São Paulo, terça, 2 de junho de 1998

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Analogias futebolísticas para intelectuais

Explicar o futebol e a seleção brasileira é minha missão! Este artigo é mais uma batalha dessa interminável guerra contra a ignorância!
Nesta terça-feira meu alvo será um dos grupos que mais desconhece os mistérios do esporte bretão: os intelectuais. Durante a Copa, esses pobres homens de lentes grossas se sentirão tão oprimidos quanto um estóico numa festa de reichianos. Porém com essas dicas tentarei diminuir seu sofrimento.
Como estou me reportando a um público sofisticado e amigo das academias - das universitárias, não das de ginástica - para lhes explicar quem são nossos jogadores escolhi o caminho da filosofia. Espero que, ao fim do texto, tenha conseguido fazer uma ponte entre suas mentes refinadas e o coração do torcedor comum.
Nosso goleiro, caro leitor do Mais!, chama-se Taffarel. Para entendê-lo bem você deve pensar em Santo Agostinho e sua idéia de que nenhum homem merece a redenção divina.
Ele defende uma cidadela que, aos nossos olhos, deveria ser perfeita e imaculada como a Cidade de Deus, mas lá está ele para nos lembrar a fatalidade da perdição.
Jogando no lado direito do gramado existe um jogador chamado Cafu. Um meio de entendê-lo seria recorrer ao existencialismo. Ele é voluntarioso, vibrante e nem sempre mede as consequências de seus atos pelo peso da reflexão abstrata. Como a seleção brasileira joga mais pelo lado esquerdo, ele muitas vezes pergunta-se se é um ser ou se é um nada.
Mais fácil é entender a natureza do nosso central, Júnior Baiano. Ele é a reencarnação do "bom selvagem" de Rousseau.
Só que ele é "bom" aos nossos olhos e "selvagem" aos olhos dos adversários.
Quando ele falha, tem na cobertura o também não muito carinhoso Aldair, um darwiniano que testa a capacidade de adaptação e sobrevivências dos atacantes contrários.
Nosso lateral-esquerdo, Roberto Carlos, é demolidor como Karl Marx. Sua presença no campo inimigo tem o mesmo efeito da teoria marxista na história da filosofia.
Sua entrada em velocidade e seu chute forte causam tanto impacto como, um dia, causaram as idéias de mais-valia e união da classe proletária.
Quanto aos nossos volantes, Dunga e César Sampaio, nada mais fácil. São dois autênticos cartesianos.
Possuem um método racional de jogar, mas lhes falta uma certa capacidade de invenção.
Giovanni, nosso meia-direita, é ornamental e clássico, mas o pensamento é engenhoso e surpreendente. Poderia ser comparado a Montaigne. Já Rivaldo, o meia-esquerda, confunde os marcadores como Sócrates desafiava os sofistas atenienses.
Denílson, o reserva desses dois, é a encarnação da filosofia de Nietzche. Ele é agitado, demolidor, breve, fulminante e joga com uma efusão só vista nas páginas de um Zaratustra.
Ronaldo, que usa o mesmo penteado de Foucault, é um atleta que possui um pouco do pragmatismo de Adam Smith e outro tanto do idealismo de Platão. É eclético e, por isso, tão difícil de marcar quanto de definir.
O outro atacante ainda é uma incógnita. Se for Bebeto, devemos pensar no pessimismo de Schopenhauer; se for Romário, na teoria da libido de Freud.
Por fim, há Edmundo, um jogador que comprova a teoria do conhecimento de Locke: realmente alguns indivíduos são uma tábula rasa.

e-mail: torero@uol.com.br



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