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FUTEBOL
Nova versão de uma velha carta
JOSÉ ROBERTO TORERO
Querida, finalmente chegamos
a algum lugar. Já não aguentava
mais o balanço do navio. Vomitei
feito uma grávida em toda a viagem. Não havia cabine para mim
e tive que dormir no cavername.
Ando pensando muito em ti e não
vejo a hora de voltar para teus
braços. E para as pernas. E para...,
bem, é melhor parar por aqui.
Mas deixe-me contar-te o que
aconteceu:
Finalmente aportamos numa
ilha muito bela, agora nomeada
de Vera Cruz. Atracamos a uns
duzentos metros da praia. Então
tomamos dum bote e fomos até a
terra. Eu fiz questão de ir junto
para ver se comia algumas frutas
e melhorava meu estado. No mesmo bote, foram o capitão-mor Pedro Álvares, frei Henrique e, para
remar, dois marinheiros, um de
nome Lopo de Pina e outro chamado Cosme Fernandes. Quando
demos à praia, não vimos ninguém, mas, olhando ao longe, percebemos uma poeira que levantava. Pé ante pé, fomos até lá.
Qual não foi nosso espanto
quando chegamos a um enorme
terreno muito limpo, onde havia
uma grama cerradinha e mais de
vinte selvagens correndo pelo
campo. Curiosamente, uma metade usava cocares amarelos, e, a
outra, vermelhos. Numa espécie
de larga escadaria, o público se
postava ao lado do gramado e gritava. Uns, pintados de amarelo,
bradavam a plenos pulmões: ""Tupiniquins, tupiniquins!". Outros,
tingidos de vermelho, berravam
com todas as suas forças: ""Tupinambás, tupinambás!".
Ficamos escondidos sem que
nos percebessem.
Então, reparando melhor, vi
que os silvestres não corriam à
toa, mas sim atrás de um crânio
de macaco. Era de se admirar a
maestria com que controlavam
tal peça, conseguindo passá-lo de
um pé a outro de tantas e várias
formas que eu só podia crer no
que via porque meus olhos não
mentem como minha boca.
Vi depois que nos cantos opostos
da clareira havia duas pequenas
estruturas de traves com bambus
e que os guerreiros tentavam colocar o crânio entre elas. No meio de
tudo havia um outro selvagem,
inteiramente pintado de preto,
que segurava um animal verde.
Quando um dos silvícolas se excedia em força numa disputa, o homem de negro apertava o pobre
papagaio, que gemia um som
agudo, e todos paravam. O crânio
era colocado no local da infração
e logo tudo recomeçava.
Foi quando alguns dos que gritavam tupinambás nos descobriram. Pensei que fossem nos matar, mas, como estávamos todos
de carapuças vermelhas, acho que
nos tomaram por seus amigos e
foram muito gentis, nos levando
para seu lado nas arquibancadas.
Depois, por meio de sinais e gestos, nos fizeram entender que
aquilo era um antigo ritual, uma
espécie de batalha simulada que
eles disputavam todos os anos.
Dessa vez, o ritual terminou
dois a dois.
Os tupiniquins jogaram num 4-2-4 com Piquerobi; Paraguaçu,
Taquaraí, Pindoba I e Peri; Guará
e Guaramirim; Mogi, Jururu,
M'Boi Guaçu e Pindoba II.
Os tupinambás, dos quais desde
já sou torcedor, optaram por um
4-4-2 e foram a campo com Caoru; Itaquá, Cariri, Arabutan e Curumim; Tatá, Cucuia, Timpuama
e Abaporu; Catinga e Ipioca.
Foi esse o nosso primeiro encontro com os naturais dessa terra.
Mas amanhã, quando for escrever
uma carta ao rei, farei uma versão um pouco diferente.
Um beijo daquele que é teu em
alma, mas preferia sê-lo em corpo,
Pero Vaz de Caminha.
E-mail torero@uol.com.br
José Roberto Torero escreve às terças e
sextas-feiras
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