemente criticado pelos tenistas por ter desperdiçado o bom momento que o tênis viveu no país e não ter fomentado e popularizado a modalidade.
O fato de Acioly, funcionário da CBT, ter "agendado" o encontro com Nastás ajudou a selar o destino do ex-capitão da equipe.
Seu gesto foi visto como "conivente com os jogadores". Ele só soube de sua demissão, porém, por intermédio de Oncins no sábado retrasado.
"Você sabe a "roubada" em que está se metendo?", perguntou Acioly a Oncins. Diante da reposta positiva, desejou "boa sorte".
Coube ao novo capitão avisar os tenistas. Gustavo Kuerten, melhor jogador do país (16º do ranking) e peça-chave da equipe, foi o último a saber, avisado por Flávio Saretta, 45º do mundo.
Irritados por não terem sido consultados, os jogadores fizeram uma "reunião de emergência" com Acioly ainda na noite do sábado. Nastás, após anunciar a mudança, viajou à Europa.
No quarto de Kuerten, quase madrugada, os jogadores, ao longo da conversa, criticaram Oncins por aceitar o posto sem consultá-los e cogitaram até a possibilidade de boicotar o confronto diante do Paraguai, na mesma Costa do Sauípe, entre os dias 9 e 11 de abril.
Intempestivo, Saretta era o mais favorável à medida. Por ele, Fernando Meligeni seria o nome de consenso, mas sabe que o ex-tenista jamais seria convidado, pois tem divergências com a CBT.
No domingo, um novo encontro foi realizado. Desta vez, com Oncins. Os jogadores deixaram evidente o desconforto pela maneira que o novo capitão assumia a equipe. Ressaltaram não haver nenhum veto pessoal ao nome do ex-jogador, mas pediram que ele entregasse o cargo de volta à CBT.
Constrangido, Oncins chorou e disse que "não poderia deixar de realizar um sonho", mas que lutaria pelos jogadores. Ao fim da conversa, pediu (e ganhou) um "voto de confiança". Mas passou o resto da semana abatido, isolado, esperando a poeira baixar.
Segundo a Folha apurou, ao não atender o pedido para abandonar o posto, Oncins deixou nos jogadores a imagem de "traidor".
É, agora, visto com desconfiança. Os tenistas acham que é difícil ele dizer que vai defender os jogadores se acertou tudo com a confederação antes de consultá-los.
Além de ter provocado um racha entre os tenistas e o novo capitão antes mesmo de a parceria começar, a nomeação de Oncins neste momento acirrou a disputa política nos bastidores.
Um grupo de ex-tenistas com ligação com o Rio acredita que Oncins não terá condições de peitar a CBT para apoiar os atletas.
Já um grupo formado por ex-jogadores de São Paulo apóia o nome de Oncins, que representaria uma mudança na CBT, sem o aumento da influência do grupo carioca e catarinense, que também é oposição à atual direção.
Oncins terá de fazer a convocação dos jogadores nos próximos dias. Nesta semana, Saretta iria jogar em Acapulco, mas desistiu. Sá e Kuerten nada têm agendado.
Na próxima semana, Kuerten e Saretta disputam o Masters Series de Indian Wells, enquanto Sá joga um torneio na Colômbia. Sá, que havia perdido espaço na equipe devido a sua péssima fase -é o 196º do ranking-, é treinado por Oncins, mas deve seguir a mesma posição de Guga e Saretta.
Várias conversas por telefone estão sendo feitas. O mais provável é que tudo "acabe em pizza", como apostam dirigentes.
A não ser que Oncins mude de idéia e anuncie sua saída da equipe, o que é pouco provável.
Há quem aposte que os tenistas façam um "boicote branco", alegando contusão e, assim, deixando de atender a convocação.
Larri Passos, técnico de Guga e que já fez parte da equipe da Davis, por sua vez, tem grandes divergências com a CBT e diz não querer se envolver no problema.
Defende, porém, que os tenistas simplesmente não atuem enquanto a atual direção não sair.
Essa opção, porém, é praticamente descartada pelo próprio Kuerten. Longe dos microfones, apesar de criticar a confederação, ele disse à Folha que "é difícil" deixar de jogar a Davis.
O catarinense gosta de Oncins -tem mais afinidade com ele do que com Acioly- e acha que, com o boicote, o ex-parceiro de duplas sairia queimado.


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